+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

“Tragédia. Desastre permanente. Crime”, afirma geógrafo da UFF sobre Brumadinho, da Vale

“É visível que, quando a população é de outra classe e de outra cor do que quando a população é vulnerável, negra, pobre e rural, essas barragens não são construídas”

Completados neste 25 de janeiro dois anos do rompimento da barragem da megaempresa Vale em Brumadinho (MG), não há qualquer pessoa cumprindo pena pela morte de pelo menos 270 almas e outras 11 que continuam desaparecidas em meio à lama de rejeitos da mineração.

Na sexta-feira, 22, representantes da Vale S/A e do governo de Minas mais uma vez debateram o valor da multa devida ao governo de Minas Gerais pelo desastre cujos efeitos ainda permanecerão por um bom tempo, enquanto moradores impactados – nenhum acordo foi fechado.

As populações impactadas ainda buscam reparações, cíveis e criminais e exigem a manutenção do auxílio emergencial e indenizações que a Vale foi obrigada a pagar.

Mesmo a semântica ajuda pouco. Representantes da Justiça, do governo do Estado de Minas e a imprensa variam na suavidade com que tratam as centenas de mortes derivadas do crime corporativo praticado pela Vale em Brumadinho.

Ora chamado de desastre, em outras vezes, de tragédia e na maioria das vezes pelo nome técnico de “rompimento da barragem”, o “fenômeno”, por assim dizer, recebe do professor Luiz Wanderlei, uma classificação mais direta e precisa.

É uma tragédia que sobrevive nas pessoas, é um desastre ambiental e social permanente que continua se reproduzindo diariamente e, sobretudo, é um crime, devido à uma diversidade de ilegalidades e crimes ambientais e sociais”, afirma Wanderey, que dá aulas de geografia na Universidades Federal Fluminense e do Estado do Rio de Janeiro e integra o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração.

Para ajudar a manter viva a lembrança que alimenta a luta por justiça, Arayara vai trazer até a sexta-feira (29) uma série de entrevistas com vários representantes das populações impactadas pela tragédia ou de autoridades que também procuram fazer justiça – e cujas estórias não devem ser soterradas sob a lama do esquecimento.

A primeira das entrevista é esta que segue e que está na íntegra aqui. Trata da opção econômica que o Brasil fez pela mineração para exportação, que tem seu epicentro nos estados de Minas Gerais e do Pará, e que é a responsável por fenômenos do tipo Brumadinho.

“O rompimento de barragens é algo do modus operandu da mineração em escala global. Sobretudo, na periferia global, no Sul Global, onde o Brasil se inclui”, explica Wanderley, ao definir a posição do País na geopolítica global da mineração.

Ele também integra outra organização dedicada ao tema do modelo mineral brasileiro, suas consequências para a economia, seus impactos sociais e ambientais, as estratégias dos grandes grupos econômicos que atuam na mineração.

Trata-se do grupo de pesquisa acadêmica Poemas (Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade), que investiga o comportamento das grandes corporações de mineração, suas estratégias nos mercados local, nacional e global, e as relações dos desastres com planos das corporações s frente aos preços, concorrentes, os Estados e as comunidades locais que são atingidas.

“Esse é um modelo que não visa a extrair minério para o desenvolvimento nacional”, conclui. “No contexto após 2011, com os preços do minério de ferro caindo, a mineradoras passam a produzir numa velocidade maior para compensar as perdas da queda do valor do minério, sobretudo para quebrar seus competidores menores e ganhar e fazer monopólio de mercado”, diz Wanderley, que planeja lançar, em 2021 o Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil.

Ele é pragmático quanto à capacidade de o estado brasileiro controlar as megacorporações da área mineral.

Do ponto de vista institucionalizado, essas corporações dominam todos os campos. Elas estão totalmente dentro do Estado. Elas são o Estado. Seja pela concepção do próprio Estado. Gestores privados saem da gestão privada e vão para a gestão pública onde implementam uma perspectiva privada. Posteriormente eles voltam para a gestão privada, com informações privilegiadas e contatos nos Ministérios e Secretarias, e flexibilizando licenciamentos. Hoje não existe um mecanismo de controle”.

Wanderley e seu grupo se dedicam também a estudar – e chegaram a produzir um relatório sobre o assunto – a legislação que regulamenta a segurança das barragens e, nesse aspecto, destaca que, também no campo da mineração, o racismo que caracteriza a sociedade brasileira se expressa de forma bruta.

“O racismo se agrava quando se olha o perfil populacional dos mais vulneráveis por essas barragens e os que mais sofrem com os desastres, de Brumadinho e Mariana. Uma percentagem significativa dos atingidos era de pessoas negras. Isso é algo que se repete no modelo mineral brasileiro, que é racista desde a sua origem colonial e reproduz sob outras formas. Na forma da violência de muitos desses indivíduos , e também nas remoções de famílias e nas desapropriações irregulares de indivíduos que estão abaixo de barragens”, afirma.

“É visível que (quando) a população é de outra classe e de outra cor, essas barragens não são construíras ou construídas com muitas outra compensações que não quando a população é vulnerável, negra, pobre e rural”, completa.

Porém, o professor se mostra mais otimista quando o assunto é a organização da sociedade civil. “Do ponto de vista local, das comunidades, existe uma resistência que vem surgindo na última década. Surgiram movimentos críticos à mineração , entre os quais o Comitê , o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração, o Movimento dos Atingidos por Barragens e Justiça nos Trilhos, organizações governamentais e outros movimentos sociais. Mas, a força dessas mineradoras nos municípios é altíssima, frente aos prefeitos, à massa da população que é manipulada com promessas fictícias de emprego, renda, melhoria das condições de vida , desenvolvimento”.

A entrevista completa você pode ouvir aqui:

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

ARAYARA na Mídia: Por que a América Latina não consegue abrir mão do petróleo

Com a aproximação da COP30, Brasil e Colômbia apresentam visões distintas de uma “transição energética justa” para os países em desenvolvimento Na preparação para a cúpula do clima da ONU deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se apresentado como um defensor global do meio ambiente, apontando para a forte redução do desmatamento na Amazônia desde que

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: How climate activists and environmental defenders can stay safe at COP30

As the global climate movement turns its attention to COP30 in Belém, Brazil, thousands of advocates, researchers, and frontline defenders are preparing to gather for what could be a pivotal summit. While these international spaces are crucial for collective action and policy influence, they also bring real security challenges – especially for participants from marginalised communities or those leading advocacy

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Global asset or frontier for extraction? COP30 is a reckoning for the Amazon

Governments of the Amazon are reaffirming their goals of pursuing green investment – all while expanding fossil fuel exploration and mining. In November, the world will turn its attention to the Brazilian city of Belém, as it hosts the COP30 summit. In its thirtieth edition, the UN’s annual climate conference, which aims to accelerate international efforts to mitigate and adapt to

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: ¿Qué bancos financian la expansión petrolera en ecosistemas clave de América Latina y el Caribe?

Un informe de Amazon Watch y aliados detalla cómo los grandes bancos internacionales financian empresas que realizan obras gasíferas y petroleras en la Amazonía y sitios centrales de los océanos Atlántico y Pacífico. El estudio explica que los bancos contradicen sus propias políticas para proteger la Amazonía. Entre 2022 y 2024, 298 bancos canalizaron 138 500 millones de dólares a empresas transnacionales

Leia Mais »