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Expansão da Indústria do Gás: Crescimento Econômico à Custa do Planeta?

Expansão da Indústria do Gás: Crescimento Econômico à Custa do Planeta?

Iniciativa privada e governo brasileiro dão passos para estimular a produção do gás natural e seu fornecimento à indústria nacional. O aquecimento deste mercado, porém, também envolve aquecer mais o clima, que já dá muitos sinais de estresse e esgotamento.

Muitas movimentações têm sido realizadas com o objetivo de expandir a produção e impulsionar o comércio do gás natural no Brasil. Em comparação ao petróleo, o gás fóssil apresenta menos oferta no mercado, por ser uma indústria que ainda demanda investimentos altos, como a construção de gasodutos para o transporte dessa energia e de terminais de resfriamento, a fim de manuseá-lo em sua forma líquida.

Assim, as produtoras de gás preferem alocar parte do gás extraído para promover a extração de petróleo, como no pré-sal. O valor de mercado do gás, para as indústrias consumidoras desse insumo, torna-se alto. A fim de baixar esse preço, governo e iniciativa privada articulam soluções – tanto impulsionando uma maior produção e oferta, incentivando que empresas como Petrobras comercializem mais gás ao invés de usá-lo para reinjeção nos poços de petróleo, quanto estimulando no mercado a demanda pelo produto, garantindo que haverá um cenário com mais gás disponível.

Uma dessas soluções é a proposta da Abrace Energia, associação de grandes consumidores de energia, para que sejam realizados leilões regulados de venda de gás natural pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em semelhança aos promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para a contratação de energia elétrica.

A Nova Lei do Gás (14.134/2021) prevê leilões de gás e programas de venda também por outros agentes, não governamentais, mas em 2022 o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) editou uma resolução que transfere para a ANP a responsabilidade de organizar e executar leilões.

No âmbito do governo, muitas ações têm sido propostas para impulsionar o gás. O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou, em abril, a criação de um comitê de monitoramento de obras e projetos de gás em andamento. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) divulgou, também em abril, um estudo sobre o mercado de gás de olho em melhores condições de fornecimento do produto para a indústria nacional.

Em paralelo ao estímulo à produção interna, o Brasil estuda ainda o financiamento da fase final da construção do gasoduto que permitiria a importação do gás de fracking da região de Vaca Muerta, na Argentina, em uma tentativa de contornar as baixas que vêm enfrentando na importação de gás natural da Bolívia, onde há a previsão de desabastecimento até 2030. Todas essas são medidas que atrasam a Transição Energética do país, uma vez que impulsionam uma fonte fóssil em detrimento das renováveis, e estimulam o mercado e as indústrias que consomem este ativo fóssil, deixando-as mais longe de uma descarbonização de suas atividades.

A queima de combustíveis fósseis é o fator que mais contribui para a desregulação do clima. Estimular essa produção e esse comércio é impulsionar também o desencadeamento de mais desastres climáticos que custam muito mais para reparar do que o lucro em curto prazo que advém dessas atividades. O Instituto Internacional Arayara reforça a urgência de se incluir uma perspectiva de zero carbono nos debates de energia no Brasil e na América Latina, se quisermos avançar economicamente com sustentabilidade socioambiental, resguardando o planeta e as populações mais vulneráveis às mudanças climáticas.

Extração de gás na Argentina causa problema ambiental, denunciam povos indígenas

Extração de gás na Argentina causa problema ambiental, denunciam povos indígenas

Centenas de poços de extração de gás de xisto estão espalhados pela região da reserva de Vaca Muerta, na Patagônia argentina

(Originalmente publicado em https://time.news/ em 22/06/2023)

Em pouco mais de uma década, Emilce Beeguier, 33 anos, viu mudanças na comunidade de Fvta Xayen, onde nasceu perto da cidade argentina de Aelo (1.014 km de Buenos Aires). O município é considerado o coração de Vaca Muerta, uma enorme formação geológica que abriga a segunda maior reserva de gás de xisto do mundo e também é o lar ancestral do povo Mapuche.

 

“Costumava ser tranquilo. Você não conseguia ouvir um carro passando. Agora, com o tráfego na estrada, você não pode atravessar de um lado para o outro como costumava fazer quando era criança, por exemplo”, diz Kona (“jovem militante”, em mapuche).

 

O movimento de caminhões na região se deve à exploração de combustíveis realizada pelo “fracking” ou fraturamento hidráulico, que teve início em 2013. A técnica utiliza milhões de litros de água misturados com areia e reagentes químicos para romper a rocha de xisto no subsolo e extrair petróleo e gás.

 

Vaca Muerta colocou a Argentina entre os maiores produtores mundiais de gás e petróleo não convencionais (aqueles extraídos por “fracking”) e governos sucessivos têm investido na exploração na região.

 

Na terça-feira (20), entrou em operação o primeiro trecho do gasoduto Néstor Kirchner, conectando Vaca Muerta à província de Buenos Aires. O presidente Alberto Fernández está apostando no projeto para amenizar a crise econômica que assola o país, pois será capaz de economizar em importações e reduzir a falta de dólares que impulsiona a inflação.

 

No final de abril, Beeguier viajou de avião pela primeira vez para um evento promovido pela ONG 350.org, para contar às comunidades impactadas por projetos energéticos no Maranhão o que a chegada do “fracking” significou para Vaca Muerta.

 

Caminhões com insumos e resíduos dos poços circulam pelas estradas da região usadas como pastagens e, portanto, afetam diretamente a pecuária, uma atividade tradicional do povo Mapuche. “Eles são atropelados. Temos que ficar contendo os animais o tempo todo para que eles não vão onde sempre estiveram”, diz a ativista.

 

Ela relata que as 17 famílias da comunidade começaram a sofrer os impactos assim que o “fracking” foi aprovado. “Pessoas que não conhecíamos começaram a chegar nos territórios para fazer fraturas, o que prejudicou a água e, eventualmente, a contaminou.”

 

De acordo com um relatório da consultoria Ricsa, em junho de 2021, 15 empresas petrolíferas operavam 1.145 poços de petróleo e gás em Vaca Muerta, principalmente na província de Neuquén, onde está localizado o território Mapuche. A maioria dos poços (67%) pertence à estatal YPF, mas dezenas de outros pertencem a multinacionais como ExxonMobil, Chevron, Shell e Total.

A YPF foi contatada para comentar as reclamações dos Mapuches, mas não respondeu até a publicação do relatório.

A matriz energética argentina é dominada pelo gás natural (55%) e pelo petróleo (33%). Segundo a secretária de Energia do país, Flavia Royon, 47% do petróleo da Argentina e 41% do seu gás são produzidos em Vaca Muerta. Sobre as críticas ambientais ao novo gasoduto, Royon afirmou que “não há questionamento do projeto”.

 

Como funciona a exploração de petróleo e gás por “fracking”

 

Todo o petróleo e gás do mundo estão distribuídos em pequenas gotas ou bolsões de gás abaixo da superfície. No caso dos poços convencionais, as reservas estão localizadas em solos mais acessíveis, como areia ou argila.

 

“Mas algumas dessas reservas estão em rochas muito duras, então nem o petróleo nem o gás conseguem se movimentar lá”, diz o físico Shigueo Watanabe Junior. São formações não convencionais ou reservas de xisto, que só podem ser exploradas por meio do “fracking”.

 

“É uma técnica de fraturar a rocha. Como não se pode usar explosivos lá embaixo, porque queimaria todo o petróleo, usa-se água em altíssima pressão, misturada com alguns reagentes químicos que ajudam a dissolver parte da rocha”, explica ele.

 

Com as fraturas, o petróleo e o gás fluem para um tubo e são levados até a superfície. Como resíduo, há milhões de litros de fluido utilizados na fratura, que são reinseridos no subsolo ou descartados em outros locais – em reservatórios ou, em alguns casos, de forma irregular, às margens de estradas, em rios e em plantações.

 

Tremores de terra e falta de água

 

O “fracking” é foco de controvérsias em todo o mundo devido ao seu impacto socioambiental e climático.

“Quando as fraturas são feitas no subsolo, ocorrem terremotos e tremores na comunidade vizinha”, diz o comunicador Mapuche Fernando Barraza. “As casas estão se rachando.”

 

Em Vaca Muerta, um estudo da Associação Geológica Argentina identificou um “aumento notável” em tremores com intensidade média a moderada entre 2015 e 2020. Foram registrados “eventos isolados e de baixa magnitude”.

 

“Havia um discurso muito convincente de que [o ‘fracking’] traria empregos, progresso e fundamentalmente que não teria impacto ambiental, que era uma atividade limpa em comparação com a extração tradicional de petróleo. Mas o que aconteceu foi exatamente o oposto”, diz Barraza.

 

Ele chama o discurso de “eldoradista”, em referência à lendária cidade feita de ouro e à promessa de riquezas ilimitadas, e afirma que não houve consulta aos povos tradicionais antes das atividades.

 

O líder Mapuche também denuncia dificuldades de acesso à água. “Os lençóis freáticos começaram a ser contaminados e, acima de tudo, algo que nenhuma empresa ou governo que faz ‘fracking’ fala: [as petroleiras] pegam toda a água”, diz ele. “Elas precisam de milhões de litros de água. Leitos de rios foram desviados e rios inteiros secaram.”

 

Bomba climática

 

Nicole Figueiredo, diretora executiva da Arayara, organização que trabalha para promover uma transição energética justa, explica que, em outras partes do mundo, estudos já relacionaram o “fracking” à contaminação da água, causando problemas de saúde, e à diminuição do lençol freático.

 

Ela também destaca que Vaca Muerta é uma “bomba de carbono”, com emissões potenciais de gases de efeito estufa que podem chegar a 5,2 gigatoneladas. “O ‘fracking’ tem impactos locais, mas também tem um impacto climático muito significativo.”

 

A extração de gás natural está associada à liberação de metano na atmosfera – segundo estimativas da Agência Internacional de Energia, o metano é responsável por cerca de 30% do aumento da temperatura do planeta.

 

Ainda de acordo com a Agência Internacional de Energia, para atingir emissões líquidas de carbono zero até 2050, é essencial que não sejam feitos investimentos em novos projetos de combustíveis fósseis. O objetivo é um dos passos para cumprir o Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5°C.

 

O “fracking” é proibido em alguns países europeus, como Espanha, França e Reino Unido (no ano passado, uma tentativa de reverter a proibição levou à saída da primeira-ministra Liz Truss).

 

No Brasil, esse tipo de exploração ainda não ocorre, porém, Paraná e Santa Catarina, onde está localizada uma das maiores bacias de gás de xisto do país, já têm leis que proíbem a prática. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, também existem reservas potenciais no Maranhão, Piauí, Amazonas e Pará.

 

Em janeiro, o presidente Lula (PT) sinalizou que o BNDES financiaria o projeto do gasoduto Néstor Kirchner, mas até agora isso não se concretizou.

 

O repórter viajou a São Luís para participar do evento Boas Energias – Maranhão.

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