por Comunicação Arayara | 27, set, 2024 | Barragens |
Matéria originalmente publicada em contextnews.com em 26/09/2024.
Por: André Cabette Fabio
Qual é o contexto?
O presidente Lula apostou alto em mega barragens nos anos 2000 para expandir a energia limpa. Agora, a mudança climática está prejudicando as ambições verdes do Brasil.
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- • Mega barragens na Amazônia operam bem abaixo da capacidade devido à baixa nos níveis dos rios
- • O baixo desempenho não é novidade, mas foi agravado pela seca recorde
- • Brasil recorre a combustíveis fósseis poluentes e gás natural
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Santo Antônio é uma das três mega usinas hidrelétricas localizadas nas profundezas da exuberante floresta amazônica brasileira que já foram consideradas o futuro da produção de energia verde do país.
As megabarragens “a fio d’água” — cujas turbinas são movidas pelo fluxo natural dos rios e não pela água que cai de reservatórios imponentes — foram a aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um futuro verde quando assumiu o poder pela primeira vez, na década de 2000.
Santo Antônio, Jirau e Belo Monte foram construídas na floresta amazônica apesar da forte oposição de grupos ambientais e se tornaram uma das cinco maiores represas do país. Belo Monte, que começou a operar em 2016, tem a quarta maior capacidade do mundo.
Mas as megabarragens estão operando bem abaixo da capacidade, à medida que os níveis dos rios diminuem devido a uma seca recorde na Amazônia, destacando como as mudanças climáticas estão se tornando um desafio crescente para a ambição verde do Brasil.
“Ao contrário das antigas usinas hidrelétricas, o rio é quem manda. Se ficar muito seco, ele para de funcionar”, disse um guia que levou turistas pela represa de Santo Antônio no início deste ano.
Santo Antônio teve que desativar 43 de suas 50 turbinas no início de setembro, quando os níveis dos rios se aproximaram de uma mínima recorde devido à seca, tendo que fechar completamente pelo mesmo motivo por duas semanas em outubro de 2023.
As três megabarragens operaram com apenas uma fração de sua capacidade total em setembro, exacerbando uma tendência em que as empresas hidrelétricas têm consistentemente falhado em atingir a produção de “energia mínima garantida” estabelecida em seus contratos com o governo.
Localização das Hidrelétricas – Mapa por Andre Cabette Fabio – OpenMapTiles
Santo Antônio só trabalhou com menos de 10% de sua capacidade nos primeiros 20 dias de setembro, Jirau com 5% e Belo Monte com menos de 3% de seu potencial total, de acordo com dados do governo. Em comparação, Santo Antônio e Jirau trabalharam com cerca do dobro da capacidade no período equivalente de 2021, um ano em que a Amazônia brasileira lutou contra chuvas pesadas.
Especialistas dizem que a situação provavelmente piorará à medida que as secas se tornarem mais regulares no futuro.
“Estudos indicam que períodos de seca severa se tornarão mais frequentes em todas as regiões do Brasil”, disse à Context a Norte Energia, empresa que opera Belo Monte.
Um relatório de 2015 encomendado pelo governo previu que o potencial energético dos fluxos naturais dos rios no Brasil cairá entre 7% e 30% até 2030.
O Ministério de Minas e Energia do Brasil recusou o pedido de comentário da Context.
Histórico de baixo desempenho
A energia hidrelétrica responde por 47% da capacidade energética do Brasil, tornando-se a pedra angular da ambição de Lula de transformar o país em um exportador líquido de energia verde ou, como ele mesmo disse, a ” Arábia Saudita da energia renovável em 10 anos “. A Arábia Saudita é a maior exportadora de petróleo bruto do mundo.
A aposta de Lula em barragens “a fio d’água” visava garantir energia barata e com menor impacto ao meio ambiente do que as barragens tradicionais que criam grandes reservatórios.
Mas o baixo desempenho das megabarragens da Amazônia não é novidade, o que coloca em questão a estratégia verde do governo, dizem especialistas.
Santo Antônio, Jirau e Belo Monte não entregaram a “energia mínima assegurada” prevista em contratos entre empresas hidrelétricas e o governo federal em nenhum ano desde que começaram a produzir na década de 2010, de acordo com a análise de dados da Context do Operador Nacional do Sistema Elétrico.
A “energia mínima assegurada” refere-se à quantidade mínima de eletricidade que as usinas elétricas se comprometem a fornecer ao sistema elétrico nacional com base nos padrões históricos de fluxo dos rios.
Mas a história não tem sido muito indicativa dos níveis futuros dos rios, pois o clima vem mudando, disse Celio Bermann, professor do Instituto de Energia e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo.
A Eletrobras, empresa que opera Santo Antônio, disse ao Context que a produção mínima de energia assegurada de Santo Antônio, de 2,31 Gigawatts, foi baseada em níveis históricos dos rios que “não refletiam as alterações extremas observadas nos últimos anos”.
À medida que os níveis dos rios caem, as empresas hidrelétricas são forçadas a comprar eletricidade de outros produtores no mercado à vista, muitas vezes com altos custos financeiros, para cumprir com suas obrigações contratuais.
Se o nível das águas não subir nos próximos anos, “essas usinas (da Amazônia) vão falir”, disse Mário Daher, consultor do setor energético.
Jirau tem uma produção mínima de energia assegurada de 2,1 Gigawatts, e Belo Monte, de 4,41 Gigawatts , segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica.
Alternativas?
À medida que a produção de eletricidade das megabarragens da Amazônia caiu, as autoridades recorreram a combustíveis fósseis poluentes e caros .
Atualmente, o governo está construindo 15 usinas adicionais movidas a gás, o que, segundo o Instituto Internacional Arayara, sem fins lucrativos, deve aumentar a capacidade de geração de gás natural do Brasil em pelo menos 30%, aumentando assim as emissões de carbono do país.
Enquanto isso, um relatório de agosto, coautorado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), uma organização sem fins lucrativos, propõe o uso de energia solar e eólica para ajudar a converter barragens hidrelétricas menores em “barragens hidrelétricas de armazenamento bombeado”.
A ideia é usar energia solar e eólica quando o tempo estiver ensolarado e ventoso para ajudar a encher reservatórios de água que mais tarde poderão ser usados para gerar eletricidade quando o sol se põe e o vento diminui.
A eletricidade solar e eólica vem crescendo rapidamente nos últimos cinco anos no Brasil e agora responde por 29,4% da capacidade energética do país, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética.
A produção de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte também poderia ser impulsionada pela construção de mais barragens ao longo do rio, conforme planejado originalmente, disse Vinícius Oliveira da Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, uma organização sem fins lucrativos.
Mas isso seria controverso dada a oposição às barragens originais e seu histórico decepcionante.
Ambientalistas dizem que a construção contribuiu para o desmatamento, a perda de biodiversidade e o deslocamento de dezenas de milhares de brasileiros.
“De que adiantou matar o rio, a floresta… e os animais?”, questionou Ana Barbosa, coordenadora do movimento Xingu Vivo, que se opõe a Belo Monte e outras barragens no rio Xingu.
“Você simplesmente coloca um monumento no meio do rio para que os homens possam dizer que foram capazes de construí-lo, mesmo que isso não produza nada além de sangue e desastre.”
O novo governo de Lula, no entanto, reacendeu as negociações com a Bolívia para construir uma nova megabarragem no rio Madeira, na fronteira entre os dois países, desde que ele retornou ao poder em 2023.
Isso seria benéfico para seu governo, pois ajudaria a aumentar a produção em Jirau e Santo Antônio, ambas localizadas no rio Madeira, enquanto o impacto ambiental deverá ser maior na Bolívia, de acordo com Oliveira da Silva.
“Parece ser o momento certo para fazer essa barragem acontecer”, disse ele.
(Reportagem de Andre Cabette Fabio; Edição de Jack Graham e Ana Nicolaci da Costa.)
por Comunicação Arayara - Nívia Cerqueira | 20, set, 2024 | Arayara na mídia |
Os muras de Sissaíma, uma pequena terra indígena à espera de demarcação na região de Careiro da Várzea, no leste do Amazonas, estão cercados por fazendas e búfalos.
O fogo está incorporado à rotina nessas propriedades, e os indígenas convivem com ondas volumosas de fumaça na seca amazônica, apesar de garantirem a existência de uma ilha verde em meio aos descampados rurais. Os búfalos criados pelos fazendeiros, dependentes da água, contaminam rios e lagos e impedem a procriação de peixes.
Os indígenas ainda enfrentam o cerco de madeireiros ilegais e o avanço do comércio de drogas em comunidades vizinhas. Em Sissaíma, onde vivem 32 famílias, a maioria é evangélica. A religião é vista pelas lideranças como um contraponto às drogas. Num sábado de junho, a aldeia recebeu convidados de outras comunidades do rio Mutuca para a inauguração de um centro cultural. Os bois levados pelos convidados viraram churrasco. No palco, uma banda tocou músicas gospel em ritmo de forró.
Entre os muras de Sissaíma, praticamente ninguém sabe da existência de um projeto de exploração de petróleo em um bloco situado a menos de um quilômetro do território. Se o projeto sair do papel, será a nova frente de embate dos quase 200 indígenas que vivem nesse ponto da Amazônia ocidental. “Em 2017, uma pessoa do Cimi [Conselho Indigenista Missionário] falou que existe um bloco de petróleo a 700 metros daqui”, afirma o cacique do território, Ozeias Cordeiro, 43. “Desde então, nunca mais ouvi falar disso.”
O projeto ganhou contornos mais concretos a partir de dezembro de 2023, quando cinco blocos para exploração de óleo e gás na Amazônia foram ofertados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Os cinco blocos da Bacia de Amazonas impactam unidades de conservação e comunidades tradicionais, e algumas estão dentro das áreas dos blocos, como apontou o MPF (Ministério Público Federal) em laudos de perícia e em ação civil pública que pede que a Justiça Federal no Amazonas anule a concessão dos blocos.
No caminho do que pode ser uma nova fronteira de óleo e gás na Amazônia, caso as empresas que arremataram os blocos levem os projetos de prospecção adiante, estão seis terras indígenas e 11 unidades de conservação, conforme os laudos elaborados pelo MPF. A busca por combustível fóssil passa por áreas de proteção da região de Manaus onde está o encontro dos rios Negro e Solimões e onde vive uma espécie de macaco — o sauim-de-coleira — endêmica e ameaçada de extinção, segundo os laudos.
Os blocos AM-T-107 — o que está próximo a Sissaíma e a outras terras indígenas dos muras —, AM-T-133, AM-T-63 e AM-T-64 foram arrematados pela ATEM Participações. Em nota, a ATEM afirmou que o arremate das áreas foi precedido de diagnóstico socioambiental e que existe manifestação conjunta dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. “A ATEM cumpriu rigorosamente com todos os requisitos estabelecidos pelo edital de licitações e reafirma seu comprometimento com o cumprimento das leis e das decisões judiciais, em respeito ao meio ambiente, às populações tradicionais e ao desenvolvimento econômico da região”, disse.
A área de acumulação marginal Japiim — um campo com prospecção passada e com potencial de existência de petróleo — foi arrematada por consórcio formado por Eneva, empresa que já detém o maior empreendimento privado de óleo e gás na Amazônia, na região de Silves (AM), e ATEM Participações. Segundo a Eneva, o contrato de concessão de Japiim não foi assinado.
Em 14 de junho deste ano, em decisão liminar, a Justiça Federal no Amazonas determinou que a ANP e a União deixem de assinar os contratos referentes ao leilão feito em dezembro, enquanto não houver consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais que possam ser impactados. A ANP afirmou, em nota, que cumpre decisões judiciais e que os contratos não foram assinados. A agência recorreu contra a liminar. “Os blocos não incidiriam ou interfeririam em terras indígenas e unidades de conservação”, disse.
No caso do AM-T-133, a área onde está o território reivindicado pelos maraguás deve ser excluída de dentro do bloco, conforme a liminar. Esses indígenas estão em aldeias nos rios Abacaxi e Paraconi, na região de Nova Olinda do Norte (AM), e vivem um histórico processo de marginalização, enquanto tentam a demarcação do território.
A decisão cita um argumento do MPF para que um bloco não fosse levado a leilão: o edital não especificava se “estariam ou não contempladas as atividades de exploração e produção com recursos não convencionais (especificamente por meio da técnica de fraturamento hidráulico, conhecida como ‘fracking’)”. O “fracking” é uma técnica polêmica que objetiva potencializar a exploração de gás natural. Consiste na injeção de fluidos pressurizados num poço, em volumes acima de 3.000 m³, com objetivo de gerar fraturas em rochas de baixa permeabilidade, garantindo a recuperação dos hidrocarbonetos.
A técnica é bastante criticada em razão dos riscos de contaminação de recursos hídricos superficiais e de aquíferos, ocupação de grandes espaços para perfuração de múltiplos poços, grande consumo de água e uso de substâncias químicas, como cita um dos laudos do MPF usados na ação civil pública movida na Justiça Federal no Amazonas. Está também associada à liberação de metano na atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa.
As empresas que atuam com gás e petróleo no Brasil costumam negar o uso clássico da prática. Em agosto de 2023, numa reunião na Procuradoria da República no Amazonas, representantes da Eneva foram questionados sobre intenção da empresa de adotar a prática para a exploração de gás. Segundo um dos representantes, “existem poços horizontais que às vezes se faz ‘fracking’ (fratura) na vertical”. “Contudo, isso tem implicações diferentes da [prática na] Argentina (região de Vaca Muerta), por exemplo”, afirmou, conforme a transcrição da reunião.
Ainda conforme o representante da empresa, “no momento” não há intenção de prática de “fracking” nos moldes mais danosos. “A Eneva não pratica ‘fracking’ em nenhum de seus ativos”, disse a empresa, em nota. “A frase em questão [sobre o ‘fracking’ na vertical] foi tirada do contexto.” O diretor de exploração da empresa, Frederico Miranda, afirmou que a técnica não é utilizada em nenhum dos ativos e das bacias da Eneva, “nem vislumbramos utilizar”. “Toda nossa produção de gás natural é oriunda de poços convencionais.”
A ANP disse que, de fato, o edital do leilão feito em dezembro não especificou uma proibição da técnica, “o que não equivale a uma autorização para sua utilização, que deverá ser precedida de autorização dos órgãos ambientais estaduais e aprovação específica da ANP”. Em 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Ministério de Minas e Energia lançou um edital para “realização experimental e monitorada” de atividade de perfuração e fraturamento hidráulico. A Eneva foi uma das poucas empresas que fizeram colaborações, em consulta pública, para o edital.
“A Eneva valoriza a realização experimental e monitorada das atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos em reservatórios não-convencionais de baixa permeabilidade”, afirmou a Eneva em ofício ao ministério, em abril de 2022. Segundo o diretor da empresa, “pesquisa é diferente de exploração”. Independentemente da técnica utilizada, o futuro do óleo e do gás na Amazônia repete o passado, especialmente as sucessivas ações da Petrobras — antes, durante e depois da ditadura militar — para perfuração de poços e tentativa de acesso ao combustível fóssil.
Na terra Sissaíma, quem tem mais de 40 anos de idade lembra da ofensiva por petróleo na região. “Quando eu era curumim [criança], a Petrobras andava por aqui detonando dinamites. Eles faziam estradas e abriam clareiras. Meu pai trazia restos de explosivos, a gente brincava com isso”, diz Ozeias, o cacique do território.
Manoel Francisco Cordeiro, 70, pai de Ozeias, afirma que os operários trocavam comida enlatada por peixe e caça. E sinalizavam com “fitas vermelhas para a gente ver” os perímetros demarcados para a busca por petróleo. “Eles detonavam as bombas dentro da água. Aquilo matava muito peixe. Diziam estar procurando petróleo.”
Na Vila Izabel, uma pequena comunidade com 21 famílias muras e mundurukus e que está no caminho para o campo de Japiim, os indígenas apontam estruturas próximas que indicam uma tentativa de exploração de petróleo na região. A cidade mais próxima é Itapiranga (AM), região onde a Eneva expande a exploração de gás e óleo.
“Num terreno que comprei, tem uma placa de ferro antiga indicando um poço”, diz Clara Aldecira, 33, cacica da Vila Izabel.
Irmão de Clara, Manoel Matos, 40, conhece o exato lugar onde há uma estrutura, semelhante a uma válvula, que indica uma prospecção passada por óleo. “Mandaram plantar capim aqui. É porque alguma coisa de bom e valioso tem nesse poço”, afirma.
Até agora, a comunidade não foi procurada pela Eneva ou pela ATEM para uma conversa sobre intenções de exploração de óleo e gás no campo de Japiim. “Nas audiências que eles fizeram [sobre o empreendimento que já existe, no campo de Azulão], eles disseram que não existem indígenas em Itapiranga”, diz Clara.
Na comunidade do Lago do Catalão, próxima de Manaus e do encontro entre os rios Negro e Solimões, o agricultor Elber Figueiredo, 77, relembra o período em que trabalhou para empresas terceirizadas da Petrobras, na busca por petróleo na amazônia. Isso ocorreu entre as décadas de 70 e 80.
“A empresa prospectava e fazia um poço. Quando furava, estava vazio, sem petróleo”, diz Elber. Ele é marido de Raimunda Viana, 62, presidente da Associação Comunitária e Agrícola do Lago do Catalão. Ela afirma nunca ter ouvido falar sobre projetos de óleo e gás na região. “Espero que não venham mexer com a gente.”
Catalão tem 112 casas, todas elas flutuantes, com as famílias vivendo no ritmo do rio Negro. A comunidade está no caminho de um dos blocos leiloados em dezembro, conforme laudos usados pelo MPF.
A preocupação de Raimunda e de outros moradores da comunidade é fazer prosperar a roça de mandioca plantada em um terreno de uma ilha vizinha, que segue sem inundação após a seca extrema de 2023.
“Plantamos mandioca e queremos plantar melancia”, diz Alcilene Pontes, 63, que trabalha na roça com Raimunda.
A prospecção de petróleo, mesmo que não resulte em exploração efetiva, tem efeitos danosos, por envolver várias perfurações e a retirada de óleo para quantificação, afirma Juliano Bueno, diretor do instituto Arayara, uma ONG (organização não-governamental) que atua contra a expansão da exploração de combustíveis fósseis. “As empresas estão cientes dos impactos dessa exploração na amazônia, mas insistem em modelos predatórios”, diz Bueno.
Segundo ele, a concessão dos novos blocos pode desencadear um processo de grilagem de terras associada à expectativa pelo petróleo. “Grileiros viram ‘donos’ da terra compreendida nos blocos para vender à empresa que ganhou o leilão e que é dona do subsolo.”
Em meio a prospecções diversas feitas na floresta nas décadas passadas, como na região do médio rio Solimões ou no Vale do Javari, uma vingou. A Petrobras explora petróleo há mais de 30 anos na província petrolífera de Urucu, no meio da floresta, em Coari (AM). É a mais antiga iniciativa de exploração de combustível fóssil, ainda em curso, na amazônia.
Com novas concessões feitas, a aposta em petróleo e gás pode repetir o passado. O Lago do Rei, em Careiro da Várzea, está no caminho de um dos blocos arrematados, segundo os laudos do MPF. Existe um conjunto de 62 lagos na região, com diversas comunidades de pescadores, como a Cristo Rei, onde vivem 83 famílias. Ali, ninguém está pensando em petróleo. O que os pescadores querem é contornar os efeitos das secas severas dos últimos anos, seguir em busca de curimatã e pacu, aproveitar ao máximo a tradicional pesca controlada do mapará em março e viabilizar o manejo de caça de jacaré.
Fonte: FOLHAPRESS
por Comunicação Arayara - Nívia Cerqueira | 19, set, 2024 | Energia |
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) realizou, ontem (18/9), o 2º Seminário Nacional dos Consumidores de Energia, em Brasília. O evento reuniu governo, especialistas e sociedade civil para debater a redução do custo da energia, os desafios da transição energética e o combate às mudanças climáticas no Brasil
Durante o evento, os participantes receberam a “Conta de Luz do Consumidor Brasileiro”, com estimativas dos custos de energia para 2024. Além disso, puderam acessar o “Subsidiômetro” da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), exposto em um totem interativo.
Painéis abordaram subsídios, custo da energia e justiça energética
De acordo com uma pesquisa encomendada pelo Instituto Pólis, 36% das famílias brasileiras gastam mais da metade do orçamento mensal com energia elétrica e gás de cozinha. “Nas regiões Norte e Nordeste, esses gastos superam até as despesas com alimentação, comprometendo a segurança alimentar das famílias”, destacou Mónica Banegas, especialista em Justiça Energética do Instituto Pólis, durante o painel sobre justiça energética. Ela também apontou que 60% das famílias das classes D e E, com renda de até um salário mínimo, estão com a conta de luz atrasada.
Rosimeire Costa, presidente do CONACEN, reforçou a necessidade de uma fiscalização firme por parte da Aneel, ressaltando a importância de uma agência reguladora forte e independente para garantir tarifas mais justas aos consumidores cativos.
Impacto da energia elétrica na vida das pessoas
No segundo painel, com foco no impacto da energia elétrica na população, o deputado federal Joaquim Passarinho (PL/PA) defendeu um ciclo completo para os subsídios, enfatizando que muitos deles não têm fim definido, o que sobrecarrega os consumidores.
Kayo Moura, da Rede de Favela Sustentável, trouxe dados mostrando que 31% das famílias mais pobres gastam mais de 10% da renda com energia. Já Cássio Bitar, do Comitê Gestor do Pró-Amazônia Legal, destacou que 2,7 milhões de pessoas na Amazônia Legal ainda não têm acesso à energia, e que novos projetos para áreas isoladas estão previstos para serem implementados até o fim do ano.
Clima e energia: desafios da transição energética
No painel da tarde, a secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, ressaltou que o debate sobre energia precisa ser transversal e inclusivo, sem soluções simples, pois cada fonte energética traz seus desafios. Carol Marçal, do Instituto ClimaInfo, alertou para o aumento das fontes fósseis na matriz energética brasileira, o que eleva as emissões e encarece a energia. Ela criticou o lobby a favor dos combustíveis fósseis no Congresso, que insere emendas prejudiciais à transição energética.
Por outro lado, João Francisco Paiva Avelino, do MDIC, destacou que a participação da indústria brasileira nas emissões globais é relativamente pequena, enquanto Lucien Belmonte, da Abividro, defendeu a competitividade da indústria e questionou o foco em carvão nas discussões, que, segundo ele, prejudica a competitividade.
O Diretor Técnico do Instituto Internacional ARAYARA, Eng. Juliano Bueno de Araújo, Phd. em Energia, propôs a extinção da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e anunciou a intenção de entregar uma carta ao Ministro Alexandre Silveira e ao Presidente Lula, solicitando a revisão dessa política. Ele também criticou a inclusão dos chamados “jabutis” em projetos de lei, alertando que, se essas emendas continuarem sendo aprovadas, a transição energética justa estará seriamente comprometida.
Igor Britto, diretor executivo do IDEC, afirmou que a verdadeira transição energética só ocorrerá quando houver um compromisso real em beneficiar os consumidores. Ele destacou que as distribuidoras de energia são a segunda maior fonte de reclamações de consumidores no país, atrás apenas dos bancos, e que muitos consumidores não compreendem o que é cobrado nas suas contas. Britto defendeu mudanças no setor, especialmente na forma de cobrança, para garantir que as pessoas sejam informadas e se mobilizem para uma transição energética justa.
Encerramento e próximas ações
No encerramento, o presidente da FNCE, Luiz Eduardo Barata, criticou a desorganização do setor energético e propôs uma revisão do arcabouço regulatório, afirmando que esse processo será gradual e complexo. Barata também anunciou a elaboração de uma correspondência ao CNPE para revisar os subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e uma nova edição do ranking de parlamentares sobre energia elétrica, a ser publicada até o final do mês.
O seminário destacou a importância de ações coordenadas para enfrentar os desafios da transição energética e promover um sistema energético mais justo e sustentável no Brasil.
por Comunicação Arayara - Nívia Cerqueira | 30, ago, 2024 | Justiça Ambiental |
Transparência nos processos e indenizações às comunidades afetadas pelo derramamento de 2019 fazem parte dos pleitos apresentadas ao Secretário de Transição Energética,Thiago Barral
Após uma semana de negociação com o Ministério de Minas e Energia, por meio da Assistência de Participação Social, representantes do Instituto Internacional Arayara, da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM) e da Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais, se reuniram com o secretário de Transição Energética,Thiago Barral.
Durante o Ato Óleo sobre Pesca que rememorou o maior derramamento de petróleo na história do Brasil, que aconteceu na última quarta (28), na Esplanada dos Ministérios, o Ministério das Minas e Energia (MME) concordou em receber o Prêmio Óleo sobre Pesca e ouvir as reivindicações das organizações presentes.
“Passamos fome, perdemos o pescado e a nossa dignidade. Esse prêmio é uma entrega simbólica que representa os peixes que ficaram agonizando no óleo. Há cinco anos não houve providências para o setor pesqueiro e nem reparações para a vida das comunidades e os problemas continuam, o óleo segue avançando e nada foi feito até agora”, relata Izabel Cristina, representante da Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais.
O Prêmio Óleo sobre Pesca foi confeccionado pelo grafiteiro e ativista Mundano, baseado em uma de suas famosas esculturas que remonta o drama do derramamento de 2019. Uma arte simbólica para lembrar das consequências desastrosas que impactam até hoje no ecossistema marinho e na vida das comunidades afetadas.
Novas fronteiras do petróleo
A diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, Dra Nicole Figueiredo de Oliveira explicou que , além de rememorar os 5 anos do derramamento de óleo do nordeste, o Ato também questiona as novas fronteiras do petróleo em todo o litoral brasileiro.
“O Ministério segue abrindo projetos de petróleo e gás sobre os territórios de pesca, sobre os territórios tradicionais, indígenas e quilombolas, além das unidades de conservação, recifes de corais e manguezais. O Monitor Oceano, ferramenta lançada pela ARAYARA.org apresenta informações e dados inéditos sobre a exploração do petróleo, demonstra que 25 % dos recifes amazônicos estão sobrepostos por projetos – blocos concedidos, blocos em estudo, blocos em oferta”, revela a Diretora.
Oliveira, destacou que, ao se tratar de novas ofertas de blocos, o MME tem se limitado a uma resposta padrão: “identificamos que existe pesca na região, mas não vemos obstáculos em ofertar esses blocos.” Ela considera essa postura altamente problemática, já que a realidade das comunidades afetadas demonstra que essa abordagem não é mais viável. “Queremos que o Ministério da Pesca e as comunidades pesqueiras sejam ouvidas e envolvidas no processo quando o CNPE decidir ofertar um bloco de petróleo e gás”, reivindicou.
Durante a reunião, foram discutidos os pleitos da Carta Manifesto, assinada por mais de 136 organizações, como Instituto ARAYARA, OC Observatório do Clima, OPG Observatório do Petróleo e Gás, CONFREM, CPP, SOS Mata Atlântica, entre dezenas de movimentos sociais e populares, coalizões, coletivos, sindicatos de trabalhadores e patronais, parlamentares, redes e organizações da sociedade civil.
Juliano Bueno de Araújo que é doutor em riscos e emergências ambientais e Diretor Técnico da instituição destacou que, nos últimos 10 anos, as demandas da sociedade civil em relação ao MME têm sido sistematicamente ignoradas. “A democracia é construída por todos, e esse espaço de diálogo precisa ser contínuo. Este é o apelo de mais de 136 entidades que assinam o documento.
Um dos nossos pleitos é a criação de um processo de prestação de contas periódicas sobre as investigações do derramamento, com indenizações para as populações afetadas, a fim de compensar todos os danos”, afirmou.
Barral reconheceu que a sociedade ainda depende dos derivados de petróleo e enfatizou a necessidade de desenvolver alternativas acessíveis para superar essa dependência. “Estamos elaborando o Plano Nacional de Transição Energética, que será submetido a consulta pública antes de sua aprovação. Nosso objetivo é promover uma maior clareza na sociedade brasileira sobre qual o projeto de transição energética que desejamos, incluindo seu custo e como será implementado”.
Estiveram presentes na reunião Alexandre Mário, Chefe de Assessoria; Rita Alves, Coordenadora Geral; e Ceicilene Martins, Subsecretária de Sustentabilidade da Secretaria de Transição Energética. Também participaram o Diretor-Presidente do Instituto Internacional Arayara, Juliano Bueno Araújo, acompanhado de Nicole Figueiredo, Diretora Executiva; Vinícius Nora, Gerente de Oceano e Clima; Gabriella Kailany e Tayná de Oliveira, representantes da CONFREM (AL); além de Izabel Cristina, da Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais e considerada a maior liderança feminina na Pesca Brasileira hoje.
por Comunicação Arayara | 20, ago, 2024 | Combustíveis Fósseis |
Estudos da Arayara sobre os impactos ambientais do carvão mineral foi apresentado em Audiência Pública nesta terça (20), no Senado Federal, que debateu o PL 576/2021.
Nesta terça-feira (20), a CI, Comissão de Serviços de Infraestrutura, do Senado Federal debateu o Projeto de Lei 576/2021, que dispõe sobre a produção de energia elétrica offshore no Brasil. Originado no Senado, PL recebeu emendas “jabutis” ao tramitar na Câmara dos Deputados. Matéria está sendo agora revista pelos senadores, antes de ser encaminhada para sanção presidencial.
PL das eólicas offshore – Jabutis pró-carvão
A audiência pública contou com a presença de diversos especialistas e representantes de organizações para analisarem o novo texto. Um dos “jabutis” acrescidos pleiteia a prorrogação das contratações de usinas a carvão no Sul do Brasil até 2050: do Complexo Termoelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, e das usinas Candiota III e Figueira, no Rio Grande do Sul. Uma ação que representaria um custo adicional de R$92 bilhões em subsídios fiscais.
Durante a sessão, o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Barata, apresentou estudos de diagnósticos do Instituto Arayara sobre os impactos do carvão mineral, combustível fóssil que emite poluentes e gases de efeito estufa que agravam as mudanças climáticas e desencadeiam eventos extremos, como as enchentes de maio no Rio Grande do Sul. Para o Instituto Arayara, fortalecer essa indústria é um contrassenso, principalmente no estado que sofreu recentemente uma calamidade climática.
O prefeito de Candiota, Luiz Carlos Folador, esteve presente na audiência pública e se posicionou a favor do PL e das emendas acrescidas pelos Deputados que beneficiam a indústria do carvão. “Grito pela continuidade da existência desta usina, Candiota III. Colocar nosso setor na inanição não é correto”, pontuou Folador. O prefeito também defendeu a alocação de valores na indústria fóssil: “Não é subsídio, é incentivo, pois queremos um país rico”. Os impactos ambientais da atividade não foram avaliados em suas falas e dos demais defensores do carvão.
PL das eólicas offshore – Jabutis pró-GNL
Além do carvão, houveram emendas parlamentares acrescidas ao PL pela Casa Revisora, a Câmara, que beneficiam a contratação de novas térmicas a gas inflexíveis, que produzem o tempo todo e estão ligadas à geração de base do sistema elétrico. Essas usinas a gás são altamente poluentes, a despeito do nome “natural” que carrega o gás fóssil. Além disso, são altamente onerosas, e esses investimentos acabam sendo diluídos em forma de tarifas nas contas de energia elétrica dos consumidores.
Dados da PSR Energy Consulting indicam que a aprovação das emendas do PL 576/2021 pode aumentar a conta de energia dos brasileiros em 11%, representando um custo de R$ 658 bilhões até 2050, impactando o poder de compra e a competitividade industrial. O estudo foi encomendado pelo Movimento Transição Energética Justa, coalizão que reúne diversas entidades do setor energético e ambiental.
Arayara em defesa da Transição Energética
Diferentes estudos do Instituto Internacional Arayara apontam a inadequação das usinas movidas a carvão mineral: são de alto custo, poluentes e contribuem minimamente ao sistema de distribuição de energia brasileiro. As minas e a lavra do carvão ainda contaminam o solo e os lençóis freáticos, prejudicando o meio ambiente e a saúde da população. Segundo o estudo “Legado Tóxico”, da Arayara e do Observatório do Carvão Mineral, os custos estimados para a recuperação ambiental e reparação dos danos causados pelo Complexo Termelétrico de Jorge Lacerda, em Santa Catarina, ultrapassam R$1,5 bilhão.
No Rio Grande do Sul, usinas como a UTE Figueira se utilizam de um carvão altamente tóxico, com alta concentração de enxofre e de outros metais pesados perigosos. O Instituto Internacional Arayara sustenta que para alcançarmos um desenvolvimento sustentável se faz necessário cada vez mais investimentos em energia limpa, renovável e justa, no lugar de subsídios bilionários a carvão e a gás, e considera que PL das eólicas offshore, sendo reavaliado no Senado Federal, não seja aprovado com emendas que beneficiam fontes fósseis.