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Negacionismo Científico e Enchentes no Rio Grande do Sul: Um Alerta Climático

Negacionismo Científico e Enchentes no Rio Grande do Sul: Um Alerta Climático

A crise climática que nos afeta se intensifica à medida que desmatamos e exploramos combustíveis fósseis.

O Brasil, um dos maiores emissores de CO2, continua a fomentar a indústria de petróleo e gás, aumentando a frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos.

No Rio Grande do Sul, os desafios ambientais são ainda mais graves pela relutância do governo, tanto em reconhecer a ciência climática quanto em implementar políticas ambientais eficazes.

O estado do Rio Grande do Sul enfrenta uma crise climática severa, manifestada por enchentes devastadoras que atingiram mais de 475 municípios, desalojaram cerca de 579 mil pessoas e causaram 172 mortes.

Este cenário alarmante é um reflexo direto do aquecimento global, impulsionado pela queima de combustíveis fósseis e pela destruição ambiental.

Segundo o relatório AR6 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC 2022), as atividades humanas, especialmente as emissões de gases de efeito estufa (GEE) pela queima de combustíveis fósseis, estão aquecendo a Terra. A concentração de CO2 alcançou 420 ppm em 2024, intensificando eventos climáticos extremos, como enchentes. No Brasil, o incentivo à exploração de combustíveis fósseis contraria as diretrizes da Agência Internacional de Energia (IEA), que recomenda a suspensão de novos investimentos nesta área para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

As enchentes resultam de chuvas intensas ou prolongadas e são exacerbadas pelo uso inadequado do solo e pela falta de vegetação. Em áreas urbanizadas e agrícolas, a infiltração das águas pluviais ao solo tem sido reduzida pela pobreza de árvores, aumentando o escoamento superficial. A vegetação, especialmente nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), desempenha um papel crucial na absorção de água e na prevenção de cheias.

Relatórios do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) indicam que, de 24 a 28 de abril de 2024, municípios como Quaraí, Rio Grande e Caçapava do Sul registraram precipitações superiores a 200 mm. Em maio, a precipitação acumulada chegou a 400 mm, superando significativamente a média mensal de 140 a 180 mm. Este excesso de água, combinado com a limitada capacidade de drenagem do Guaíba, resultou nas enchentes catastróficas que vimos.

Negacionismo científico – até quando?

A crise climática é intensificada pelo desmatamento e pela exploração de combustíveis fósseis. O Brasil, um dos maiores emissores de CO2, continua a fomentar essas atividades, aumentando a frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos. No Rio Grande do Sul, essa situação é agravada pela relutância do governo em reconhecer a ciência climática e implementar políticas ambientais eficazes.

A aprovação do Projeto de Lei nº 151/2023, que facilita a construção de barragens e as intervenções em APPs, enfraquece as proteções ambientais e exacerba os problemas de enchentes. Em 2019, o governo estadual do Rio Grande do Sul ainda revisou o Código Ambiental, comprometendo ainda mais a preservação ambiental.

As enchentes de 2024 tiveram consequências devastadoras: 170 mil pessoas ficaram sem energia elétrica, importantes infraestruturas como a Arena do Grêmio e o aeroporto Salgado Filho foram inundadas, e o transporte foi severamente afetado. A Defesa Civil atualizou em 3 de junho de 2024 que 2.390.556 pessoas foram impactadas, 806 ficaram feridas e 42 estão desaparecidas.

Os eventos extremos no Rio Grande do Sul são um chamado urgente para a ação climática. A ciência deve ser valorizada para prever e mitigar desastres, e políticas ambientais rigorosas são essenciais para combater o aquecimento global. Somente com a redução das emissões de GEE e a preservação ambiental podemos evitar que tragédias como esta se tornem mais frequentes. O futuro do clima, da biodiversidade e da segurança das populações depende das ações que tomarmos agora.

Acesse aqui o Resumo Executivo do estudoNegacionismo científico: causas dos eventos de enchentes no Rio Grande do Sul”, produzido por técnicos especialistas da Arayara.

Ou clique aqui, para o Estudo na íntegra..

Crédito: O estudo está sob a licença Creative Commons: CC BY-NC (Atribuição-NãoComercial). Você pode remixar, adaptar e criar a partir deste trabalho, desde que para fins não comerciais e atribua ao Instituto Internacional Arayara o devido crédito. 

 

Transição energética não inclui expandir indústria fóssil

Transição energética não inclui expandir indústria fóssil

Consulta Pública aberta pelo Ministério de Minas e Energia (MME) recebeu contribuições da sociedade civil para pensar o papel da indústria de óleo e gás na transição energética.

Em seu posicionamento, o Instituto Arayara destacou o agravamento da emergência climática global e a grande responsabilidade dos combustíveis fósseis neste cenário, apontando que impulsionar o petróleo não é imperativo para a transição.

Aberta para discutir com a sociedade “os princípios de Transição Energética Justa, Inclusiva e Equilibrada”, segundo o documento da proposta, a Consulta Pública (CP-163), porém, continha um complemento: “Caminhos para o setor de O&G viabilizar a nova economia verde”. Essa e outras ações da política brasileira demonstram um país ainda inclinado a impulsionar a indústria de petróleo, gás natural e carvão para viabilizar a transição energética.

Em entrevista ao programa de rádio Voz do Brasil, em 16 de maio, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi enfática: “Nós temos que parar de explorar carvão, petróleo e gás; isso é a fonte (das mudanças climáticas)”. 

Na mesma semana, em entrevista ao Valor Econômico, o climatologista brasileiro, Carlos Nobre, um dos autores do 4º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), também pontuou: “Nenhum de nós, cientistas climáticos, dá qualquer apoio para aumentar a exploração de combustíveis fósseis. Não se pode abrir novas minas de carvão, poços de petróleo e gás natural e não podemos usar o que já está aberto. Tem que reduzir o uso do que já está aberto”. 

De um lado o país avança, se comprometendo com acordos e instrumentos legais globais de mitigação climática. De outro, através de diferentes instrumentos de sua política interna, impulsiona e subsidia indústrias intrinsecamente relacionadas ao agravo das mudanças climáticas e que comprometem tanto os planos nacionais de adaptação quanto os acordos internacionais de mitigação.

Segundo o gerente de Energia e Clima do Instituto Internacional Arayara, Anton Schwyter, “o país tem capacidade de transição maior por dispor de maior potencial de energia renovável, e portanto deve buscar reduções mais rápidas do que a média global”.

Se a grande preocupação do setor é a lacuna financeira que se acarretaria pelo não-impulsionamento da exploração de óleo e gás e que se refletiria em a) perda de empregos; b) estacionamento da infraestrutura representada pelos navios, plataformas, usinas e minas; ou c) desparticipação no mercado internacional que comprometeria a balança comercial de importação-exportação do país, ele demonstra, ao mesmo tempo, um descompromisso em colocar esforços na construção de um novo modelo de negócios que acompanha as necessidades socioambientais globais, além de uma insensibilidade em face à conta final de suas atividades. 

Ao passo que muitos países com menos oferta de fontes naturais que poderiam subsidiar uma produção energética de baixo carbono estão desde já construindo soluções criativas em resposta à demanda social, fruto de uma maior consciência ambiental da contemporaneidade, e também diante dos sinais de alerta da natureza condensados em eventos climáticos extremos, o Brasil demonstra morosidade em alavancar políticas internas que impulsionem a transição energética, que significa construir e subsidiar as estruturas de fontes renováveis, treinar e formar os profissionais para essa indústria, e minimizar os impactos econômicos dessa mudança de rota, ou seja, preparar o caminho para o chamado “shut down” (desligamento das fontes fósseis). 

Em sua contribuição para à Consulta Pública do Ministério de Minas e Energia, o Instituto Internacional Arayara reforçou que transição energética não é impulsionar a indústria de petróleo e gás “até a última gota” a fim de se extrair ou reservar os recursos necessários para a construção da nova política energética que o mundo precisa. Não haverá tempo nem planeta para isso, pois os sinais já nos chegam que a transição deve ser feita já, com os recursos que existem – tanto os naturais quanto os financeiros. E eles estão prontos e disponíveis, esperando decisão política e empenho.

O que pensa o Instituto Internacional Arayara

Leia, a seguir, um trecho da contribuição do Instituto Internacional Arayara à Consulta Pública 163/2024 do Ministério de Minas e Energia. 

“O papel da Petrobras na transição energética é um assunto complexo que envolve considerações econômicas, sociais e ambientais. Além disso, dada a sua relevância como a maior empresa do país, tem enorme capacidade de influenciar a direção e o ritmo da transição energética no país.

 A Petrobras pode desempenhar um papel crucial na transição energética investindo em energias renováveis, como solar, eólica, e biomassa, além de contribuir no desenvolvimento de projetos de geração de energia renovável, aquisição de empresas de energia limpa, assim como na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.

O plano estratégico da Petrobras para 2023-2027 destina 83% dos recursos para exploração e produção de petróleo e gás. A atenção com renováveis no plano é irrelevante. 

As consequências das mudanças climáticas são evidentes, as últimas décadas de 1990 e 2000 foram as mais quentes dos últimos mil anos e de acordo com as projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), os próximos 100 anos indicam um aumento da temperatura média global entre 1,8°C e 4°C, como também um aumento no nível médio do mar entre 0,18 m e 0,59 m, o que pode afetar de maneira significativa as atividades humanas e os ecossistemas (INPE, 2024). Outro fator extremamente importante é que o aumento das concentrações de GEEs e o aquecimento global constante, contribuem na mudança de outras variáveis climáticas, como alterações no regime, na quantidade e na distribuição das chuvas, acarretando em eventos climáticos extremos (IBAMA, 2022).

O início das ocorrências de tais eventos era prevista para 2030 (IPCC, 2023), no entanto, o avanço acelerado da indústria e da devastação, antecipou o prognóstico catastrófico, fazendo com que esses desastres já ocorram no presente, com incidências cada vez mais frequentes e com ocorrência em diversas localidades do globo, incluindo o Brasil. Entre os anos de 2023 e 2024, a Amazônia e o Pantanal registraram secas históricas, ao passo que, no Rio Grande do Sul registrou-se inundações sem precedentes.

Os desequilíbrios ambientais impactam significativamente a vida humana, como o exemplo citado dos eventos no RS. Sendo fatores como gênero, etnia e renda predominantes para a vulnerabilidade frente às mudanças climáticas. De acordo com o Observatório do Clima, entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas em todo o mundo vivem em regiões ou em contextos atualmente vulneráveis às mudanças climáticas (UNICEF, 2022). 

Cumprir as metas das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) é crucial para o Brasil enfrentar os desafios das mudanças climáticas, proteger seu meio ambiente, impulsionar sua economia e garantir sua posição como um líder global na luta contra as mudanças climáticas.”

Clique aqui e leia na íntegra a contribuição do Instituto Internacional Arayara à Consulta Pública nº 163/2024 do Ministério de Minas e Energia sobre o Transição Energética.

Texto de posicionamento | Arayara se manifesta sobre enchentes e o agravamento da crise climática no Brasil

Texto de posicionamento | Arayara se manifesta sobre enchentes e o agravamento da crise climática no Brasil

A realidade é clara e incontestável: as mudanças climáticas não são uma ameaça distante, mas uma emergência presente. A degradação ambiental, impulsionada por décadas de exploração insustentável e políticas negligentes, exige uma resposta imediata e assertiva.

Para enfrentar esta crise, uma abordagem integrada e holística, que reconhece a interconexão entre o meio ambiente, a sociedade e a economia se faz mais que necessária, defende o Instituto Internacional Arayara em um documento de posicionamento acerca dos recentes eventos climáticos extremos no Brasil, especialmente as enchentes no Rio Grande do Sul.

 

Os eventos climáticos que estão ocorrendo no País, atingindo os estados do Maranhão, Paraná, Santa Catarina e especialmente o Rio Grande do Sul, estão acometendo  diretamente a população, com perdas de vidas e famílias inteiras desabrigadas. As atividades econômicas estão paralisadas e um enorme prejuízo material foi constatado em suas infraestruturas.

É necessário que o país possa efetivamente se preparar cada vez mais para a ocorrência de eventos climáticos dessa natureza. Há alguns anos estamos assistindo, praticamente impotentes, às secas destruidoras de lavouras e da criação pecuária, como também à diminuição da oferta de água e a consequente redução da geração elétrica hidrelétrica, cuja fonte renovável é característica fundamental do nosso setor elétrico. É preciso de imediato que nossas autoridades finalmente se atentem para a necessidade de levar a sério as advertências da Ciência de que as mudanças climáticas não são fenômenos do futuro, mas já fazem parte do presente. 

Assim, medidas relacionadas à melhor capacidade de enfrentamento das dificuldades é imperioso. Recentemente assistimos à conferência de imprensa do presidente da República onde esse ponto foi abordado. No entanto, vemos o Congresso atuar na criação de projetos de lei que ampliam o uso de combustíveis fósseis como o gás natural e o carvão para a produção de energia elétrica, assim como setores do próprio governo federal fazendo a defesa do aumento da fronteira de exploração e da produção de combustíveis fósseis.

Temos assistido planos de pastas importantes do governo, como o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), defendendo ardentemente o aumento da produção de petróleo e gás. Tivemos no ano passado o maior leilão de áreas para exploração de petróleo já ocorrido no País, onde, inclusive, constavam áreas de proteção ambiental, em áreas de impacto de terras  indígenas e territórios quilombolas. 

Não só esses grandes projetos atentam contra os territórios tradicionais. As enchentes no Rio Grande do Sul afetaram milhares de famílias indígenas, especialmente dos povos Guarani, Charrua, Xokleng e Kaingang, cujas moradias foram arrasadas, levando-os a deixarem suas aldeias, estando agora em abrigos. 

Dados do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apontam que 70% dos Territórios Indígenas foram afetados; mais de 8 mil famílias, cerca de 30 mil pessoas, diagnosticadas em situação de calamidade, necessitando principalmente de água, kits de higiene e cestas básicas.

Acerca dos territórios quilombolas, segundo o último comunicado do Ministério da Igualdade Racial (MIR), mais de 7 mil famílias foram diretamente atingidas pelos danos das enchentes – o que representaria praticamente a totalidade de pessoas quilombolas da região, que são 17 mil segundo o último censo. O MIR também contabiliza 344 famílias ciganas e 1.300 famílias de comunidades tradicionais de matriz africana e terreiros impactadas. São mais de 8 mil famílias; Muitas estão ilhadas, sem acesso a alimentos, água e energia.

Desta forma, é preciso mencionar que as consequências da degradação do meio ambiente historicamente são suportadas pelas populações periféricas, em especial pela população negra, em razão do racismo estrutural que permeia as sociedades.

O racismo ambiental, que advém da devastação ambiental imposta pela lógica mercadológica e capitalista de exploração e a consequente exposição ao risco de desastre, incide com mais frequência nesses espaços, onde estão as pessoas mais vulneráveis, seja por menor renda, escolaridade, cor, gênero e raça. 

 

São sempre elas as mais atingidas e sujeitas aos efeitos devastadores da crise climática, desproporcionalmente afetadas pela degradação ambiental e sobre quem as estratégias de desenvolvimento governamental frequentemente falham em abordar essas questões de forma eficiente.

Aqui importa lembrar ainda que 62% do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) anunciado no ano passado é destinado a investimentos relacionados à produção de combustíveis fósseis. E no momento, encontra-se aberto pelo MME uma consulta pública em que justifica o porquê da necessidade da continuidade desse tipo de exploração. 

Estados como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná vêm defendendo com firmeza a continuação da produção de carvão, responsável por parte significativa das emissões de gases de efeito estufa. O próprio governo do estado do RS anunciou, no dia 09 de abril de 2024, contrato de investimento milionário para a instalação de um polo Carboquímico  na cidade de Candiota, no sentido de incrementar o uso do carvão, seguindo na contramão da Política Nacional de Mudança do Clima.

Ao mesmo tempo em que o governador Eduardo Leite projeta e promove a exploração de carvão, no que tange ao enfrentamento da crise climática, seu governo tem optado, exclusivamente, por ações de resposta aos danos, sem antes promover ações preventivas que são mais necessárias e efetivas na construção de cidades mais resilientes às mudanças do clima. Impulsionar a indústria carbonífera definitivamente não é uma delas. 

É reconhecidamente ambiental a causa da devastação no RS, ainda assim, o setor é sistematicamente sucateado pela gestão do estado. A exemplo do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), cuja função é embasar a gestão territorial considerando fatores ambientais e socioeconômicos para aliar desenvolvimento econômico e sustentação ambiental. No Rio Grande do Sul, o desenvolvimento do ZEE iniciou em 2012, após uma série de estudos e atividades, e totalizou US$ 8,7 milhões em gastos públicos. Após a sua finalização, em 2019, o instrumento foi engavetado.

Outras políticas para lidar com desastres naturais foram elaboradas por outras gestões de governo, mas também não avançaram. O estado não possui Plano de Bacias Hidrográficas, tampouco Plano de Prevenção de Desastres, que chegou a ser trabalhado em 2017, mas nunca saiu do papel.

Ao mesmo tempo que deixa de promover políticas voltadas ao meio ambiente e adaptação climática, o governo destrói órgãos com essa responsabilidade. É o caso da Fundação Zoobotânica do RS, oficialmente extinta em 2020, a pretexto da redução de gastos e em desacordo com a opinião pública. A Fundação, que demandava R$ 30 milhões para seu funcionamento (0,5% do orçamento estadual), era o principal órgão de pesquisa e assessoramento técnico na área ambiental do estado.

Sem planejamento e sem organizações ambientais técnicas, o Rio Grande do Sul foi jogado para a catástrofe. No entanto, mesmo que existissem políticas emergenciais para eventos climáticos extremos, de nada adiantam esses planos se ao mesmo tempo continuamos com incremento em investimentos em produção de combustíveis fósseis. Por conta disso, e com a justificativa de manutenção de empregos e da atividade econômica, estão ocorrendo enormes prejuízos para toda a economia, em benefício de poucos.

Portanto, é necessário que as autoridades se conscientizem que, para reduzir a velocidade do processo de mudanças climáticas, é necessário preservar os recursos ambientais, zerar o desmatamento e reduzir o uso de combustíveis fósseis, e não o contrário. Mais do que decidir quais poços de petróleo o país quer explorar, a questão que paira sobre o Brasil é: O que estamos dispostos a sacrificar pela exploração de petróleo? Estamos dispostos a sacrificar estados, como o Rio Grande do Sul? Estamos dispostos a sacrificar a agricultura? A saúde da população? Nossas moradias? A cultura de nossos povos ancestrais, cujos saberes e fazeres são intrínsecos à nossa própria identidade enquanto nação?

Se realmente acreditamos que não temos disposição para tantos sacrifícios, então já passa da hora de, primeiramente, rejeitarmos lideranças políticas negacionistas, inclusive, pensando nas eleições de novembro deste ano. Também devemos reivindicar políticas ambientais sérias e que o setor energético invista nas energias limpas, implementadas de modo social, econômica e culturalmente corretas, e que são a verdadeira vocação do setor no Brasil.

Considerando os desafios sem precedentes impostos pelas mudanças climáticas, reafirmamos nosso compromisso e convocamos a sociedade a se unir em prol de um futuro sustentável.

Os eventos climáticos extremos que assolam o país não são meros acasos da natureza, mas sim sinais alarmantes de um planeta em crise. As consequências desses eventos são trágicas: perdas de vidas humanas, famílias desabrigadas, paralisação de atividades econômicas e danos irreparáveis à infraestrutura.

A realidade é clara e incontestável: as mudanças climáticas não são uma ameaça distante, mas uma emergência presente. A degradação ambiental, impulsionada por décadas de exploração insustentável e políticas negligentes, exige uma resposta imediata e assertiva.

Para enfrentar esta crise, uma abordagem integrada e holística, que reconhece a interconexão entre o meio ambiente, a sociedade e a economia se faz mais que necessário. 

A crise climática é também uma crise de valores, que exige uma profunda reflexão sobre nosso papel no mundo e nossa responsabilidade com as gerações futuras. Tudo isso é mais do que um apelo à ação; é um compromisso com a vida, com a justiça ambiental e com a construção de um futuro onde humanos e natureza coexistem em harmonia. 

Acesse aqui o Position Paper

Foto de cabeçalho: Ricardo Stuckert / PR.

 

 

Negócio arriscado: Como a exploração de petróleo pode afundar o Brasil

Negócio arriscado: Como a exploração de petróleo pode afundar o Brasil

A decisão de promover a exploração e venda de mais combustíveis fósseis contrasta drasticamente com a realidade climática global e os eventos recentes que atestam sua severidade.

 

Artigo publicado originalmente no portal O Eco, por Nicole Oliveira e Juliano Bueno de Araújo.

À medida que a B3 anuncia a realização de leilões para a comercialização de petróleo e gás natural, um paradoxo se desenrola diante de nossos olhos. A decisão de promover a exploração e venda de mais combustíveis fósseis contrasta drasticamente com a realidade climática global e os eventos recentes que atestam sua severidade.

No Rio Grande do Sul, estamos testemunhando enchentes históricas que deslocaram comunidades e causaram prejuízos significativos de bilhões na infraestrutura pública, destruíram milhares de casas e lavouras, atingiram de forma direta mais de 1,3 milhões de pessoas, gerando perdas de centenas de vidas humanas e milhões de animais.

Este é um retrato vívido dos eventos climáticos extremos que são amplificados pelo aquecimento global – o mesmo aquecimento que é acelerado pela queima dos combustíveis que agora se pretende leiloar. Quase 90% das emissões globais de CO2 provêm da queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás fóssil), intensificando o ciclo hidrológico, resultando em chuvas mais intensas  e, consequentemente, enchentes mais severas, gerando verdadeiros “Dilúvios Climáticos”.

A projeção é que a curva de produção de petróleo e gás natural da União dê um salto nos próximos anos, com a produção de petróleo esperada para aumentar de 50 mil barris por dia atualmente para 564 mil barris por dia em 2029. Da mesma forma, a produção de gás natural fóssil deverá atingir 3,5 milhões de metros cúbicos em 2029. Esses aumentos significativos na produção de combustíveis fósseis indicam um compromisso contínuo com uma indústria que deveríamos estar planejando deixar de sermos dependentes e reduzirmos significativamente investimentos e sua expansão .

O aumento de 204,6% nos processos de licenciamento para exploração de petróleo e gás nos últimos dez anos refletem uma tendência preocupante de priorizar ganhos econômicos imediatos em detrimento da sustentabilidade e segurança ambiental.  Investir na exploração de combustíveis fósseis não é apenas ecologicamente insustentável; é economicamente imprudente. O financiamento global destinado a mitigar os impactos das mudanças climáticas está estimado em 1,3 trilhão de dólares, enquanto o financiamento para adaptação é muito menor, sugerindo que a prevenção é tanto mais eficaz quanto mais econômica.

É crucial repensarmos nossa matriz energética, privilegiando fontes limpas, renováveis e sustentáveis que não só aliviam o impacto ambiental, mas também oferecem maior resiliência econômica e social. As iniciativas devem mirar a redução da dependência de combustíveis fósseis, através da transição energética justa para tecnologias sustentáveis que protejam nosso planeta e as gerações futuras, e não na expansão das fronteiras de exploração.

À medida que eventos extremos como as enchentes se tornam mais frequentes e devastadores, cada decisão que tomamos hoje ressoa no futuro. Os leilões de petróleo e gás representam uma escolha crítica: continuar um caminho destrutivo ou escolher um novo rumo que valorize a vida e o ambiente. A decisão que tomarmos agora definirá o mundo em que viveremos – um mundo de desastres frequentes ou um de recuperação, restauração e renovação.

Apesar dos Alertas Socioambientais, Candiota Persiste no Uso do Carvão

Apesar dos Alertas Socioambientais, Candiota Persiste no Uso do Carvão

Em janeiro deste ano, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assinou um protocolo de intenções com uma empresa de cimento e argamassa para viabilizar um investimento de mais de R$100 milhões na indústria carbonífera local.

 

A informação é da Tribuna do Pampa. O objetivo é ampliar a fábrica existente em Montenegro e instalar uma nova indústria em Candiota, ao lado da Usina Termoelétrica Candiota III.

 

 

Investimentos Que Custam A Saúde Da População E Do Meio Ambiente

Embora a notícia destaque os benefícios econômicos da nova indústria cimenteira em Candiota, é importante considerar os impactos ambientais e sociais associados à produção de cimento e à queima de carvão mineral.

A produção de cimento é um processo que exige muita energia , ao mesmo tempo que gera uma quantidade significativa de gases de efeito estufa, o que a caracteriza como uma prática poluente de ponta a ponta. Isso quer dizer que se a indústria de cimento fosse um país, seria o terceiro maior emissor de CO2 do mundo, atrás apenas da China e dos EUA. Além disso, estima-se que a produção de cimento seja responsável por cerca de 8% das emissões globais de CO2. Sua fabricação resulta na liberação de poluentes gasosos na atmosfera, como o dióxido de carbono (CO2), o maior responsável pelo aquecimento global.

Quanto à queima de carvão mineral, ela produz efluentes altamente tóxicos, como mercúrio e outros metais pesados, como vanádio, cádmio, arsênio e chumbo. A liberação de dióxido de carbono pela queima também causa poluição na atmosfera, agravando o aquecimento global e contribuindo para a chuva ácida.

 

Cimento E Co2: Construindo A Crise Climática

O concreto tem sido um dos materiais mais amplamente utilizados no mundo, principalmente na construção, sendo o cimento o principal componente dessa mistura que conta com areia, brita e água.

O impacto do cimento na crise climática inicia na extração e transporte de suas matérias primas, que representam apenas 10% de suas emissões. Já 90% das emissões estão atribuídas ao seu processo de fabricação, principalmente do clínquer – material que representa, em média, 50% da mistura que constitui o cimento, sendo obtido através da exposição da mistura de calcário e argila às temperaturas superiores à 1450ºC. O mesmo é responsável pelo endurecimento do cimento na presença de água.

Além disso, durante o processo de fabricação do clínquer nos fornos é necessário utilização de muita energia, muitas vezes sendo ela proveniente de carvão mineral ou gás natural, ambos combustíveis fósseis. Ao final desta conta, gera-se uma tonelada de CO2 para cada tonelada de cimento. Assim, percebe-se como toda a cadeia de realização do cimento gera extremos passivos ambientais que contribuem para o aquecimento global e para as injustiças socioambientais, haja vista que é a população vulnerabilizada a que mais sofre com os desastres ambientais que anualmente se agravam.

 

Apesar de sua problemática substituir o cimento poluente é uma iniciativa muito cara, porém possível, pesquisadores da universidade de Cambridge, desenvolveram e patentearam a fabricação de um cimento que realiza mais de 50% de reciclagem além de consumir menos matéria prima, utilizando de inspiração o processo de “lime-flux” técnica usada no processamento de reciclagem de aço.

O novo processo começa com resíduos de concreto provenientes da demolição de edifícios antigos. Este é triturado para separar as pedras e a areia que formam o concreto da mistura de pó de cimento e água que os une. O pó de cimento antigo é então usado em vez do fluxo de cal na reciclagem do aço. À medida que o aço derrete, o fluxo forma uma escória que flutua no aço líquido, para protegê-lo do oxigênio do ar. Depois que o aço reciclado é retirado, a escória líquida é resfriada rapidamente ao ar e transformada em pó que é virtualmente idêntico ao clínquer que é a base do novo cimento Portland. Em testes em escala piloto do novo processo, a equipe de Cambridge demonstrou esse processo de reciclagem combinado, e os resultados mostram que ele tem a composição química de um clínquer feito com o processo atual.

 

Os Impactos Regionais Da Indústria Fóssil

O Rio Grande do Sul tem enfrentado uma série de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas e tempestades, que têm se tornado mais frequentes e intensos. Esses eventos são intensificados pela mudança climática, que é impulsionada em grande parte pela queima de combustíveis fósseis.

Candiota, no Rio Grande do Sul, é conhecida por sua indústria de carvão. A cidade abriga a maior jazida de carvão brasileira, com aproximadamente 38% do carvão nacional. A Usina Termelétrica que opera com o carvão mineral abundante é uma das principais fontes de emprego e renda para a região.

No entanto, a exploração e queima de carvão têm causado impactos ambientais significativos na região ao longo de suas cinco décadas de operação. A mineração de carvão resulta na remoção de grandes volumes de solo e rochas, gerando impactos ambientais significativos na paisagem, poluição do ar com sua queima e da água com a DAM, drenagem ácida de mina.

Além disso, as usinas termelétricas de Candiota, que operam com carvão mineral, são algumas das mais poluentes do país. Um relatório do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) apontou as duas unidades ativas no município – Candiota III, da CGT Eletrosul, e Pampa Sul, da Engie – como as líderes em emissões de gases do efeito estufa (GEE) e entre as menos eficientes do país. A Pampa Sul aparece no topo do ranking, entre as termelétricas em atividade, com 2 milhões de toneladas de emissões de gás carbônico (CO2). A Candiota III aparece na sexta posição, com 1,6 milhão.

Em 2022 o Brasil concedeu R$ 80,9 bilhões em subsídios à indústria do petróleo e gás, um valor que é cinco vezes maior do que os incentivos voltados às energias renováveis. Esses subsídios acabam incentivando a indústria do petróleo e do carvão, apesar dos impactos ambientais significativos associados a esses combustíveis.

 

 

O Instituto Internacional Arayara tem feito esforços significativos para mitigar o impacto dos combustíveis fósseis no Brasil, incluindo a diminuição do uso de carvão mineral. Aqui estão alguns exemplos:

 

Projetos para a Redução do Impacto da Indústria de Combustíveis Fósseis

• A Arayara elaborou o estudo “Legado Tóxico”, em parceria com o Observatório do Carvão Mineral, que expõe os impactos da cadeia produtiva do carvão mineral na Usina Termelétrica Jorge Lacerda. Lançado durante a COP27, revela áreas residenciais e agrícolas contaminadas, colocando mais de um milhão de pessoas em risco à saúde. Os custos estimados para a recuperação ambiental e reparação dos danos ultrapassam R$1,5 bilhão.

• Criticou o Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, apresentado pelo Ministério de Minas e Energia, por perpetuar a presença do carvão na matriz elétrica de modo antieconômico e não apresentar qualquer alternativa de transição justa para os trabalhadores do setor e o restante da população das regiões carboníferas do país.

• Realizou o 1º Congresso Internacional sobre a Obsolescência do Carvão Mineral em 2022, um evento híbrido realizado nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará. Contando com a participação de setores acadêmicos, movimentos sociais e comunidades atingidas por empreendimentos fósseis.

Esses esforços demonstram o compromisso da Arayara em promover uma transição energética justa e sustentável no Brasil. A organização está trabalhando para garantir que essa transição seja participativa, inclusiva, responsável e universal, respeitando os trabalhadores, os territórios, as demandas populares e os princípios de dignidade humana e bem-viver, assim como a defesa do meio ambiente sadio para a atual e as futuras gerações.