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Temporal no Paraná prova que há um novo normal no clima

Companhia estadual de energia diz que foi o pior evento da história no interior do Estado, mas o Sistema de Monitoramento Ambiental já havia registrado em setembro ventos com velocidades até 50% superiores ao verificado neste final de semana

Carlos Tautz

O fortíssimo temporal que atingiu o meio rural do Paraná neste sábado (23) mostrou a gravidade das mudanças no clima e seus eventos meteorológicos extremos. Os ventos de até 100 km por hora atingiram 19 municípios das regiões noroeste e oeste do Estado, provocaram o desligamento de mais de um milhão de domicílios atendidos pela Copel, a companhia estadual de energia, e danificaram perto de mil casas – 600 delas em Foz do Iguaçu.

No pior momento das chuvas, informou a Copel, 552 mil unidades consumidoras chegaram simultaneamente a ter o fornecimento de energia interrompido devido à ocorrência de raios, queda de árvores e rajadas de vento que variaram entre 80 e 90 km por hora em diversas localidades, chegando aos 100 km/h em Cianorte.

Até a megausina binacional de Itaipu foi atingida e, por precaução, desligou cinco de suas 20 turbinas, depois que sistemas de proteção desconectaram linhas de transmissão de 750 quilovolts que ligam Itaipu ao Sistema Interligado Nacional (SIN). A hidrelétrica, sediada em Foz do Iguaçu, no Rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai, fornece 10,8% da energia consumida no nosso País e 88,5% no país vizinho. 

Os serviços de saneamento e distribuição de água potável também foram duramente atingidos, de acordo com a Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná). A falta de energia obrigou a suspensão do abastecimento de água a 85 localidades atendidas pela companhia.

A intensidade dos ventos diminuiu sensivelmente ao longo do final de semana, e o Simepar (Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná) informou que a estabilidade no clima voltou à grande parte do Estado ainda nesta segunda.

“Desmatamento e incêndios florestais sem controle, aposta nos combustíveis fósseis no lugar na transição energética, uma ode à insensatez. Enquanto isso, eventos extremos passam a ser a regra: seca e chuvas intensas, ondas de frio e principalmente de calor, tempestades de areia e outras ocorrências. O temporal na região sul neste final de semana provavelmente se insere nesse quadro. Estamos ultrapassando vários limites e o planeta está nos dando a resposta”, explica Suely Araújo, especialista sênior do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.

O léxico do novo normal climático

Ainda que preocupantes, eventos climáticos extremos como esses que ocorreram no Paraná vão se tornando cada vez mais uma espécie de novo normal. Segundo o Simepar, o mês de setembro registrou várias tempestades. 

Em 8 de setembro, os ventos alcançaram 150 km por hora no aeroporto de Maringá – uma velocidade 50% maior do que o nível máximo observado neste final de semana – e no dia 19 houve tempestade de granizo na Região Metropolitana de Curitiba.

O novo normal climático já nos impôs um novo léxico, em que a expressão “fenômenos climáticos extremos” talvez seja o de maior frequência e importância, principalmente por conta de seu particular impacto sobre a saúde humana.

Segundo o programa Clima e Saúde, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz, pertencente ao Ministério da Saúde), uma das maiores referências mundiais em saúde pública, “os eventos climáticos e meteorológicos extremos, geralmente, são classificados como de origem hidrológica (inundações bruscas e graduais, alagamentos, enchentes, deslizamentos); geológicos ou geofísicos (processos erosivos, de movimentação de massa e deslizamentos resultantes de processos geológicos ou fenômenos geofísicos); meteorológicos (raios, ciclones tropicais e extra-tropicais, tornados e vendavais); e climatológicos (estiagem e seca, queimadas e incêndios florestais, chuvas de granizo, geadas e ondas de frio e de calor)”.

Essa variação radical das condições meteorológicas provoca impactos imediatos em várias áreas, simultaneamente.

A Fiocruz explica que “as mudanças ambientais e climáticas globais podem produzir impactos sobre a saúde humana com diferentes vias e intensidades. (…) um evento climático ou meteorológico extremo resulta de uma séria interrupção do funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade, afetando seu cotidiano. Essa paralisação abrupta envolve, simultaneamente, perdas materiais e econômicas, assim como danos ao ambiente e à saúde das populações por meio de agravos e doenças que podem causar mortes imediatas e posteriores. Uma ocorrência do gênero torna o grupo afetado incapaz de lidar com a situação utilizando os próprios recursos, o que pode ampliar os prejuízos para além do lugar de sua eclosão”.

Uma forma de enfrentar e de evitar esses fenômenos é diminuir ou até suspender a emissão de gases que estão entre as principais causas das mudanças climáticas – mas, nesse quesito, o Brasil vai muito mal, devido à decisão do governo federal de contrariar as orientações da ciência.,

Por exemplo, vários dos países que mais contribuem para a emissão de gases causadores do Efeito Estufa, que aumenta a temperatura da Terra e provoca mudanças no clima, já anunciou a intenção de reduzir a carga de poluentes descarregados na atmosfera.

Mas, o Brasil, cujo governo nacional sistematicamente destrói o seu próprio sistema de regulação e fiscalização ambiental, ao mesmo tempo em que continua a leiloar o direito a grupos econômicos explorarem petróleo e gás natural, vai na contramão da história. Quem aponta essa tendência é o Observatório do Clima, uma rede de organizações das sociedade civil brasileira que monitora as políticas públicas que contribuem para a emissão de gases estufa.

O Observatório produziu em 2020 o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Brasil, que faz o balanço de emissões anualmente.

“O Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, com uma característica particular: 44% de nossas emissões estão inclusas no setor de mudança de uso da terra, desmatamento primordialmente. Se somarmos com os 28% de emissões da agropecuária, tem-se que 72% das emissões são originadas na área rural. Energia responde por 19%. As emissões per capita do Brasil são maiores que a média mundial. Novos números são esperados para os próximos dias, com a divulgação dos dados do sistema SEEG do Observatório do Clima, mas a realidade provavelmente permanecerá próxima a esse quadro. O Brasil não tem cumprido suas tarefas no campo da política ambiental e climática, longe disso”, completa Suely Araújo.

Isso não quer dizer, entretanto, que o Brasil seja o único vilão climático da Terra.

Segundo o relatório The 2021 Production Gap Report, publicado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), “apesar do aumento das ambições climáticas e compromissos net-zero, os governos ainda planejam produzir mais do que o dobro da quantidade de combustíveis fósseis em 2030 do que o que seria consistente com a limitação do aquecimento global a 1,5 ° C”.

Foram pesquisados 15 grandes produtores de gases estufa: Austrália, Brasil, Canadá, China, Alemanha, Índia, Indonésia, México, Noruega, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e os Estados Unidos. A maioria desses governos continua a fornecer apoio político significativo para a produção de combustíveis fósseis.

“Os impactos devastadores das mudanças climáticas estão aqui para que todos possam ver. Ainda há tempo para limitar o aquecimento de longo prazo a 1,5 ° C, mas essa janela de oportunidade está se fechando rapidamente ”, disse Inger Andersen, Diretor Executivo do UNEP. 

Entre 31 de outubro e 12 de novembro acontecerá a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, a COP26 ou, ainda, como Conferência de Glasgow. Será a 26ª Conferência ONU sobre o tema.

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