Enquanto a área energética do governo e petroleiras lutam para liberar a exploração de petróleo na margem equatorial, o Brasil atingiu em 2023 o maior volume de reservas provadas de petróleo desde 2015, fruto de novas descobertas no pré-sal.
Por Nicola Pamploca para Folha de São Paulo em 20/04/2024.
Para ambientalistas, o potencial das bacias petrolíferas já conhecidas garante a produção nacional até que a demanda por petróleo no mundo comece a cair. Petroleiras, por outro lado, alegam que o país passará a depender de importações caso não abra novas fronteiras.
Dados divulgados no começo de abril pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) mostram que as reservas provadas de petróleo no Brasil, aquelas cuja viabilidade é comprovada, chegaram a 15,9 bilhões de barris em 2023.
Esse volume, diz a ANP, garante o nível atual de produção nacional pelos próximos 13 anos. Somando as reservas prováveis, com um grau menor de confiança, o volume chega a 22,8 bilhões de barris, ou 18 anos da produção atual.
O volume de reservas provadas adicionadas em 2023 equivale a quase duas vezes a produção brasileira durante o ano. Ou seja, para cada barril de petróleo retirado do subsolo, o país encontrou outro 1,8. Em 2022, o índice de reposição foi ainda maior, de 2,4 barris para cada barril produzido.
Nos dois anos, as maiores contribuições vieram justamente dos campos com maior produção no país: Tupi e Búzios, no pré-sal da bacia de Santos. Em 2023, um novo campo do pré-sal operado pela norueguesa Equinor, chamado Raia Manta, também deu sua contribuição.
O diretor do Instituto Arayara, Juliano Araújo, alega que o Brasil realizou diversos leilões de áreas exploratórias nos últimos anos, com potencial de descobertas que eliminariam a necessidade de abertura de novas fronteiras na margem equatorial ou na amazônia profunda.
“Vivemos um um momento de tudo ou nada para a indústria fóssil, que quer correr para encontrar reservas e aumentar o valor de suas ações”, avalia o diretor da ONG. “Por mais que não consiga explorá-las no futuro, há um ganho econômico agora.”
Segundo dados da ANP, há hoje na bacia de Santos 29 contratos de blocos exploratórios ainda sem descobertas comerciais. Em Campos, são 18; na porção marítima da bacia do Espírito Santo, 10. O litoral de Sergipe, que já foi chamado de “novo pré-sal”, tem outros 8 blocos exploratórios sob contrato.
O geólogo Pedro Zalán explica que parte das reservas adicionadas nos últimos anos é fruto de reavaliações da Petrobras em campos já conhecidos. De novas descobertas, além de Raia Manta, há duas outras comunicadas pela estatal, mas ainda sem comprovação do volume de reservas.
Ele acredita que ainda haja petróleo a ser encontrado em bacias já conhecidas. “Não há dúvida que a Petrobras já mapeou e descobriu o filé-mignon, mas ainda tem alcatra para descobrir”, afirma. Mas compartilha da ideia de que a abertura de novas fronteiras é necessária.
“O Brasil, a partir de 2032, se não repuser reserva, vai virar importador”, argumenta. “Nossa produção tem um nível altíssimo, a gente produz quatro milhões de barris de óleo equivalente [somado ao gás] por dia. É muita coisa.”
A pressão pela margem equatorial deve se intensificar após anúncio de descoberta de uma acumulação de petróleo no Rio Grande do Norte, feito há duas semanas pela Petrobras. O poço atingiu um tipo de reservatório semelhante ao que gerou as descobertas gigantes da Guiana e do Suriname.
Araújo defende que as projeções do setor de petróleo desconsideram as mudanças no consumo esperadas para os próximos anos, com o aumento do uso de biocombustíveis e da eletrificação da frota de veículos.
A própria AIE (Agência Internacional de Energia), destaca, já prevê que o pico da demanda de petróleo ocorrerá no final da década. “Com o que a gente já tem hoje leiloado, não precisa em hipótese alguma tocar a margem equatorial ou a amazônia profunda. Se acontecer, é fruto de decisão política”, afirma.
O instituto também já negou licença para perfuração de poço na bacia de Barreirinhas, no litoral do Maranhão. A região da margem equatorial tem 37 licenças para exploração de petróleo, 16 delas suspensas por questões ambientais.
Mas, em outra frente, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou em entrevista à Folha, no começo do mês, que, apesar do compromisso de saída gradual do petróleo assinado na COP28 (conferência climática da ONU de 2023), o Brasil continuará produzindo petróleo até ter nível de país desenvolvido.
“Na minha opinião, [o país vai explorar petróleo e gás] até quando o Brasil conseguir alcançar IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] à altura do que atingiram os países industrializados, que hoje podem contribuir muito pouco com a questão ambiental porque se industrializaram muito antes de nós”, disse.
O Instituto Arayara, conhecido por seu trabalho em prol da justiça socioambiental, entrou como Amicus Curiae na Ação Civil Pública do Ministério Público que solicita o cancelamento da Audiência Pública sobre o licenciamento da Termelétrica São Paulo, em Caçapava, marcada para acontecer na noite desta quarta-feira (31). A ação visa garantir que se cumpra a plena participação popular neste debate, um direito fundamental garantido pela Constituição brasileira.
A Termelétrica São Paulo, que planeja ser a maior termelétrica a gás natural da América Latina¹, está enfrentando desafios para a consolidação de seus objetivos econômicos e industriais. Em âmbito legal, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou a suspensão da licença para a instalação da usina, citando a falta de tempo adequado para a análise do projeto de instalação da termelétrica pela população local e por organizações da sociedade civil, preocupados com os possíveis danos ao meio ambiente que as atividades da usina poderão acarretar.
Em seu ofício, o MPF também aponta a ausência de uma certidão de uso e ocupação do solo. A empresa responsável pela usina, Termelétrica São Paulo Geração de Energia, não apresentou a certidão de uso e ocupação do solo com validade regular. A certidão, que é emitida pelo município de Caçapava, é imprescindível para dar continuidade ao processo de licenciamento.
Por último, soma-se um possível conflito de competências em relação ao licenciamento ambiental da usina. A competência para o licenciamento ambiental é comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. No entanto, o licenciamento da Termelétrica São Paulo foi deferido pelo Ibama, um órgão federal, quando deveria ter sido emitido pelo órgão regional responsável por essa regulação.
Em âmbito climático, a instalação da usina em Caçapava tem suscitado o debate sobre seu potencial para causar uma série de impactos socioambientais. Isso inclui o crescimento das desigualdades sociais e econômicas; impactos à saúde, principalmente num ambiente de vale, com poucos ventos para dispersar os poluentes; além de impactos planetários, com o aumento da emissão de gases de efeito estufa – os maiores responsáveis pelas mudanças climáticas. A instalação e as atividades da usina também podem causar a destruição de habitats naturais, a contaminação de corpos d’água e a geração de resíduos sólidos perigosos.
O Instituto Arayara está comprometido em garantir que a justiça socioambiental seja alcançada. Em Caçapava, o Instituto está atuando ao lado de mobilizadores sociais, representantes legais e movimentos locais de defesa do clima para frear a construção de mais uma usina movida a combustível fóssil no Brasil. Segundo a vereadora de Caçapava, Dandara Gissoni (PSD), a informação e o envolvimento da sociedade neste debate é fundamental para impedir empreendimentos tóxicos: “essa é a sexta tentativa de instalação de termelétricas no Vale do Paraíba, todas fracassadas. Por quê? Porque teve luta da população, teve apoio das entidades ambientais”, comenta.
Em 2022, o Instituto participou de Audiência Pública na Câmara dos Deputados em Brasília convocada para debater a instalação da usina. Em plenária, a diretora-executiva do Instituto Arayara, Nicole Oliveira, lembrou que o Brasil é o quarto país em crescimento de produção de petróleo e gás do mundo, um dado preocupante e que vai na contramão dos alertas feitos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que apontam que precisaríamos estar reduzindo a exploração de fósseis nessa década, em vez de aumentar, se quisermos mitigar os efeitos das mudanças climáticas. “A energia a gás e energia fóssil, ela tem tomado um grande espaço na nossa matriz e tem reduzido a participação da hidrelétrica, mas também tem desidratado a geração solar e eólica”. Na ocasião, foi entregue ofício contendo os encaminhamentos solicitados para frear este processo, em consonância aos pedidos da sociedade.
Para a Arayara, o Brasil tem uma gigantesca oportunidade de ser um líder global na Transição Energética, que não envolve o incentivo à produção ou ao fornecimento de energia proveniente de fontes fósseis. Segundo Juliano Bueno, também diretor-executivo da organização, “seguir portanto a rota da eletrificação e da geração de energia por fontes limpas e justas pode significar renovação do parque fabril, novas cadeias de valor e novos empregos, além da redução na necessidade de ocasionais importações de combustíveis, como no caso do gás natural, que sendo uma commodity valorada em dólar, impacta negativamente a economia do país, gerando inflação e desemprego, uma vez que energias fósseis sempre serão caras e sujas, e retiram o país de seus compromissos globais climáticos”. “Precisamos de energia barata e limpa!”, conclui.
O Instituto Internacional Arayara continuará a monitorar de perto a situação em Caçapava e se prontifica a tomar todas as medidas necessárias ao lado do Ministério Público Federal para proteger o meio ambiente e o direito do público de participar plenamente no processo de tomada de decisões.
Para mais informações, entre em contato com o Instituto Arayara.
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