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Funai edita medida que permite ocupação e até venda de áreas em Terras Indígenas

Funai edita medida que permite ocupação e até venda de áreas em Terras Indígenas

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), imbuído de sua competência legal para “editar atos normativos internos”, emitiu, no dia 22/4, a Instrução Normativa nº 9/2020, que altera profundamente o regime de emissão do documento chamado “Declaração de Reconhecimento de Limites”. Até então, o documento tinha a finalidade de fornecer, aos proprietários de imóveis rurais, a mera certificação de que foram respeitados os limites com os imóveis vizinhos onde vivem indígenas. Agora, a Funai certificará que os limites de imóveis e até mesmo de posses (ocupações sem escritura pública) não incidem apenas no caso de Terras Indígenas (TIs) homologadas por decreto do presidente da República.

O grande problema é que, de acordo com dados da própria Funai, existem hoje 237 processos de demarcação de TIs pendentes de homologação por decreto, a última fase de um complexo processo que passa por estudos técnicos, aprovação do presidente da Funai, contestação administrativa e análise e aprovação pelo Ministro da Justiça. Só então, o processo segue para a homologação presidencial. Esse trâmite é longo e demorado. Há processos iniciados em 1982 que ainda não foram finalizados e casos em que o processo de demarcação até hoje não foi aberto.

Além disso, a IN determina que apenas as terras homologadas deverão constar no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef). O Sigef é uma base de dados eletrônica do Incra que reúne as informações oficiais sobre os limites dos imóveis rurais. Quando os imóveis não estão sobrepostos a áreas privadas, unidades de conservação ou TIs, a terra é cadastrada no sistema e o interessado obtém uma certidão, de forma eletrônica e automática. Sem esse documento, não é possível desmembrar, transferir, comercializar ou dar a terra em garantia para conseguir empréstimos bancários.

Em março do ano passado, o Incra chegou a enviar minuta de IN para a Funai, sugerindo que o órgão indigenista retirasse as terras indígenas não homologadas do Sigef. Na época, o então presidente da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas, foi contra e aprovou uma informação técnica e um parecer que alertavam sobre a grave insegurança jurídica da medida. Quatro dias depois, ele foi demitido.

De acordo com o parecer aprovado por Freitas, “não parece consistente que mediante a edição de norma administrativa de contorno evidentemente mais restritivo e de alcance administrativo limitado, se pretenda modificar toda a prática administrativa ora observada no segmento e que, destaque-se, decorre de lei, com evidentes prejuízos aos interesses dos povos indígenas que porventura não lograram alcançar a fase administrativa de homologação e regularização de seus territórios, e cuja ocupação, por mais tradicional que se apresente, haveria de ser magicamente desconsiderada pelo Incra para o efeito de análise das possíveis superposições faticamente existentes nas áreas sob análise.”

Em consequência da IN nº 9/2020, mais de 237 terras indígenas pendentes de homologação, poderão ser vendidas, loteadas, desmembradas e invadidas. Os invasores poderão obter o certificado expedido pela Funai onde constará que a área invadida não é TI. Depois, poderá pedir a legalização da invasão no Incra, o que se dá por intermédio de cadastro autodeclaratório, já que as regras para isso foram afrouxadas pela Medida Provisória nº 910/2019, a “MP da grilagem”, em trâmite no Congresso Nacional.

Pretensos ocupantes também poderão licenciar qualquer tipo de obra ou atividade, como, por exemplo, desmatamento e venda de madeira. Tudo isso, à revelia e sem a participação dos índios, já que essas terras não estarão no Sigef e o interessado terá um documento expedido pela Funai garantindo que os limites de seu “imóvel” não está em TI homologada.

A gravidade da IN nº 9/2020 é tamanha que a “Declaração de Reconhecimento de Limites da propriedade privada” poderá ser emitida até mesmo em TIs com a presença de índios isolados, já que algumas contam apenas com portaria de interdição da Funai, cuja finalidade é restringir o uso de terceiros e garantir o direito de não contato dos indígenas.

O que define uma TI, no entanto, não é a fase do processo de demarcação, já que se trata de procedimento administrativo declaratório, ou seja, não é o decreto de homologação ou qualquer outro ato que “cria” a área. O processo apenas confirma uma situação fática preexistente. O que define uma TI é a existência de índios, que fazem dela a base material para sua sobrevivência física e cultural.

O falecido ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Menezes Direito, responsável pela elaboração das condicionantes que nortearam o julgamento do famoso caso TI Raposa Serra do Sol, afirmou: “não há índio sem terra. A relação com o solo é marca característica da essência indígena, pois tudo o que ele é, é na terra e com a terra. Daí a importância do solo para a garantia dos seus direitos, todos ligados de uma maneira ou de outra à terra. É o que se extrai do corpo do art. 231 da Constituição.”

Além disso, o Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/1973) determina e o STF já reconheceu que os direitos dos índios sobre suas terras independem de demarcação. A IN, todavia, ignora tudo isso. Segundo texto com cunho discursivo estranhamente incluso como um dos artigos, “não cabe à FUNAI produzir documentos que restrinjam a posse de imóveis privados em face de estudos de identificação e delimitação de terras indígenas”. Ora, o que não cabe à Funai é ignorar os direitos indígenas previstos na Constituição.

A Constituição garante aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, bem como a posse permanente e o usufruto exclusivo das terras, rios e lagos nelas existentes. A Carta Magna não tergiversa sobre a fase do processo de demarcação. É cristalina em afirmar que compete à União demarcar, proteger e fazer respeitar todos os bens existentes nas terras indígenas. Também classifica como nulos e extintos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras. São justamente esses atos que a IN nº 9/2020 pretende autorizar. Ainda, pela Constituição, as terras indígenas são consideradas inalienáveis e indisponíveis.

O presidente da Funai, sob o subterfúgio de “editar atos normativos internos”, decidiu, unilateralmente, revogar as garantias fundamentais dos índios previstas na Constituição Federal para chancelar títulos, posses e invasões incidentes em terras indígenas. Com isso legitima a violência e incentiva conflitos que custam a vida dos índios. Se continuar nessa toada, a FUNAI será transformada ao mesmo tempo em subsede de cartório de registro de “imóveis” privados e funerária indígena.

Fonte: Socioambiental

Foto: Desmatamento causado por invasão de grileiros no interior da Terra Indígena Cachoeira Seca (PA) | © Lilo Clareto / ISA

Funai atropela regimento e libera acesso a índios isolados por causa de coronavírus

Funai atropela regimento e libera acesso a índios isolados por causa de coronavírus

Decisão ignora o que está previsto no processo de contato com os povos isolados

Fundação Nacional do Índio  (Funai) atropelou o próprio estatuto e autorizou que suas coordenações regionais possam fazer contato direto com povos indígenas isolados na floresta, desde que entendam ser necessário, por causa da pandemia do coronavírus.

A decisão ignora frontalmente o que está previsto no processo de contato com os povos isolados. Por lei, é a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGiirc) que discute, estuda e decide sobre a necessidade ou não de contato com esses povos. São ações extremamente complexas, por envolver acesso a regiões remotas e, principalmente, por colocar em risco a saúde desses povos indígenas sem convivência com não índios.

A Funai tem hoje 11 frentes de proteção aos isolados em todo o País, que executam as políticas e decisões da coordenação-geral. Já no âmbito regional, há 39 coordenações.

A portaria publicada na terça pelo presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, afirma que esses povos seguirão sem contato, mas que esse comando “pode ser excepcionado caso a atividade seja essencial à sobrevivência do grupo isolado e deve ser autorizada pela CR (coordenação regional)”. 

A portaria publicada pelo presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, determina que “ficam suspensas todas as atividades que impliquem o contato com comunidades indígenas isoladas”, mas adiciona que a esse comando “pode ser excepcionado caso a atividade seja essencial à sobrevivência do grupo isolado e deve ser autorizada pela CR (coordenação regional) por ato”.

A portaria define ainda que o contato entre agentes da Funai, bem com a entrada de civis em terras indígenas, estão “restritas ao essencial de modo a prevenir a expansão da epidemia”.

Hoje, há 107 registros da presença de índios isolados em toda a Amazônia Legal, área que abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e parte dos Estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. A maior presença de povos isolados do Brasil se dá no Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, onde já foram registradas 16 referências desses grupos. A população total da terra oscila entre 3,8 mil e 5,5 mil pessoas, sem incluir as estimativas da população de índios isolados. 

Procurada, a Funai não se manifestou sobre o assunto até a publicação desta reportagem. 

Fonte: Estadão

A quem interessa inviabilizar a presença do Ibama, ICMBio e Funai na Amazônia?

A violência contra ambientalistas, populações indígenas, ribeirinhos e servidores públicos vem se intensificando de forma assustadora. As ameaças e ataques são dirigidos a todos que, de uma forma ou de outra, atuam no combate à grilagem, aos desmatamentos ilegais, à biopirataria, ao genocídio de comunidades indígenas. Não se trata mais de bravatas de um candidato multado ao cometer um ilícito, de um ministro condenado por crime ambiental ameaçando punir servidores por exercerem suas funções ou mesmo de senadores incitando a violência contra agentes públicos através de discursos eleitoreiros e mentirosos. Hoje, qualquer grileiro, jagunço ou mesmo um obscuro autoproclamado “antropólogo de direita” se dá ao direito de confrontar e ameaçar agentes públicos com a “autoridade” a eles concedida pelos discursos oficiais.

Os recentes acontecimentos envolvendo fiscais do Ibama em Roraima e no Pará são claramente resultado de todo esse processo. Entidades públicas como o Ibama, ICMBio e Funai são justamente aquelas que, em função de suas atribuições, se colocam como empecilho aos interesses de grupos econômicos interessados apenas no lucro fácil e imediato, mesmo que isto signifique a destruição da floresta, a contaminação das águas e a violência contra comunidades indígenas e outras populações tradicionais.

No dia 23/01, a Ascema Nacional emitiu uma nota de repúdio às declarações de um senador do Estado do Pará que se referia aos agentes ambientais federais do Ibama como “servidores bandidos e malandros”. Esclarecemos na oportunidade que a ação que originou a acusação tinha o objetivo de coibir a invasão de terras com restrições legais para sua ocupação, já bastante degradada. Mesmo com tais esclarecimentos, nenhuma autoridade se deu ao trabalho de rever suas afirmações.

Uma semana depois, em 31/01, uma pessoa foi morta durante uma operação de combate ao desmatamento em Rorainópolis/RR. Lamentável e triste! Ninguém pode aceitar que situações como essas continuem ocorrendo. Não é admissível, entretanto, a utilização dessa tragédia para alimentar discursos eleitoreiros e mentirosos com o claro objetivo de inviabilizar a atuação dos órgãos ambientais na região. Qual o interesse escondido por trás das acusações feitas ao Ibama quando todos os envolvidos tinham conhecimento do que de fato ocorreu? Porque a pressa de autoridades públicas, e até mesmo da Centro das Indústrias do Pará, em apontar o dedo para o Ibama?

Mais recentemente, no dia 16/02, nova tentativa de intimidação e “carteirada” perpetrada por um cidadão que, mesmo sem vínculos com nenhum órgão público, sem nenhuma autoridade formal sobre os servidores, tenta intimidar e inviabilizar a ação de fiscais argumentando que lá estava “para fazer cumprir a ordem ministerial do senhor ministro Ricardo Salles com o qual me encontrei na última terça-feira, dia 11 de fevereiro (…)”. Esse senhor que é tão somente professor de uma faculdade evangélica privada do interior do estado de Goiás, sentiu-se autorizado a ameaçar e tentar inviabilizar a ação de agentes federais no combate à grilagem e ao desmatamento.

Todas essas situações são indubitavelmente o resultado de, no mínimo, um ano de ataques das mais altas autoridades do país que tentam desconstruir o papel exercido pelos trabalhadores da área ambiental como representantes do Estado brasileiro e enfraquecer as instituições e a legislação ambiental existentes, sempre utilizando um clima hostil e persecutório em relação aos servidores. Chegamos a uma situação inusitada em que se invertem os fatos, colocando infratores ambientais, jagunços, grileiros como “cidadãos de bem” e servidores públicos como se fossem “bandidos”, “criminosos” ou “parasitas”. Uma situação que pode levar a novas tragédias, posto que são incentivadas e legitimadas por autoridades constituídas, sob um silencio ensurdecedor de parte da sociedade!

Reiteramos nossa inconformidade e indignação frente às atitudes dessas autoridades que têm nos atacado.

Exigimos o fim desses ataques e ameaças e conclamamos toda a sociedade brasileira a refletir:

A QUEM SERVEM ESSAS PESSOAS QUE INCITAM O CRIME AMBIENTAL, A GRILAGEM E

INTIMIDAÇÃO DE AGENTE PÚBLICOS?

Ascema Nacional – Diretoria Executiva