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Rio Grande do Sul é alvo de ação na Justiça que pede transição energética

Rio Grande do Sul é alvo de ação na Justiça que pede transição energética

O Instituto Internacional Arayara defende que o setor termelétrico movido a carvão mineral deixe de existir no estado

Caroline Oliveira
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Plano deve ser incluído no processo de reconstrução da região após as fortes chuvas do primeiro semestre – Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O estado do Rio Grande do Sul foi alvo de uma ação civil pública protocolada pelo Instituto Internacional Arayara, que exige a elaboração de um plano de transição energética no processo de reconstrução da região após as fortes chuvas do primeiro semestre. A entidade defende que o planejamento seja apresentado em, no máximo, trinta dias.

A organização, que atua na defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e da justiça social, pediu que seja realizado o descomissionamento progressivo do setor termelétrico movido a carvão mineral, ou seja, que o recurso deixe de ser utilizado.

“Buscamos com essa ação fomentar um conjunto de ações, políticas e transformações que não somente permitam que territórios se recuperem dos impactos climáticos, mas que também contribuam para a transformação econômica regional e a eliminação da crise climática em uma única geração”, afirma a diretora-executiva da Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira.

Hoje, o Rio Grande do Sul tem algumas instalações termelétricas, como a Candiota III, abastecida pela maior mina de carvão a céu aberto do Brasil, e a usina Pampa Sul. Segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), essas instalações são classificadas como as menos eficientes e as que mais emitem gases de efeito estufa por unidade de energia no país.

Rio Grande do Sul, no final do ano passado, chegou a lançar o ProClima 2050, que tem como um dos objetivos a transição energética. A organização questiona, no entanto, se as demandas para esse processo estão bem definidas no programa, ainda mais diante da catástrofe sem precedentes que ocorreu este ano.

A coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, afirma que a reconstrução do estado deve incluir “a transição energética como componente importante e também a garantia de que as decisões nesse campo ocorram de forma participativa”. “A prioridade para termelétricas movidas a combustíveis fósseis não é aceitável em um estado que sofreu as gravíssimas consequências da crise climática.”

Edição: Martina Medina

Fonte: Brasil de Fato

Violência contra indígenas persistiu em 2023, ano marcado por ataques a direitos e poucos avanços na demarcação de terras

Violência contra indígenas persistiu em 2023, ano marcado por ataques a direitos e poucos avanços na demarcação de terras

Relatório anual do Cimi sobre violência contra povos indígenas apresenta dados do primeiro ano do governo Lula 3, marcado por impasses e contradições na política indigenista

Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - dados de 2023

As disputas em torno dos direitos indígenas nos três Poderes da República refletiram-se num cenário de continuidade das violências e violações contra os povos originários e seus territórios em 2023. O primeiro ano do novo governo federal foi marcado pela retomada de ações de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas, mas a demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades permaneceram insuficientes. O ambiente institucional de ataque aos direitos indígenas repercutiu, nas diversas regiões do país, na continuidade das invasões, conflitos e ações violentas contra comunidades e pela manutenção de altos índices de assassinatos, suicídios e mortalidade na infância entre estes povos. Estas foram as constatações do relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2023, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O ano de 2023 iniciou com grandes expectativas em relação à política indigenista do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não apenas porque a nova gestão sucedeu um governo abertamente anti-indígena, mas também porque o tema assumiu centralidade nos discursos e anúncios feitos pelo novo mandatário desde a campanha eleitoral.

Essa mudança foi simbolizada pela presença do cacique Raoni, histórica liderança Kayapó, na posse do presidente recém-eleito. A criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a nomeação de lideranças indígenas para a chefia da nova pasta, da Funai – renomeada como Fundação Nacional dos Povos Indígenas – e da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) complementaram o ambiente de esperanças renovadas.

Logo no início do ano, a situação do povo Yanomami – denunciada há muito tempo de forma recorrente – causou enorme comoção. Após anos de abandono e omissão ativa de governos anteriores frente à presença ilegal de garimpeiros na Terra Indígena (TI), o povo foi levado ao extremo da vulnerabilidade. A declaração de Emergência Nacional de Saúde e o início de uma grande operação de desintrusão naquele território apontaram na direção de uma mudança efetiva em relação à política indigenista.

Este contexto se refletiu na constatação de poucos avanços na demarcação de terras indígenas e na continuidade de casos de invasão, danos ao patrimônio indígena e conflitos relativos a direitos territoriais

Sem demora, contudo, a realidade política se impôs. O Congresso Nacional atuou para esvaziar o MPI e atacar os direitos indígenas, especialmente por meio da aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, transformado, no final do ano, na Lei 14.701/2023. O Poder Legislativo agiu em clara contraposição ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, depois de anos de tramitação, concluiu o julgamento do caso de repercussão geral que discutia a demarcação de terras indígenas com uma decisão favorável aos povos originários.

A Suprema Corte reconheceu os direitos territoriais indígenas como “cláusulas pétreas” da Constituição Federal – ou seja, que não podem ser alteradas ou restringidas – e declarou a tese do marco temporal inconstitucional. Esta tese, que há anos assombra os povos originários, pretende estabelecer que só poderiam ser demarcadas as terras que estivessem sob a posse dos povos indígenas ou em disputa comprovada na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.

À revelia do julgamento, o Congresso Nacional incluiu na lei 14.701 o marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas, além de um conjunto de dispositivos legais que, na prática, buscam inviabilizar novas demarcações e abrir as terras já demarcadas para a exploração econômica predatória. O veto parcial de Lula foi derrubado pelo Congresso, com grande número de votos de partidos que detêm cargos no governo, e a lei entrou em vigência no final do ano.

Este contexto se refletiu na constatação de poucos avanços na demarcação de terras indígenas e na continuidade de casos de invasão, danos ao patrimônio indígena e conflitos relativos a direitos territoriais.

Algumas ações de desintrusão foram realizadas, mas nenhuma com o fôlego inicial da Força Tarefa Yanomami, que também caiu em inércia sem que o garimpo tenha sido desarticulado por completo. Em 2023, foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio em pelo menos 202 territórios indígenas em 22 estados do Brasil.

Oito terras indígenas foram homologadas no primeiro ano do novo governo, um número aquém das expectativas, mesmo sendo maior que o dos últimos anos. Os parcos avanços nas demarcações refletiram-se na intensificação de conflitos, com diversos casos de intimidações, ameaças e ataques violentos contra indígenas, especialmente em estados como Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná.

A disposição do governo federal em explorar petróleo na foz do Amazonas, a priorização orçamentária ao agronegócio e o apoio a grandes projetos de infraestrutura e de exploração minerária em conflito com povos indígenas, como a ferrovia “Ferrogrão” e as investidas de empresas estrangeiras sobre o território Mura, no Amazonas, também compuseram este cenário.

A morosidade e a ausência de uma sinalização clara do governo federal em defesa dos territórios indígenas tiveram influência direta no alto número de conflitos registrados, muitos deles com intimidações, ameaças e ataques violentos contra comunidades indígenas

Barraco ao sol em retomada Guarani Kaiowá no Tekoha Laranjeira Nhanderu, Rio Brilhante (MS). Março de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

Barraco ao sol em retomada Guarani Kaiowá no Tekoha Laranjeira Nhanderu, Rio Brilhante (MS). Março de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

 

Violência contra o Patrimônio

O primeiro capítulo do relatório reúne as “Violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, que totalizaram 1.276 casos. Os registros desta seção dividem-se em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras, na qual foram registrados 850 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, que teve 150 registros; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, com 276 casos.

As categorias de conflitos territoriais e de invasões a terras indígenas mantiveram-se em patamares elevados, apesar de registrarem ligeira redução em relação a anos anteriores. Se por um lado os dados refletem a retomada das operações de fiscalização ambiental, por outro, a maior parte dos relatos indica a continuidade das ações de invasores, a desestruturação dos órgãos responsáveis por estas tarefas e a falta de uma política permanente de proteção aos territórios indígenas.

Entre os principais tipos de danos ao patrimônio indígena registrados destacam-se, como em anos anteriores, os casos de desmatamento, extração de recursos naturais como madeira, caça e pesca ilegais, garimpo e invasões possessórias ligadas à grilagem e à apropriação privada de terras indígenas.

Houve priorização de operações de retirada de invasores num pequeno conjunto de territórios, em especial das sete TIs contempladas pelas decisões do STF no âmbito da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. Mesmo nestes casos, contudo, os dados e relatos indicam que as ações não deram conta de garantir a retirada completa dos invasores, e a grande maioria das terras indígenas contou apenas com ações fiscalizatórias pontuais.

Do total de 1.381 terras e demandas territoriais indígenas existentes no Brasil, a maioria (62%) segue com pendências administrativas para sua regularização, aponta a atualização da base de dados do Cimi. São 850 terras indígenas com pendências, atualmente. Destas, 563 ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para sua demarcação.

Em 2023, os maiores avanços ocorreram na constituição ou reestruturação de Grupos Técnicos (GTs) para a identificação e delimitação de terras indígenas, sob responsabilidade da Funai. É um indicativo da disposição do órgão em dar andamento à primeira etapa na regularização de demandas territoriais represadas há anos. Contudo, os trabalhos avançam a passos lentos: apenas três relatórios de identificação e delimitação foram concluídos e publicados pela Funai em 2023.

A indefinição sobre o marco temporal torna impossível uma previsão acerca do cumprimento dos prazos estabelecidos nas portarias, na medida em que o governo hesita e utiliza a Lei 14.701/2023 como justificativa para não avançar nos procedimentos demarcatórios. Tal postura reflete-se, também, no fato de que nenhuma portaria declaratória foi publicada pelo Ministério da Justiça.

A morosidade e a ausência de uma sinalização clara do governo federal em defesa dos territórios indígenas tiveram influência direta no alto número de conflitos registrados, muitos deles com intimidações, ameaças e ataques violentos contra comunidades indígenas, a exemplo de casos registrados na Bahia, no Mato Grosso do Sul e no Paraná, entre outros.

Assim como nos anos anteriores, mantiveram-se com os maiores números de assassinatos de indígenas os estados de Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36)

Cápsulas coletadas por indígenas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Cápsulas coletadas por indígenas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Violência contra a Pessoa

Os casos de “Violência contra a Pessoa”, reunidos no segundo capítulo do relatório, totalizaram 411 registros em 2023. Esta seção é dividida em nove categorias, nas quais foram registrados os seguintes dados: abuso de poder (15 casos); ameaça de morte (17); ameaças várias (40); assassinatos (208); homicídio culposo (17); lesões corporais (18); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (35); e violência sexual (23).

Assim como nos anos anteriores, mantiveram-se com os maiores números de assassinatos de indígenas os estados de Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36). Os dados, que totalizaram 208 assassinatos, foram compilados a partir da base do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de informações obtidas junto à Sesai via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Destacam-se os assassinatos a tiros, logo no início do ano, dos jovens Pataxó Samuel Cristiano do Amor Divino, de 23 anos, e Nauí Pataxó, de 16, no extremo sul da Bahia. Eles viviam numa retomada da TI Barra Velha do Monte Pascoal e foram executados quando saíram para comprar alimentos nas proximidades, em janeiro.

O povo Pataxó luta há anos pela demarcação de suas terras nesta região. Os conflitos seguiram sem resolução ao longo de 2023 devido à falta de avanço nos procedimentos demarcatórios e motivaram medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

O envolvimento de policiais militares em milícias privadas investigadas pelas mortes dos indígenas guarda semelhanças com as violências registradas contra indígenas no Mato Grosso do Sul, onde forças policiais são acusadas de atuarem como escoltas privadas de fazendeiros, compartilhando informações e dando suporte a ataques de seguranças privados contra comunidades Guarani e Kaiowá. Além de despejos ilegais e ataques violentos contra acampamentos indígenas, também foram registradas prisões arbitrárias de indígenas na região.

Ataques de garimpeiros contra indígenas Yanomami, em Roraima e no Amazonas, seguiram sendo registrados ao longo de 2023, apesar das operações realizadas no primeiro semestre do ano na TI Yanomami. Assassinatos, ataques armados, violências sexuais e aliciamento de indígenas para o garimpo, com fomento a conflitos internos, integraram o trágico quadro da continuidade das violências neste território.

Os assassinatos de indígenas do povo Guajajara no Maranhão mantiveram-se em alta, em especial na TI Arariboia, que há anos é dilapidada por invasores. Também continuaram os casos de violência armada contra indígenas dos povos Tembé e Turiwara, no nordeste do Pará, em conflito com grandes empresas ligadas à monocultura e à produção de óleo de dendê.

A falta de saneamento básico e de água potável foram agravadas pela crise climática, que provocou enchentes pelo país e severa estiagem na região amazônica, aprofundando a vulnerabilidade de diversas comunidades

Retomada Guapoy, Amambai (MS), fevereiro de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

Retomada Guapoy, Amambai (MS), fevereiro de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

 

Violência por Omissão do Poder Público

O terceiro capítulo do relatório reúne os casos de “Violência por Omissão do Poder Público”, organizado em sete categorias. Segundo os dados consultados junto ao SIM e obtidos junto à Sesai, foram registradas 1040 mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade em 2023. Também neste caso, os mesmos estados dos anos anteriores registraram o maior número de ocorrências: Amazonas, onde ocorreram 295 mortes nessa faixa etária, Roraima, com 179 casos, e Mato Grosso, com 124.

A maior parte dos óbitos infantis teve causas consideradas evitáveis por meio de ações de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento adequados. Entre estas causas, destaca-se a grande quantidade de mortes ocasionadas por gripe e pneumonia (141), por diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (88) e por desnutrição (57).

Informações obtidas junto a estas mesmas bases públicas indicaram a ocorrência de 180 suicídios de indígenas em 2023. Os índices mais altos, assim como nos anos anteriores, foram registrados no Amazonas (66), Mato Grosso do Sul (37) e Roraima (19).

Ainda neste capítulo, estão registrados os seguintes dados referentes ao ano de 2023: desassistência geral (66 casos); desassistência na área de educação (61); desassistência na área de saúde (100); disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (6); e morte por desassistência à saúde (111), totalizando 344 casos.

Destacam-se, neste contexto, a falta generalizada de infraestrutura escolar em aldeias de todo o país e de infraestrutura, pessoal e transporte para o atendimento à saúde nas comunidades indígenas. A falta de saneamento básico e de água potável foram agravadas pela crise climática, que provocou enchentes pelo país e severa estiagem na região amazônica, aprofundando a vulnerabilidade de diversas comunidades.

Cabe ressaltar que, a partir deste ano, o Cimi passou a contabilizar os casos de morte por desassistência à saúde com base nos dados do SIM e da Sesai, o que explica o aumento de casos registrados em relação aos anos anteriores.

A nova gestão renovou portarias de restrição de uso de territórios que o governo anterior havia deixado vencer. Apesar disso, a situação manteve-se preocupante, pois a maior parte das terras indígenas com presença de isolados que foram invadidas nos anos anteriores seguiu registrando invasões em 2023

Placa de invasor na Terra Indígena Karipuna, onde há presença de indígenas isolados. Foto: Maiara Dourado/Cimi

Placa de invasor na Terra Indígena Karipuna, onde há presença de indígenas isolados. Foto: Maiara Dourado/Cimi

 

Povos isolados

O quarto capítulo do relatório é dedicado a analisar a situação dos povos indígenas em isolamento voluntário. Estes povos, que estiveram entre os mais afetados pelo desmonte da política de proteção às terras indígenas nos anos passados, seguiram sob grave ameaça em 2023.

A nova gestão renovou portarias de restrição de uso de territórios que o governo anterior havia deixado vencer. Mas, apesar disso, a situação manteve-se preocupante, pois a maior parte das terras indígenas com presença de isolados que foram invadidas nos anos anteriores seguiu registrando invasões em 2023. Pelo menos 56 do total de 119 registros de isolados contabilizados pela Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil) do Cimi encontram-se em terras indígenas que registraram invasões ou danos ao patrimônio em 2023.

Apesar da renovação de portarias de restrição de uso, não houve providências do governo federal para garantir a proteção de isolados cuja localização foi registrada fora de terras indígenas atualmente reconhecidas, que correspondem a 37 dos 119 registros contabilizados pela Eapil. Parte destes registros sem providências é reconhecido pela própria Funai, como é o caso dos isolados do Mamoriá Grande, em Lábrea (AM).

Também nestes territórios, apesar de algumas ações mais robustas de enfrentamento aos invasores, como no caso da TI Ituna/Itatá, no Pará, a maioria das operações de fiscalização foi pontual ou insuficiente para garantir a proteção das áreas. Lideranças de TIs como Vale do Javari, no Amazonas, e Karipuna, em Rondônia, seguiram denunciando a presença contínua de invasores.

III Marcha das Mulheres Indígenas, setembro de 2023. Foto: Maiara Dourado/Cimi

III Marcha das Mulheres Indígenas, setembro de 2023. Foto: Maiara Dourado/Cimi

 

Memória

O quinto capítulo do relatório é dedicado à reflexão sobre o tema da Memória e Justiça e traz dois textos nesta edição. O primeiro é um estudo inédito do pesquisador Marcelo Zelic (1963-2023) sobre o histórico do esbulho da TI Ananás, em Roraima. O artigo apresenta propostas para a reparação dos danos causados aos povos Macuxi e Wapichana devido à prática dos chamados “crimes da tutela” – violações cometidas durante a Ditadura Militar, quando o Estado se utilizava do instrumento legal da tutela para inviabilizar a luta dos povos indígenas e mutilar seus territórios. Este texto foi editado por pesquisadores e familiares que buscam manter viva a dedicação de Zelic ao tema da preservação da memória e à luta pela criação de mecanismos de não repetição das violações de direitos humanos contra os povos indígenas.

No segundo texto do capítulo, um dos fundadores do Cimi, Egydio Schwade, faz uma retrospectiva sobre o primeiro instrumento produzido pela entidade para denunciar as violações dos direitos indígenas, que completa 50 anos em 2024. Publicado em 1974, o dossiê Y-Juca Pirama – o índio: aquele que deve morrer foi o antecessor histórico do presente relatório, produzido anualmente pelo Cimi.

Artigos

Além dos capítulos destinados à sistematização dos dados, o relatório de 2023 também reúne textos que buscam aprofundar a reflexão sobre os temas abordados pela publicação. A situação dos indígenas encarcerados no país e o significado da violência física e simbólica que representa a queima de Casas de Reza Guarani e Kaiowá são os tópicos abordados em dois destes artigos. A análise detalhada dos casos de racismo e discriminação étnico-racial contra indígenas e a avaliação dos gargalos e desafios da política indigenista sob a ótica do orçamento e da execução financeira em 2023 são os temas de outros dois textos.

plataforma Caci, mapa digital que reúne as informações sobre os assassinatos de indígenas no Brasil, foi atualizada com as informações do Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2023. Caci, sigla para Cartografia de Ataques Contra Indígenas, também significa “dor” em Guarani. Com a inclusão dos dados de 2023, a plataforma agora passa a abranger informações georreferenciadas sobre 1.470 assassinatos de indígenas, reunindo dados compilados desde 1985.

Acesse em caci.cimi.org.br.

Mais informações:

Assessoria de Comunicação: (61) 99641-6256

Foto da capa

Retomada Guapo’y Mirin Tujury, Amambai (MS), fevereiro de 2023. A menina Guarani Kaiowá Laisquene, de 3 anos, numa das barracas de lona da retomada, onde vive com os pais. No ano anterior, lideranças do tekoha foram assassinadas. A comunidade segue em luta pela demarcação da terra.  A foto é de Renaud Philippe e integra o projeto Retomada da Terra, de Renaud Philippe e Carol Mira, assim como as outras desta série que ilustram a publicação. Mais informações: renaudphilippe.com

Fonte: CIMI

Transição energética no transporte pauta encontro virtual entre CNT e Instituto Internacional Arayara

Transição energética no transporte pauta encontro virtual entre CNT e Instituto Internacional Arayara

A diretora executiva adjunta da CNT, Fernanda Rezende, e o diretor da Fundação Arayara, Juliano Bueno de Araújo, conversaram sobre temas de interesse comum das duas entidades

 

Por Agência CNT Transporte Atual

A CNT (Confederação Nacional do Transporte) e o Instituto Internacional Arayara se reuniram virtualmente, nessa quarta-feira (17), para tratar de um tema relevante para ambas as entidades: a transição energética no setor transportador.

Além de compartilharem posicionamentos relacionados ao assunto, a diretora executiva adjunta da CNT, Fernanda Rezende, e o CEO da Fundação Arayara, Juliano Bueno de Araújo, conversaram sobre fundos climáticos, rotas de transição energética, combustíveis renováveis, políticas públicas, cenários futuros e tendências globais.

“A agenda ambiental é um interesse comum entre as duas entidades. A reunião foi muito produtiva por termos avaliado posicionamentos e objetivos relativos à migração de matrizes energéticas poluentes para fontes de energia renováveis,” disse a diretora da CNT.

Fernanda Rezende explicou que a série Energia no Transporte está entre as diversas iniciativas da entidade em prol da sustentabilidade do setor. “Já lançamos publicações sobre biometano, eletromobilidade, hidrogênio renovável e, mais recentemente, sobre diesel verde. Esse conteúdo técnico visa subsidiar os transportadores e a sociedade sobre os caminhos possíveis para a descarbonização do transporte”, explicou.

Com objetivo consonante, o Instituto Internacional Arayara também desenvolve iniciativas voltadas à educação ambiental, a fim de promover mudanças sociais para que as matrizes energéticas sejam usadas de forma mais eficiente.  A entidade tem sedes no Uruguai e no Brasil, cujos núcleos de atuação ficam no Paraná, no Pará, no Maranhão e no Mato Grosso.

Além de Fernanda Rezende e de Juliano Bueno de Araújo, participaram da reunião a gerente executiva ambiental Erica Marcos e o assessor técnico Jader Vaz, ambos da CNT.

Segundo Erica Marcos, a Confederação Nacional do Transporte tem, na sua cadeia de valores, a sustentabilidade e atua ativamente em prol da descarbonização, por meio de diversas iniciativas como é o caso do Programa Despoluir, que completou, ontem, 17 anos de atuação, assumindo a sua responsabilidade em favor da qualidade de vida do trabalhador do setor, da sociedade e do meio ambiente.

Fonte: CNT

Três ataques, três estados, uma mira: Os Povos Indígenas

Três ataques, três estados, uma mira: Os Povos Indígenas

O mês de julho foi marcado por ataques contra diversos povos indígenas do país. A violência começou contra o povo Kaingang de Pontão (RS), na Retomada Fág Nor, que reocupou o território do qual os indígenas foram expulsos em 2014, por uma ação de ruralistas articulados à parlamentares extremistas. A Retomada foi organizada na segunda-feira (08), em terra pública do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Os Kaingang foram alvo de dois ataques em menos de cinco dias de ocupação, sendo o primeiro na noite de terça-feira (09), quando criminosos armados passaram pela estrada que margeia a Retomada Fág Nor, contra a qual atiraram. A segunda investida ocorreu na madrugada de sábado (13), quando um veículo dos indígenas foi incendiado, em frente ao acampamento.

 

Naquela mesma noite de sábado, em Eldorado do Sul (RS), indígenas do povo Guarani Mbya relataram que um grupo armado parou no acostamento da BR 290 e disparou contra as casas da comunidade Pekuruty. A mesma comunidade já protagonizou outros casos de violência, dentre os quais destaca-se aquele ocorrido no início de maio, em meio à catástrofe do Rio Grande do Sul, quando o DNIT destruiu residências de indígenas removidos em virtude da calamidade.

A noite do dia 13 ainda foi marcada por outro atentado, na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, oeste do Paraná. Na ocasião, fazendeiros munidos de armas de fogo invadiram a Retomada dos Avá-Guarani, queimaram diversos barracos e todo o alimento e dispararam tiros contra as famílias acampadas. Na manhã daquele dia, um missionário do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) se deslocava até a comunidade, para prestar apoio aos indígenas, momento em que também foi abordado por um grupo armado. O missionário foi perseguido pelos homens, mas conseguiu fugir do local.


No domingo (14), outro ataque foi registrado, em Douradina, no Mato Grosso do Sul, contra a retomada dos Guarani Kaiowá na Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica. Enquanto que, na segunda-feira (15), ocorreram novas investidas contra esse povo, na comunidade do Tekoha Kunumi Vera, localizada na Terra Indígena Amambaipeguá I, como consta em nota divulgada pelo ARAYARA.


Foi registrado o total de seis casos de violência que se destacam pela similaridade, considerando que cinco deles envolvem ruralistas e ocorreram em um intervalo de 48 horas. Ademais, todas as ocorrências foram executadas por grupos paraestatais armados, sobre territórios ancestrais com pendências no processo demarcatório e sob disputas acaloradas. Diante disso, especula-se sobre possíveis articulações entre esses grupos criminosos.


Neste momento, (ainda) não há confirmação sobre o vínculo entre esses crimes, no entanto, há pleno entendimento sobre os fatores que motivaram tais ataques. A aprovação da Lei 14.701/23 no Congresso Nacional regulamentou a tese do Marco Temporal, em detrimento da posição do Supremo Tribunal Federal (STF) e do que prega a própria Constituição Federal de 1988. Tal fato somado à lentidão do processo administrativo de demarcação sustenta a guerra aos povos indígenas, deflagrada pela invasão européia e perpetuada pelo Congresso Nacional, pela bancada ruralista e por setores da indústria.


Também se observa aspectos similares entre os povos vitimados: Todos eles enfrentam conflitos fundiários e diversas violações de direitos humanos; todos solicitaram a demarcação de suas terras; e todos eles se encontram em territórios pendentes de reconhecimento, pela morosidade do governo. É válido ressaltar que essas mesmas condições caóticas são observadas em diversas outras Terras Indígenas, das quais cerca de 30% estão demarcadas e cerca de 40% sem nenhum tipo de providência. Em relação aos crimes e conflitos nos territórios, são registrados centenas de casos anualmente, inclusive em naqueles demarcados, e não se pode deixar de considerar casos que sequer são contabilizados, ocultos sob a sombra do racismo ambiental e da conivência do governo.


O extenso território deste país é reconhecido mundialmente pela vasta diversidade biológica e cultural, mas também por sediar uma gama incontável de conflitos, os quais não se limitam à esses descritos aqui ou à questão indígena. O Instituto Internacional ARAYARA se solidariza a todos os povos, etnias, gêneros, comunitários(as) e defensores(as) de direitos humanos que são vitimados. Mais do que isso, frente aos diversos casos de violência, este Instituto fortalece o seu comprometimento na defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e na luta pelo fim da inércia assassina do Estado, para que o mesmo efetive ações reais contra todos os tipos de violência.

Trigueiro e Arayara alertam sobre o drama ambiental de Volta Redonda/RJ

Trigueiro e Arayara alertam sobre o drama ambiental de Volta Redonda/RJ

No aniversário de 70 anos da “Cidade do aço”, como é conhecido o município de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, a TV Globo exibiu uma matéria sinalizando as falhas dos órgãos ambientais na fiscalização das atividades da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), usina movida à combustível fóssil que processa o ferro na produção de aço, instalada na região desde a década de 1940.

 

Diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira,  aponta a necessidade de ser instaurado um processo de licenciamento ambiental adequado para a CSN, além da necessidade da usina siderúrgica se descarbonizar, a fim de que cenário de poluição que compromete a saúde pública e o meio ambiente não se alongue.

 

A população da cidade de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, continua a enfrentar o drama ambiental provocado pela poluição atmosférica, sonora, e pela contaminação dos resíduos e efluentes produzidos pelas atividades da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Matéria da TV Globo exibida em 17 de julho aponta para a série de falhas na fiscalização do órgão ambiental do estado, o INEA, no que tange aos impactos sociais e ambientais da CSN em Volta Redonda.

O Instituto Internacional Arayara avalia como graves a série de descumprimentos ambientais por parte da siderúrgica em relação aos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) – instrumento que visa balizar as atividades da empresa, impondo multas no caso desta não atender aos acordos firmados. Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora-executiva do Instituto Arayara, sinalizou as exigências da sociedade civil: “O que nós queremos é que, em primeiro lugar, haja um plano de descarbonização da CSN e, em segundo lugar, queremos que seja feito um processo de licenciamento ambiental e metas adequadas de redução de poluição atmosférica”.

O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação ao INEA para que o órgão ambiental se abstenha de qualquer intenção de prorrogar o último TAC firmado entre CSN e INEA, cujo prazo encerra-se em 19 de setembro deste ano. O MPF pede ainda que o devido requerimento de licenciamento ambiental seja realizado. Sem licenciamento ambiental, a CSN funciona desde a década de 1940 a partir de uma Autorização Ambiental de Uso.

Assista à reportagem transmitida em 17 de julho, no programa RJ TV 2, da Rede Globo.