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Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Técnica de fraturamento hidráulico leva risco a aquíferos, e não há clareza sobre intenção de empresas em adotar a prática nas novas frentes de combustíveis fósseis

Os muras de Sissaíma, uma pequena terra indígena à espera de demarcação na região de Careiro da Várzea, no leste do Amazonas, estão cercados por fazendas e búfalos.

O fogo está incorporado à rotina nessas propriedades, e os indígenas convivem com ondas volumosas de fumaça na seca amazônica, apesar de garantirem a existência de uma ilha verde em meio aos descampados rurais. Os búfalos criados pelos fazendeiros, dependentes da água, contaminam rios e lagos e impedem a procriação de peixes.

Os indígenas ainda enfrentam o cerco de madeireiros ilegais e o avanço do comércio de drogas em comunidades vizinhas.

Em Sissaíma, onde vivem 32 famílias, a maioria é evangélica. A religião é vista pelas lideranças como um contraponto às drogas.

Num sábado de junho, a aldeia recebeu convidados de outras comunidades do rio Mutuca para a inauguração de um centro cultural. Os bois levados pelos convidados viraram churrasco. No palco, uma banda tocou músicas gospel em ritmo de forró.

Criancas da Terra Indigena Sissaima brincam no rio Mutuca. A comunidade esta localizada na area de um bloco arrematado para a exploração de petróleo e gás.

 

Entre os muras de Sissaíma, praticamente ninguém sabe da existência de um projeto de exploração de petróleo em um bloco situado a menos de um quilômetro do território. Se o projeto sair do papel, será a nova frente de embate dos quase 200 indígenas que vivem nesse ponto da Amazônia ocidental.

“Em 2017, uma pessoa do Cimi [Conselho Indigenista Missionário] falou que existe um bloco de petróleo a 700 metros daqui”, afirma o cacique do território, Ozeias Cordeiro, 43. “Desde então, nunca mais ouvi falar disso.”

O projeto ganhou contornos mais concretos a partir de dezembro de 2023, quando cinco blocos para exploração de óleo e gás na Amazônia foram ofertados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Os cinco blocos da Bacia de Amazonas impactam unidades de conservação e comunidades tradicionais, e algumas estão dentro das áreas dos blocos, como apontou o MPF (Ministério Público Federal) em laudos de perícia e em ação civil pública que pede que a Justiça Federal no Amazonas anule a concessão dos blocos.

No caminho do que pode ser uma nova fronteira de óleo e gás na amazônia, caso as empresas que arremataram os blocos levem os projetos de prospecção adiante, estão seis terras indígenas e 11 unidades de conservação, conforme os laudos elaborados pelo MPF.

A busca por combustível fóssil passa por áreas de proteção da região de Manaus onde está o encontro dos rios Negro e Solimões e onde vive uma espécie de macaco –o sauim-de-coleira– endêmica e ameaçada de extinção, segundo os laudos.

Os blocos AM-T-107 –o que está próximo a Sissaíma e a outras terras indígenas dos muras–, AM-T-133, AM-T-63 e AM-T-64 foram arrematados pela ATEM Participações.

Em nota, a ATEM afirmou que o arremate das áreas foi precedido de diagnóstico socioambiental e que existe manifestação conjunta dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente.

“A ATEM cumpriu rigorosamente com todos os requisitos estabelecidos pelo edital de licitações e reafirma seu comprometimento com o cumprimento das leis e das decisões judiciais, em respeito ao meio ambiente, às populações tradicionais e ao desenvolvimento econômico da região”, disse.

A área de acumulação marginal Japiim –um campo com prospecção passada e com potencial de existência de petróleo– foi arrematada por consórcio formado por Eneva, empresa que já detém o maior empreendimento privado de óleo e gás na amazônia, na região de Silves (AM), e ATEM Participações. Segundo a Eneva, o contrato de concessão de Japiim não foi assinado.

Em 14 de junho deste ano, em decisão liminar, a Justiça Federal no Amazonas determinou que a ANP e a União deixem de assinar os contratos referentes ao leilão feito em dezembro, enquanto não houver consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais que possam ser impactados.

A ANP afirmou, em nota, que cumpre decisões judiciais e que os contratos não foram assinados. A agência recorreu contra a liminar. “Os blocos não incidiriam ou interfeririam em terras indígenas e unidades de conservação”, disse.

No caso do AM-T-133, a área onde está o território reivindicado pelos maraguás deve ser excluída de dentro do bloco, conforme a liminar. Esses indígenas estão em aldeias nos rios Abacaxi e Paraconi, na região de Nova Olinda do Norte (AM), e vivem um histórico processo de marginalização, enquanto tentam a demarcação do território.

A decisão cita um argumento do MPF para que um bloco não fosse levado a leilão: o edital não especificava se “estariam ou não contempladas as atividades de exploração e produção com recursos não convencionais (especificamente por meio da técnica de fraturamento hidráulico, conhecida como ‘fracking’)”.

O “fracking” é uma técnica polêmica que objetiva potencializar a exploração de gás natural. Consiste na injeção de fluidos pressurizados num poço, em volumes acima de 3.000 m3, com objetivo de gerar fraturas em rochas de baixa permeabilidade, garantindo a recuperação dos hidrocarbonetos.

A técnica é bastante criticada em razão dos riscos de contaminação de recursos hídricos superficiais e de aquíferos, ocupação de grandes espaços para perfuração de múltiplos poços, grande consumo de água e uso de substâncias químicas, como cita um dos laudos do MPF usados na ação civil pública movida na Justiça Federal no Amazonas. Está também associada à liberação de metano na atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa.

As empresas que atuam com gás e petróleo no Brasil costumam negar o uso clássico da prática. Em agosto de 2023, numa reunião na Procuradoria da República no Amazonas, representantes da Eneva foram questionados sobre intenção da empresa de adotar a prática para a exploração de gás.

Segundo um dos representantes, “existem poços horizontais que às vezes se faz ‘fracking’ (fratura) na vertical”. “Contudo, isso tem implicações diferentes da [prática na] Argentina (região de Vaca Muerta), por exemplo”, afirmou, conforme a transcrição da reunião.

Ainda conforme o representante da empresa, “no momento” não há intenção de prática de “fracking” nos moldes mais danosos.

“A Eneva não pratica ‘fracking’ em nenhum de seus ativos”, disse a empresa, em nota. “A frase em questão [sobre o ‘fracking’ na vertical] foi tirada do contexto.”

O diretor de exploração da empresa, Frederico Miranda, afirmou que a técnica não é utilizada em nenhum dos ativos e das bacias da Eneva, “nem vislumbramos utilizar”. “Toda nossa produção de gás natural é oriunda de poços convencionais.”

A ANP disse que, de fato, o edital do leilão feito em dezembro não especificou uma proibição da técnica, “o que não equivale a uma autorização para sua utilização, que deverá ser precedida de autorização dos órgãos ambientais estaduais e aprovação específica da ANP”.

Em 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Ministério de Minas e Energia lançou um edital para “realização experimental e monitorada” de atividade de perfuração e fraturamento hidráulico. A Eneva foi uma das poucas empresas que fizeram colaborações, em consulta pública, para o edital.

“A Eneva valoriza a realização experimental e monitorada das atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos em reservatórios não-convencionais de baixa permeabilidade”, afirmou a Eneva em ofício ao ministério, em abril de 2022.

Segundo o diretor da empresa, “pesquisa é diferente de exploração”.

Independentemente da técnica utilizada, o futuro do óleo e do gás na amazônia repete o passado, especialmente as sucessivas ações da Petrobras –antes, durante e depois da ditadura militar– para perfuração de poços e tentativa de acesso ao combustível fóssil.

Na terra Sissaíma, quem tem mais de 40 anos de idade lembra da ofensiva por petróleo na região.

“Quando eu era curumim [criança], a Petrobras andava por aqui detonando dinamites. Eles faziam estradas e abriam clareiras. Meu pai trazia restos de explosivos, a gente brincava com isso”, diz Ozeias, o cacique do território.

Manoel Francisco Cordeiro, 70, pai de Ozeias, afirma que os operários trocavam comida enlatada por peixe e caça. E sinalizavam com “fitas vermelhas para a gente ver” os perímetros demarcados para a busca por petróleo. “Eles detonavam as bombas dentro da água. Aquilo matava muito peixe. Diziam estar procurando petróleo.”

Na Vila Izabel, uma pequena comunidade com 21 famílias muras e mundurukus e que está no caminho para o campo de Japiim, os indígenas apontam estruturas próximas que indicam uma tentativa de exploração de petróleo na região. A cidade mais próxima é Itapiranga (AM), região onde a Eneva expande a exploração de gás e óleo.

“Num terreno que comprei, tem um uma placa de ferro antiga indicando um poço”, diz Clara Aldecira, 33, cacica da Vila Izabel.

Irmão de Clara, Manoel Matos, 40, conhece o exato lugar onde há uma estrutura, semelhante a uma válvula, que indica uma prospecção passada por óleo. “Mandaram plantar capim aqui. É porque alguma coisa de bom e valioso tem nesse poço”, afirma.

Até agora, a comunidade não foi procurada pela Eneva ou pela ATEM para uma conversa sobre intenções de exploração de óleo e gás no campo de Japiim. “Nas audiências que eles fizeram [sobre o empreendimento que já existe, no campo de Azulão], eles disseram que não existem indígenas em Itapiranga”, diz Clara.

Na comunidade do Lago do Catalão, próxima de Manaus e do encontro entre os rios Negro e Solimões, o agricultor Elber Figueiredo, 77, relembra o período em que trabalhou para empresas terceirizadas da Petrobras, na busca por petróleo na amazônia. Isso ocorreu entre as décadas de 70 e 80.

“A empresa prospectava e fazia um poço. Quando furava, estava vazio, sem petróleo”, diz Elber. Ele é marido de Raimunda Viana, 62, presidente da Associação Comunitária e Agrícola do Lago do Catalão. Ela afirma nunca ter ouvido falar sobre projetos de óleo e gás na região. “Espero que não venham mexer com a gente.”

Catalão tem 112 casas, todas elas flutuantes, com as famílias vivendo no ritmo do rio Negro. A comunidade está no caminho de um dos blocos leiloados em dezembro, conforme laudos usados pelo MPF.

A preocupação de Raimunda e de outros moradores da comunidade é fazer prosperar a roça de mandioca plantada em um terreno de uma ilha vizinha, que segue sem inundação após a seca extrema de 2023.

“Plantamos mandioca e queremos plantar melancia”, diz Alcilene Pontes, 63, que trabalha na roça com Raimunda.

A prospecção de petróleo, mesmo que não resulte em exploração efetiva, tem efeitos danosos, por envolver várias perfurações e a retirada de óleo para quantificação, afirma Juliano Bueno, diretor do instituto Arayara, uma ONG (organização não-governamental) que atua contra a expansão da exploração de combustíveis fósseis.”As empresas estão cientes dos impactos dessa exploração na amazônia, mas insistem em modelos predatórios”, diz Bueno.

 

Segundo ele, a concessão dos novos blocos pode desencadear um processo de grilagem de terras associada à expectativa pelo petróleo. “Grileiros viram ‘donos’ da terra compreendida nos blocos para vender à empresa que ganhou o leilão e que é dona do subsolo.”

Em meio a prospecções diversas feitas na floresta nas décadas passadas, como na região do médio rio Solimões ou no Vale do Javari, uma vingou. A Petrobras explora petróleo há mais de 30 anos na província petrolífera de Urucu, no meio da floresta, em Coari (AM). É a mais antiga iniciativa de exploração de combustível fóssil, ainda em curso, na amazônia.

Com novas concessões feitas, a aposta em petróleo e gás pode repetir o passado. O Lago do Rei, em Careiro da Várzea, está no caminho de um dos blocos arrematados, segundo os laudos do MPF.

Existe um conjunto de 62 lagos na região, com diversas comunidades de pescadores, como a Cristo Rei, onde vivem 83 famílias.

Ali, ninguém está pensando em petróleo. O que os pescadores querem é contornar os efeitos das secas severas dos últimos anos, seguir em busca de curimatã e pacu, aproveitar ao máximo a tradicional pesca controlada do mapará em março e viabilizar o manejo de caça de jacaré.

Fonte: Folha de São Paulo

Arayara participa de Consulta Pública sobre o próximo Leilão de Reserva de Capacidade

Arayara participa de Consulta Pública sobre o próximo Leilão de Reserva de Capacidade

Leilão (LRCAP 2024)  tem como objetivo contratar novos empreendimentos de energia para garantir o suprimento da potência exigida pelo Conselho Nacional de Política Energética.

 

Este é o segundo leilão deste tipo promovido pelo Ministério de Minas e Energia (MME), e está previsto para acontecer em 30 de agosto, em São Paulo,o primeiro ocorreu em dezembro de 2021.

 

O Instituto Internacional Arayara enviou parecer à Consulta Pública aberta pelo MME questionando a preferência do leilão por empreendimentos de energia termelétricas e hidrelétricas em detrimento de outros  de energia renovável, como eólica e solar, ou ainda de sistema de baterias para compor reserva energética.

Com a criação da Lei nº 14.120, de 2021, foi viabilizado o processo de licitação para a contratação de empreendimentos de energia que forneçam capacidade de reserva, na forma de potência, para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Assim, ocorreu naquele mesmo ano o primeiro Leilão de Reserva de Capacidade. Objetivo é garantir a confiabilidade do Sistema Interligado Nacional (SIN), que coordena a malha de transmissão, e garantir segurança ao fornecimento de energia.

Segundo informações disponibilizadas pelo Ministério de Minas e Energia, no primeiro leilão de capacidade, em 2021, “Não havia uma preocupação em se realizar um leilão orientado por fontes, mas sim na capacidade de prover recursos que tivessem características relacionadas ao despacho e disponíveis a qualquer tempo para o ONS”. (*Notatécnica-hyperlink).

Para o LRCAP 2024, consta no documento inicial com as diretrizes para o leilão o tipo de fonte desejável nesta contratação: termelétrica ou hidrelétrica em expansão. Para receber contribuições ao texto da Portaria Normativa do LRCAP 2024, foi aberta Consulta Pública aos agentes da sociedade civil interessados em participar desta discussão.

O que pensa o Instituto Internacional Arayara

Em sua contribuição enviada ao Ministério de Minas e Energia relativa ao LRCAP 2024, o Instituto Internacional Arayara questiona a preferência dada às termelétricas, uma fonte de energia movida a combustível fóssil. No que tange às renováveis, a inclusão somente de hidrelétricas em expansão não aproveita o potencial de fortalecer a produção e introduzir no sistema outras fontes de energia renováveis, como a eólica ou a solar, pavimentando o caminho para diversificar a matriz energética brasileira e construir a transição energética que precisamos.

A contribuição enviada pela ARAYARA ainda aponta uma dissonância entre discursos do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e as ações concretas do Ministério. Em evento nos Estados Unidos, em março, Silveira afirmou que Ministéro iria permitir a participação das baterias que armazenam energia elétrica no leilão de capacidade de agosto. Tecnologia de baterias já é implementada em países desenvolvidos, atuando como auxiliar à rede em momentos necessários.

Leia aqui a contribuição do Instituto Internacional Arayara à Consulta Pública nº 160/2024 do Ministério de Minas e Energia sobre o LRCAP 2024.