por Comunicação Arayara | 03, jul, 2024 | Defensores Ambientais |
A companheira que nos deixa, Lídia Lucaski, tem longa trajetória de lutas na defesa do meio ambiente e o mérito incontestável desta premiação no seio da comunidade paranaense, com o reconhecimento de todos e todas que acompanham sua história à frente da Ong AMAR, mantida com independência.
Por Juliano Bueno de Araújo*
A antropóloga e ambientalista Lídia Lucaski dedicou toda a sua vida ao ativismo político, em prol da justiça social e da defesa do meio ambiente. Na juventude, participou ativamente do movimento estudantil paranaense contra a ditadura militar.
Indiciada por atividades subversivas, juntamente com outras lideranças estudantis, em Inquérito Policial Militar instaurado pela 5a. Região Militar do Exército, no início de 1969, refugiou-se no Rio de Janeiro.
Com a ajuda de rede de apoio a perseguidos pela ditadura, liderada por Branca Moreira Alves (mãe do deputado Márcio Moreira Alves, autor do célebre discurso que pregava o boicote ao desfile de 7 de setembro de 1968 e que detonou o Ato Institucional número 5), Lídia fugiu para o Uruguai, e em seguida obteve asilo político no Chile.
Antes do golpe militar que derrubou o presidente chileno Salvador Allende, foi obrigada a fugir, juntamente com outros companheiros, para a Bolívia.
Com o golpe militar na Bolívia, exilou-se no Peru, onde estudou Antropologia (Universidade de Lima). Naquele país, alistou-se como voluntária para ajudar as vítimas do terremoto de Áncash, em 1970, um dos desastres naturais mais devastadores do Peru, que matou cerca de 100 mil pessoas e deixou mais de 3 milhões de feridos.
Foi somente com a anistia no Brasil que Lídia pôde deixar o Peru, mas ao chegar à cidade de Araucária para encontrar seus familiares, viu-se diante de uma situação trágica: os níveis de aplicação de agrotóxicos e da poluição das fábricas recém-instaladas na região eram tão altos e descontrolados que muitas crianças nasciam com anencefalia e hidrocefalia. O grau da contaminação química em Araucária, já naquela época, era pior do que Cubatão, cidade que ficou mundialmente conhecida pela gravidade da poluição causada pelas fábricas.
Lídia juntou-se ao grupo de ambientalistas de Araucária que, em 1983, liderado pelo engenheiro agrônomo Reinaldo Onofre Skalisz, havia fundado a AMAR – Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária, e a partir dali tornou-se uma das ambientalistas mais respeitáveis do Brasil. Também participou da fundação do Fórum Verde, em 1990, da FEPAM – Federação Paranaense das Entidades Ambientalistas, em 1992, e mais recentemente do Fórum do Movimento Ambientalista do Paraná, em 2010.
Atuou também defendendo os interesses da sociedade civil em importantes colegiados, câmaras técnicas e conselhos municipais e estaduais de meio ambiente. Lídia presidia a AMAR quando esta foi eleita pelas ONGs da Região Sul do Brasil para o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, para o período de 2011-2012.
Sua dedicação à causa ambiental nunca teve relação com qualquer modismo ecológico. Assim como a AMAR, Lídia sempre se pautou pela questão da sobrevivência humana e pelo respeito aos direitos da Natureza, e foi sempre com esse espírito que seus novos companheiros da AMAR a elegeram presidente daquela instituição que, por si só, é um marco na história paranaense. Combatente ambiental obsessiva, foi sucessivamente reeleita por quase 20 anos.
No comando da Amar, e sempre atuando de forma voluntária, praticamente sem nenhum apoio governamental ou da própria sociedade paranaense, Lídia estendeu a atuação da entidade não só no estado do Paraná, mas ao norte de Santa Catarina e sul de São Paulo, sempre atendendo aos pedidos da população carente atingida pelas terríveis consequências dos danos ambientais denunciados.
A dedicação incansável da presidente Lídia Lucaski fez da AMAR, com quase 36 anos de existência, uma de mais importantes ONGs ativistas do estado do Paraná e da região Sul do Brasil.
A AMAR foi autora de cerca de uma centena de ações civis públicas contra crimes ambientais, impetradas isolada ou conjuntamente com entidades congêneres ou com o Ministério Público, e de mais de três mil denúncias de crimes ambientais encaminhadas ao Ministério Público e a outros órgãos governamentais, sempre fundamentadas tecnicamente após vistoria no local do dano.
Além disso, Lídia Lucaski, juntamente com outros ambientalistas paranaenses como Juliano Bueno de Araújo, Pedro Guimarães, Osvaldo Cardoso, Henrique Schimidlin, Paulo Pizzi, Cloves Borges e Teresa Urban participaram da fundação da UNEAP – União de Entidades Ambientalistas do Paraná.
Por sua coragem e atuação política coerente e obstinada, e por seu trabalho apaixonado e incansável em defesa da justiça ambiental, Lídia Lucaski é, seguramente, uma das mais importantes ambientalistas brasileiras, uma pessoa que incontestavelmente desperta o orgulho das comunidades a quem ela sempre atendeu nas horas mais difíceis, que traz inspiração a todos os ambientalistas deste estado e para com quem a sociedade paranaense tem uma grande dívida de gratidão.
*Juliano Bueno de Araújo é diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara, secretário do Fórum do Movimento Ambientalista do Paraná, e conselheiro do CMMA – Conselho municipal de Meio Ambiente de Curitiba e do CEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente do Paraná.
por Comunicação Arayara | 15, dez, 2021 | Amazônia, Brasil, Mineração, Recursos Hídricos |
Novo Código de Mineração – Proposta em análise na Câmara afronta a Constituição de 1988, além de acabar com mecanismos de controle e fiscalização.
Por ecodebate.com.br – Solange A. Barreira, Observatório do Clima
Inconsistente, irresponsável e inconstitucional: é assim que organizações da sociedade civil se referem à base do novo Código de Mineração, elaborada por um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados. Especialistas analisaram o relatório final da deputada Greyce Elias (Avante-MG) em vias de ser votado, e emitiram nesta terça-feira (15/12) uma nota com as principais arbitrariedades do texto. Se aprovado no GT, ele abrirá caminho para a tramitação da nova legislação na Casa.
A proposta — defendida pelo governo Bolsonaro — bebeu na fonte do código em vigor, um decreto-lei editado pelo ditador Artur da Costa e Silva 21 anos antes da Constituição de 1988. Mais de meio século depois, o “remake” da lei não disciplina o licenciamento dos empreendimentos perante o órgão competente do Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) mas, contraditoriamente, prevê dispensa da licença ambiental nas situações em que não se exige Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), ou seja, praticamente a totalidade das pesquisas minerais, fase que antecede a exploração.
Além disso, o texto garante direito de exploração mesmo que o requerente não demonstre capacidade financeira de realizar o empreendimento — o que afetará a implementação das condicionantes das licenças ambientais, entre outros problemas. Também não menciona expressamente os danos ambientais entre as responsabilidades do titular da autorização de pesquisa, limitando-se a citar danos a terceiros.
Entre os conflitos constitucionais está o fato de não haver restrições à pesquisa minerária em Terra Indígena ou Unidade de Conservação, colocando em risco direitos socioambientais importantes assegurados expressamente pela Carta de 1988.
Assinam a nota: Observatório do Clima, Conectas Direitos Humanos, Greenpeace Brasil, Inesc, ISPN, ISA, NOSSAS, SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil. Leia a íntegra aqui.
Declarações
“É uma tentativa explícita de flexibilizar o atual Código de Mineração, colocando os interesses privados do setor mineral e dos garimpeiros acima dos interesses de toda a sociedade brasileira. Trata-se de um setor estratégico, de alto impacto ambiental e social. A reforma do código de 1967 não pode ser feita assim, no apagar das luzes das atividades do Congresso Nacional e por um grupo de parlamentares que representa de forma acintosa os interesses do setor.” Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
“O relatório não se compromete com avanços na legislação, muito pelo contrário: recua e fere a Constituição Federal. Os territórios a serem minerados, o meio ambiente, as comunidades de entorno e toda a sociedade brasileira pagarão um preço alto pela irresponsabilidade do texto apresentado. Contamos com a mobilização da sociedade civil e o compromisso dos parlamentares com o desenvolvimento sustentável para barrar mais este retrocesso.” Cledisson Junior, estrategista do NOSSAS.
“O relatório contém retrocessos socioambientais inaceitáveis e inconstitucionais, como a liberação automática de empreendimentos de alto impacto por decurso de prazo. Depois de Mariana e Brumadinho o Congresso deveria estar preocupado em fortalecer os instrumentos de controle e segurança das mineradoras. Não é o caso. A proposta é irresponsável e colocará toda a coletividade em risco.” Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
“O texto desrespeita princípios constitucionais, ameaça a gestão da água, potencializa riscos de danos ambientais e não leva em consideração as tragédias decorrentes de atividades minerarias, que afetaram bacias hidrográficas inteiras, ceifaram vidas, deixaram sequelas de saúde irreversíveis e contaminação. A proposta afeta áreas protegidas e desrespeita políticas públicas vigentes. Esse é um tema que requer debate com a sociedade e transparência.” Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
“É urgente que o Brasil lide melhor com o seu patrimônio ambiental, mas Governo e Congresso têm pressa em avançar medidas que incentivam um modelo minerário que destrói florestas e a saúde das pessoas. O atropelo do debate imposto na proposta em discussão só evidencia a falta de consenso a esse modelo de exploração desastroso que beneficia poucos e prejudica muitos.” Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace Brasil.
“A exigência de oitiva do Ministério de Minas e Energia sobre demarcações é inconstitucional. O direito ao território indígena é anterior às minas e à energia. A criação de Unidades de Conservação também é dever do Estado, não depende e não tem que depender de aval do MME considerando interesse minerário. Em resumo, o texto da minuta do novo Código de Mineração representa risco aos modos de vida dos povos indígenas e das demais comunidades tradicionais. Se for aprovado, enfrentaremos uma crise humanitária, um genocídio, com certeza. É muita gente que morre com a entrada do garimpo.” Patrícia da Silva, assessora de políticas públicas do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza).
“Não há condições mínimas de essa proposta tramitar como projeto de lei. Ela é uma releitura de um texto arcaico e autoritário do regime militar. Os ajustes realizados mantêm o centralismo excessivo no governo federal, inclusive nas atividades de fiscalização e aplicação de sanções e, mais importante, ignoram direitos fundamentais no campo socioambiental assegurados explicitamente pela Constituição de 1988. Meio ambiente, populações indígenas, patrimônio cultural e até mesmo o direito à cidade são colocados de forma subordinada aos interesses minerários. Se é que precisamos aprovar um novo Código de Mineração, ainda falta muito para termos uma base consistente para tanto”. Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
“O conteúdo apresentado coloca os interesses do setor privado e dos pequenos garimpeiros ilegais acima das necessidades e interesses da sociedade como um todo. Sem debates públicos, viola direitos fundamentais de povos indígenas e comunidades tradicionais, viabiliza o avanço do trabalho escravo e precarizado e retira o papel já deficitário do Estado de regular e fiscalizar essas atividades de alto impacto. Tal estratégia acaba por potencializar riscos de danos socioambientais catastróficos como os de Mariana e Brumadinho, até hoje sem a devida responsabilização e reparação às populações atingidas. Ou seja, temos um parlamento desconectado das realidades dos territórios do país.” Julia Mello Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos.