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Exploração de petróleo na Foz do Amazonas gera tensão e ameaça ativistas ambientais

Exploração de petróleo na Foz do Amazonas gera tensão e ameaça ativistas ambientais

A Foz do Rio Amazonas, uma das áreas mais ricas em biodiversidade do Brasil, está no centro de uma intensa disputa ambiental. Em meio ao debate sobre a liberação do bloco petrolífero FZA-M-59, comunidades locais, pescadores e ambientalistas têm buscado apoio para tentar barrar a expansão da exploração predatória de petróleo na região.

Diante desse cenário, o Instituto Internacional ARAYARA, em parceria com lideranças locais e outras organizações, uniu forças para mobilizar pescadores, indígenas, ribeirinhos e quilombolas em seis municípios do Amapá. Entre os dias 11 e 22 de novembro, foram realizadas oficinas e encontros que buscaram amplificar as vozes das comunidades tradicionais ameaçadas pela expansão da indústria petrolífera. Essa coalizão de organizações dedicadas à defesa do meio ambiente também alertou sobre os potenciais impactos socioambientais que ameaçam a Costa Amazônica.

O avanço da indústria petrolífera

São intensas as pressões sobre a região Amazônica, tornando-se cada vez mais evidente que o preço a ser pago por quem decide interferir nesse caminho vai muito além da perda da biodiversidade. Durante a excursão, equipes e participantes do evento sentiram esse dilema na pele, enfrentando riscos durante as atividades programadas que aconteceram nas localidades de Oiapoque, Calçoene, Cunani, Amapá e Bailique.

Em uma oficina realizada no município de Calçoene, uma representante da ARAYARA, relatou momentos de tensão após um grupo favorável à exploração de petróleo aparecer repentinamente no local e interromper as atividades de maneira intimidatória.

Ela relatou ainda que em outra ocasião, durante uma oficina no município do Amapá, um político que se identificou como ex-delegado interferiu diretamente na apresentação conduzida por ela, onde eram discutidos dados sobre a pesca artesanal e os impactos da exploração petrolífera na região. Inclusive, o político tentou desqualificar os estudos apresentados, criando um clima hostil. 

Diante dos episódios de intimidação, que comprometeram os objetivos educativos das oficinas e colocaram em risco a segurança dos participantes, Fernanda Coelho, gerente do departamento jurídico da ARAYARA, enfatizou a responsabilidade dos parlamentares como representantes do Estado. Ela destacou que é dever desses agentes proteger o direito humano a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme assegurado pelo Artigo 225 da Constituição Federal e pela Resolução 76/300 da ONU, em vez de agir em sentido contrário.

“Existem indícios de uma articulação destinada a obstruir as oficinas, incluindo a disseminação de informações falsas e tentativas de sabotar o evento”, afirmou Fernanda Coelho.

 

Informação e conscientização 

 

O Estudo Impactos do avanço do petróleo na pesca da Costa Amazônica, apresentado pela pesquisadora da ARAYARA, alertou as comunidades visitadas para os riscos de danos ambientais ao ecossistema complexo e sensível dos manguezais e dos recifes amazônicos, assim como a ameaça direta às comunidades que dependem dessa biodiversidade para sobreviver. 

 

A pesquisadora destacou que, além de apresentar dados, o estudo serve como um importante instrumento para as comunidades, ao evidenciar a relevância essencial da região para a pesca e para o modo de vida de milhares de pessoas diretamente conectadas a essa atividade. “Trabalhadores e trabalhadoras que já enfrentam diariamente os riscos do mar agora encaram novas preocupações, como a disputa por espaço marítimo e os conflitos em seus territórios”, alertou.

 

Os estudos apresentados durante as oficinas destacaram os graves impactos da exploração petrolífera, incluindo a poluição irreversível dos manguezais, da água e do ar. “Os pescados da Costa Amazônica, além de servirem como fonte de alimento, sustentam uma indústria pesqueira significativa, tanto no mercado interno quanto no global, gerando empregos diretos e indiretos ao longo de suas cadeias produtivas”, ressaltou.

 

Tensão nas comunidades locais 

 

“Porque não investir numa energia permanente, limpa e que temos tanto aqui na região?”, questionou o professor de uma comunidade ribeirinha do Bailique que participou de uma das oficinas.“Em pleno século 21 estão pensando na exploração de petróleo e combustível na Costa do Amapá, local que poderia estar sendo usado para o desenvolvimento de energia solar, eólica, com um potencial econômico enorme e um impacto ambiental muito menor”, afirmou. 

 

O professor também falou sobre a preocupação da comunidade onde vive com a possibilidade de haver mais uma exploração de grande escala na região Amazônica, local de grande importância, mas também de muita sensibilidade às mudanças climáticas e também humanas.

 

“Primeiro eles diziam que era só um ponto de exploração, atualmente, são mais de 50 pontos e isso não é dito na mídia”. De acordo o seu relato, ao longo dos anos, a comunidade tem se dado conta de que esses empreendimentos não trazem grandes benefícios. “Eles só enriquecem, enquanto que nós, que estamos aqui na base somos deixados de lado, herdando possíveis prejuízos ambientais, sociais e culturais, que só tendem a prejudicar ainda mais a convivência em comunidade”, declarou. 

 

Violência contra ativistas


O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de assassinatos de defensores ambientais, segundo relatório da Global Witness. Em 2022, 25 ativistas foram mortos no país. Apesar de uma redução em relação ao ano anterior, quando 34 mortes foram registradas, a violência contra aqueles que protegem o meio ambiente permanece uma grave realidade.

No panorama global, 196 defensores da terra e do meio ambiente foram assassinados em 2022, com a Colômbia liderando o ranking. No Brasil, a violência está intrinsecamente ligada a problemas estruturais, como a concentração fundiária, o desmatamento desenfreado e a falta de reconhecimento legal dos territórios indígenas e quilombolas. Além dos homicídios, ativistas brasileiros enfrentam perseguições constantes, campanhas de difamação e processos judiciais abusivos, conhecidos como SLAPP (litigância estratégica contra a participação pública).

Na Amazônia, por exemplo, foram identificados 11 assassinatos de indígenas apenas em 2022. Globalmente, os povos indígenas estão entre os mais ameaçados: 36% dos ativistas assassinados pertenciam a essa categoria, somando 39 vítimas. Pequenos agricultores (22%) e afrodescendentes (7%) também aparecem entre os alvos frequentes.

“Infelizmente, o Brasil continua no topo desse ranking,” lamenta Nicole de Oliveira, diretora executiva da ARAYARA. “Essa situação já se arrasta há anos e, até agora, não foi enfrentada de maneira efetiva pelo governo. Casos emblemáticos, como os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, ganharam repercussão internacional, mas muitos defensores permanecem invisíveis em suas lutas e mortes. É ainda mais alarmante que o Brasil sequer tenha ratificado o Acordo de Escazú, que busca proteger os direitos dos ativistas,criticou.

Oliveira também destacou os riscos enfrentados pelos defensores ambientais durante o lançamento do relatório da Global Climate Legal Defense (CliDef), As Vidas Perigosas dos Defensores do Clima, na Climate Week deste ano. “A indústria de combustíveis fósseis tenta silenciar os que protegem territórios ameaçados. Eu mesma enfrento processos criminais por defender o meio ambiente e as comunidades afetadas,” revelou.

Recomendações do MPF

 

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ibama que exija complementações aos estudos da Petrobras antes de decidir sobre a licença para o bloco FZA-M-59. Entre as pendências está a revisão do Plano de Emergência Individual (PEI), que atualmente não contempla adequadamente fenômenos meteorológicos extremos nem apresenta garantias de resposta eficaz a acidentes.

 

A diretora da ARAYARA explica que a disputa pelo futuro da Foz do Amazonas vai além da questão ambiental: é também uma luta pelos direitos humanos e pela proteção de um dos ecossistemas mais ricos e importantes do mundo. Segundo Oliveira, ações de intimidação são estratégias para desacreditar os movimentos ambientais e intimidar lideranças comunitárias.

 

“Enquanto o Brasil permanece em destaque nas estatísticas globais de violência ambiental, a negligência governamental e o avanço da exploração fóssil predatória continuam colocando em risco tanto os defensores da natureza quanto os ecossistemas que tentam proteger”, declara Oliveira.

Ambiguidade na COP29: Futuro Presidente Defende Gás Fóssil como ‘Combustível de Transição’

Ambiguidade na COP29: Futuro Presidente Defende Gás Fóssil como ‘Combustível de Transição’

A falta de clareza prática sobre essa transição continua a ser um problema. Em recente entrevista, o ministro da ecologia do Azerbaijão e futuro presidente da COP 29, Mukhtar Babayev, revela a ambiguidade persistente em relação ao uso do gás fóssil como “combustível de transição”. A posição de Babayev, que defende a expansão do gás fóssil, especialmente para o mercado europeu, gera preocupações significativas entre ambientalistas e críticos das políticas climáticas.

 

Há contradição entre a definição de Transição e as últimas declarações de Babayev, ex-executivo do petróleo e futuro presidente da COP29. As falas do ministro da ecologia do Azerbaijão refletem ambiguidades. Mukhtar Babayev, ministro da ecologia do Azerbaijão, afirmou que planeja aumentar simultaneamente a produção de gás natural e os projetos de energia renovável no país. Segundo ele, “a produção de gás e as energias renováveis avançarão juntas ao mesmo tempo”. No entanto, essa abordagem apresenta uma clara contradição: como pode a expansão de um combustível fóssil ser compatível com uma verdadeira transição para uma economia descarbonizada?

 

A dependência contínua do Azerbaijão em relação aos combustíveis fósseis decorre da posição histórica dessa indústria na economia do país. Apesar das promessas de descarbonização, a realidade é que o Azerbaijão segue sendo um grande produtor de gás, com planos de aumentar suas vendas para a União Europeia, especialmente em meio aos bloqueios de fornecimento causados pela guerra entre Rússia e Ucrânia. O vice-ministro de energia, Orxan Zeynalov, reforçou essa posição ao afirmar à Bloomberg que “não há absolutamente nenhum indício de que [a demanda por gás diminuirá]”.

 

As críticas vêm de todos os lados à declaração do futuro presidente da COP29, especialmente, das principais organizações ambientais do Brasil, já que a defesa do gás fóssil como combustível de transição é um retrocesso perigoso que compromete os esforços globais de combate às mudanças climáticas, ou seja, embora o gás natural emita menos CO2 que o carvão, ele ainda é um combustível fóssil que contribui significativamente para o efeito estufa.

 

O mundo precisa de uma transição energética justa, que priorize as energias renováveis e elimine progressivamente os combustíveis fósseis. Continuar a investir em gás fóssil é como tentar apagar um incêndio com gasolina. Cada investimento em infraestrutura de gás desvia recursos preciosos que poderiam ser direcionados para energias limpas e sustentáveis. Isso não é uma transição justa; é um atraso perigoso.

 

A defesa do gás fóssil como “energia de transição” pela presidência da COP29 é uma posição que não condiz com a urgência da crise climática atual. Embora reconheça a necessidade de uma transição energética, a insistência em expandir o uso de combustíveis fósseis compromete os esforços para limitar o aquecimento global. 

 

Para uma transição energética justa e eficaz, é imperativo que os governos e líderes mundiais invistam em energias renováveis e eliminem gradualmente o uso de combustíveis fósseis. A COP29 deveria ser um espaço para reafirmar compromissos ambiciosos e claros rumo a um futuro sustentável. Qualquer abordagem que permita a continuação do uso de combustíveis fósseis, mesmo que temporariamente, corre o risco de comprometer o futuro do planeta.

Crédito da Foto: Felipe Werneck/MMA