Terra Indígena Rio dos Pardos: da luta à conquista
O povo indígena Xokleng, conhecido por sua profunda conexão com a natureza, ocupou uma vasta área do Planalto Norte Catarinense, porém, quase desapareceu devido à colonização no início do século 20. Os indígenas sobreviventes foram confinados em pequenas parcelas de terra, estabelecidas pelo Estado em 1914, medida que seguiu marginalizando esse povo em prol do desenvolvimento econômico predatório. Entre as áreas concedidas aos Xokleng está a Terra Indígena (TI) Rio dos Pardos, homologada por decreto em setembro de 2000. Contudo, apesar do reconhecimento, a sobrevivência no território remanescente continuou desafiadora.
A indústria do petróleo e do gás gera graves impactos ambientais e tem causado e intensificado conflitos sociais no Brasil e em outros países. Essa problemática é evidente na TI Rio dos Pardos, sobre a qual foram desenhados blocos de exploração, leiloados no 4º Ciclo da Oferta Permanente no regime de Concessão (OPC) da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), agravando ainda mais o contexto desse território ancestral.
O leilão dos blocos de exploração ocorreu em 13 de dezembro de 2023, conhecido como o “Leilão do Fim do Mundo”. As áreas ofertadas levantaram preocupações ambientais e sociais, especialmente em relação aos territórios tradicionais e indígenas. Identificaram-se potenciais impactos socioambientais dentro dos limites impostos pela legislação, nas Áreas de Influência Direta (AID) de territórios indígenas. Mesmo assim, o leilão resultou na arrematação de diversos blocos sobrepostos com áreas protegidas, dentre os quais, 14 blocos com TIs, através de processos repletos de ilegalidades.
Em resposta a essa ameaça, os povos indígenas e seus aliados uniram forças. O Instituto Internacional ARAYARA entrou com ações judiciais contra 77 blocos, que, além de TIs, atingiam Unidades de Conservação e Territórios Quilombolas, dissuadindo várias empresas interessadas. Dentre os blocos litigados, apenas quatro foram adquiridos, sendo um deles o bloco PAR-T-335, arrematado pela empresa Blueshift Geração e Comercialização de Energia Ltda. Esse bloco se sobrepunha à TI Rio dos Pardos a outras áreas sensíveis na Bacia do Paraná, como a Zona de Amortecimento da Estação Ecológica Municipal Severino Ravanello, além de quatro assentamentos e seis sítios arqueológicos.
A ambição das empresas e do governo pela exploração de petróleo e gás não foi suficiente para superar a resistência dos Xokleng, resultando na retirada do bloco PAR-T-335 da oferta. Esse povo, com sua rica tradição de resistência e resiliência, demonstra que suas vozes não podem ser ignoradas e que a vitória vem através da luta coletiva. O Cacique Rosalino, falou sobre a importância dessa vitória para os povos indígenas e agradeceu a todo o time Arayara pela atuação e apoio nesse processo. “Sem o apoio do Instituto Arayara, não teríamos conhecimento sobre o que estava acontecendo em nosso território, então só temos a agradecer. É bom saber que tem pessoas lá fora que trabalham por nós. Toda a comunidade estava preocupada e é gratificante saber que conseguimos”, relatou a liderança do povo Xokleng. O Instituto Internacional ARAYARA permaneceu ao lado dos povos indígenas durante toda essa batalha e hoje celebra junto ao povo Xokleng essa conquista, que prioriza o território ancestral, o meio ambiente, a cultura e a vida acima dos interesses petrolíferos.
Essa vitória não é exclusivamente regional. A queima de combustíveis fósseis produz grandes quantidades de gases de efeito estufa, que são responsáveis por grande parte da catástrofe climática que enfrentamos. Nesse contexto, a expansão da exploração de petróleo e gás é totalmente contraditória à necessidade urgente de transição energética e ao papel crucial das Terras Indígenas na preservação ambiental. Graças à proteção promovida por seus habitantes, esses territórios são verdadeiras barreiras que garantem a preservação da natureza e a estabilidade climática em todo o globo.
Celebra-se, assim, a exclusão do bloco PAR-T-335 em respeito aos direitos indígenas, à preservação ambiental e ao patrimônio histórico e cultural do Brasil. Ao mesmo tempo, nos traz uma reflexão sobre a estrutura e a aplicação das políticas socioambientais brasileiras que nos conduziram a este ponto, para evitar a repetição dos mesmos erros.
* Juliano Bueno de Araújo é diretor-presidente e diretor-técnico e de Campanhas do Instituto Internacional ARAYARA
** Nicole Figueiredo de Oliveira é diretora-executiva do Instituto Internacional ARAYARA
*** Kretã Kaingang é secretário-executivo Região Sul da APIB e liderança Kaingang
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Fonte: Congresso em Foco