Cientistas do mundo inteiro têm alertado que a Terra caminha rapidamente para um ponto de não retorno e por isso medidas urgentes são imprescindíveis. Sem o fim do desmatamento das superfícies verdes do planeta e a substituição da queima de combustíveis fosseis por fontes renováveis, dizem, será impossível deter as alterações climáticas em curso e evitar catástrofes de enormes proporções.
Infelizmente, foram poucos os governantes que ouviram os alertas e alteraram comportamentos ou políticas. Catástrofes começaram a acontecer, cada vez com mais intensidade. O que era percebido como algo estritamente relacionado a florestas longínquas tornou-se verdadeiro problema social nas grandes cidades, quando as populações urbanas em situação de maior vulnerabilidade passaram a ser as mais atingidas pelos efeitos das mudanças climáticas.
Ainda temos algum tempo, é verdade. E temos Greta para nos lembrar que o retorno é possível, embora mais difícil e urgente a cada dia. Mas agora a humanidade tem mais outro desafio com o qual se preocupar, que mata mais rápido e se espalha de forma mais veloz por todo o globo.
Estamos diante da maior emergência sanitária contemporânea. A COVID-19 alcançou números alarmantes de vítimas. É uma tragédia de proporções inestimáveis. Impacta diretamente cada pessoa que adoece, falece, seus familiares e conhecidos. Impacta os mais velhos, mais vulneráveis, com doenças preexistentes ou com deficiência. Impacta todos nós que conseguimos ficar em casa ou temos de andar pelas ruas esvaziadas ou não.
Cenas chocantes invadem nossas telas e nossas mentes com imagens que parecem saídas de algum filme distópico futurista. Caixões transportados em caminhões militares. Valas coletivas cavadas às pressas enquanto sepultamentos ocorrem. Agentes sanitários paramentados com roupas de proteção aferindo a temperatura em espaços públicos mundo afora.
É uma catástrofe social gigante. No Brasil que não dorme, o desmonte das políticas públicas sociais mostra o impacto da brutal desigualdade. Atinge notadamente os mais pobres e os que dependem da saúde pública nos 90% dos municípios do país que não possuem UTIs; ou não têm acesso à alimentação de qualidade, moradia digna, saneamento básico, direitos trabalhistas, energia elétrica, informação verdadeira ou internet.
É um daqueles momentos em que a humanidade pergunta-se coletiva e individualmente qual é o sentido da vida. Questão fundamental da filosofia, parece de difícil resposta em um mundo deteriorado, no qual os contatos físicos desapareceram e o outrora pulmão do mundo transformou-se em um dos lugares mais difíceis para se respirar.
Mesmo quem vive em espaços privilegiados, com mais conforto e segurança, não tem passado incólume. A vida no planeta é coletiva. Vivemos com os outros a nossa volta. O que se passa com os outros nos impacta tanto quanto o que acontece com a natureza. Independentemente de importarmo-nos ou não.
Ao que parece, contudo, há esperança. Mais de nós nos importamos do que o contrário! Sentimos a vida que vale a pena ser vivida também pela conexão com o outro, mesmo quando desconhecido, mesmo com o distanciamento físico. Ficamos em casa por solidariedade, fazemos doações, ajudamos quem podemos e como podemos. Parte de nós sabe que a vida em comunidade é mais feliz. Queremos nossos filhos crescendo em um mundo que possam conhecer e com pessoas que possam amar.
É agora e não um dia, talvez, ou quando tudo isso acabar – mesmo porque sabemos que não acabará tão definitivamente. Como comunidade global devemos tomar decisões e apostar em um futuro diferente, mais sustentável, equilibrado e justo. É premente a necessidade de mudarmos a forma como nos relacionamos com o meio ambiente, acabarmos com a desigualdade social e transformarmos nossos padrões de consumo.
Não é mais possível que normalizemos rotinas extenuantes, em que pessoas dispendam cinco horas no transporte público diariamente para trabalhar. Ou que nos acostumemos a viver em centros urbanos cimentados sem espaços verdes ou rios vivos. Que estejamos anestesiados diante do abismo socioeconômico existente entre as periferias urbanas e os centros de tomada de decisão e de poder econômico.
Mais do que nunca, precisamos ensinar às nossas crianças que o ter não deve se sobrepor ao ser, que o outro está conectado a nós intrinsecamente e que as florestas, os mares, os animais são imprescindíveis para a nossa sobrevivência. Temos que estar alertas para, imediatamente, transformarmos os valores consumistas e materialistas que, como sociedade global, temos passado às crianças por gerações. É hora de acabarmos com a formação de hábitos insustentáveis das crianças de hoje, adultos de amanhã, com relação ao ecossistema, à coletividade e ao trabalho.
Crianças precisam de condições básicas de sobrevivência, afeto, cuidado e ambientes livres de violências. A lógica do hiperconsumo deve ser deixada para trás, a fim de que nasçam novas formas de viver, que privilegiem a cooperação, a partilha e a vida em comum no único planeta de que dispomos para viver.
Especialmente em um país com 1/4 da população, 52,5 milhões de pessoas, vivendo abaixo da linha da pobreza – com rendimentos inferiores a R$420,00 por mês – e no qual 42,3% das crianças de zero a 14 anos estão abaixo da linha da pobreza. Onde as estimativas dizem que, em média, leva-se nove gerações para uma criança de família de renda baixa alcançar a renda média.
É o momento de reconstruirmos no Brasil um Estado de bem-estar social forte, democrático e não autoritário, que provenha infraestrutura, saúde e educação públicas de qualidade, serviços de assistência social robustos e políticas sociais para a imensa parcela da população que vive à margem de tudo. Um país que resgate suas dívidas históricas, acredite na ciência, na cultura e garanta as liberdades individuais. Que disponha de empresas éticas e de uma população verdadeiramente solidária. É chegada a hora de exigirmos um novo país, que promova a equidade e a igualdade. Essa é a única ideia disponível no momento a ser considerada!
Fonte: Estadão | Isabella Henriques, advogada e diretora executiva do Instituto Alana
O mundo superou oficialmente na noite deste domingo (28/06) a marca de de meio milhão de mortes por covid-19 desde que a epidemia foi declarada na China em dezembro, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. Mais cedo, o planeta também havia atingido a marca de 10 milhões de casos da doença.
O número de mortos no mundo dobrou em pouco menos de dois meses. Em 5 de maio eram 250 mil. Nos últimos dias, foram registradas 50 mil mortes.
Já a cifra de infecções declaradas em nível global dobrou desde 21 de maio, e foram detectados mais de um milhão de novos casos de covid-19 entre a última segunda-feira e domingo.
Os Estados Unidos são o país mais afetado pela pandemia, tanto em número de mortos (125.803) quanto de casos (2.549.028). Embora a cifra de mortes diárias tenha diminuído sutilmente em junho com relação a maio, os contágios aumentaram em 30 dos 50 estados do país, sobretudo nos maiores e mais populosos do sul e do oeste: Califórnia, Texas e Flórida.
As previsões atuais do Instituto para a Métrica e a Avaliação da Saúde (IHME, na sigla em inglês) preveem que os EUA poderiam alcançar os 150 mil óbitos em meados de agosto.
O Brasil aparece em segundo lugar no mundo, tanto em número de mortes quanto de casos, considerando os número absolutos, com 57.622 óbitos e 1.344.143 casos da doença. Neste domingo, o país registrou mais 552 mortes e 30.476 casos, segundo o Ministério da Saúde.
O novo coronavírus atingiu primeiro a China e depois se espalhou por parte da Ásia. A partir de março, se espalhou pela Europa e depois avançou rapidamente pelos Estados Unidos. Atualmente, o epicentro da pandemia está na América Latina e especialmente no Brasil, onde desde o fim de maio, os balanços diários costumam passar das mil mortes em 24 horas.
Nos últimos sete dias, quase metade dos óbitos foi registrada na América Latina. A região também contabiliza mais de 400 mil novos casos de contágio no mesmo período, ou seja, mais de um terço dos detectados em uma semana em todo o mundo (mais de 1,1 milhão).
Depois dos Estados Unidos e Brasil; os países mais afetados são Reino Unido (43.634 mortes e 312.640 casos); Itália (34.738 e 240.310) e França (29.781 e 199.476).
Entre os países mais afetados, a Bélgica tem o maior número de mortos com relação à sua população, com 84 por 100.000 habitantes, à frente de Reino Unido (64), Espanha (61), Itália (57) e Suécia (52).
Estes balanços só refletem parte do número real de contágios. Os Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, por exemplo, estimam que mais de 20 milhões de americanos foram infectados, ou seja, dez vezes mais que o registrado, o que equivale de 5% a 8% da população.
Em meio à pandemia de covid-19, grupos da sociedade civil e promotores públicos estão processando o governo Jair Bolsonaro por não proteger a Floresta Amazônica, aumentando a pressão sobre o presidente num momento em que ele é alvo de fortes críticas devido à maneira como vem respondendo ao avanço do coronavírus no país.
Processos judiciais ajuizados no início de junho pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), pelos partidos PSB, Psol, PT e Rede Sustentabilidade, pelo Greenpeace e pelo Instituto Socioambiental desafiam o governo em duas frentes: por enfraquecer as inspeções relacionadas à exportação de madeira e por cortar verbas destinadas à proteção climática.
Os processos fazem parte de uma série de ações ajuizadas no Brasil depois de um ano e meio tumultuado de Bolsonaro, marcado por um aumento do desmatamento, ataques aos direitos dos povos indígenas da Amazônia e a promoção do relaxamento de regras para impedir a extração ilegal de madeira, a prática ilegal da pecuária e a mineração.
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, Bolsonaro é um negacionista das mudanças climáticas que vê o meio ambiente como uma espécie de inimigo. O observatório forneceu a análise legal por trás dos recentes processos.
“É muito difícil acreditar que Bolsonaro mudará seu comportamento ou mentalidade. O que realmente precisamos fazer é neutralizar os ataques ao meio ambiente”, disse Astrini em entrevista à DW.
Nas últimas semanas, o governo brasileiro tem sido repreendido por outros governos, investidores e empresas estrangeiras por permitir o desmatamento, ao mesmo tempo em que é alvo da Justiça no próprio país por acusações de interferência política na Polícia Federal e por sua gestão da pandemia de coronavírus.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na segunda-feira da semana passada, que o governo voltasse a divulgar os números totais sobre a covid-19 no Brasil, depois que o site do Ministério da Saúde passou a informar somente os números de casos e mortes das 24 horas anteriores. O vírus já matou quase 44 mil pessoas no país, que tem o segundo maior número de casos de coronavírus do mundo, atrás apenas dos EUA.
Ao mesmo tempo, o desmatamento atingiu seu nível mais alto desde 2008. Na semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revisou para cima sua estimativa anterior, divulgada em novembro último, para a devastação ocorrida entre agosto de 2018 e julho de 2019. Usando dados de satélite, os cientistas calcularam que o desmatamento anual da Amazônia brasileira aumentou 34% em relação ao período anterior, atingindo uma área superior a 10 mil quilômetros quadrados ‒ tão grande quanto a da Jamaica.
Diante da alta, Georg Witschel, embaixador da Alemanha no Brasil, disse ao portal de notícias G1, na última quinta-feira (11/06), que o desmatamento torna “cada vez mais difícil” a ratificação do acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Para ter validade, o pacto, que foi assinado na cúpula do G20 em junho de 2019, tem que ser aprovado pelos parlamentos de todos os países de ambos os blocos.
Coronavírus e desmatamento
No Brasil, as crises ambiental e de saúde estão intimamente interligadas. Enquanto as autoridades e a população estão distraídas com a pandemia, invasores de terra aproveitam o momento para desmatar trechos de floresta. Agora, os incêndios que normalmente seguem a derrubada de árvores podem prejudicar ainda mais os sistemas de saúde.
“A expectativa, seguindo o padrão de longo prazo, é de que caso não haja uma intervenção incisiva do Estado para coibir os atos ilegais, essas queimadas induzirão o aumento do material particulado emitido para a atmosfera, degradando a qualidade do ar, e, consequentemente, aumentando a incidência de doenças respiratórias na população Amazônica”, escreveu o Inpe em relatório divulgado em maio.
“A preocupação conecta-se com a possibilidade de sobreposição entre as queimadas e a pandemia de covid-19, pois haverá uma maior demanda por tratamento em unidades de saúde, podendo acarretar um colapso desses sistemas nos estados amazônicos, que já operam no limite”, continuou o Inpe. “Avaliou-se que, caso o ponto de virada da curva epidemiológica de covid-19 não ocorra imediatamente, no mês de maio de 2020, certamente, haverá a sobreposição das queimadas com a pandemia.”
Isso pode significar um desastre para os povos indígenas, disse à DW Sarah Shenker, ativista da Survival International, ONG que defende os direitos dos povos indígenas pelo mundo. “No Brasil, existem mais de 100 tribos isoladas, e elas podem ser exterminadas se os invasores não forem removidos de seu território.”
Mesmo antes da atual crise do coronavírus, cientistas alertaram que a perda de área florestal torna a ocorrência de pandemias mais provável, pois torna maior as chances de doenças passarem de animais para humanos. Um estudo publicado na revista PNAS em outubro do ano passado constatou que o desmatamento da Amazônia aumenta significativamente a transmissão da malária.
Proteção do clima
A Floresta Amazônica ‒ 60% da qual se encontra no Brasil ‒ é um dos maiores sumidouros de CO2 do mundo. A preservação de suas árvores é crucial para atingir as metas internacionais que limitam o aumento da temperatura global a dois graus Celsius (2°C) acima dos níveis pré-industriais.
Processos judiciais que levam anos para serem concluídos não produzirão resultados com rapidez suficiente, disse Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe que foi demitido por Bolsonaro em agosto, em entrevista à DW.
Para conter o desmatamento na Amazônia, disse Galvão, as melhores ferramentas são “ações positivas que mostram que explorar a [biodiversidade] da floresta, em vez de destruí-la, gera retornos econômicos.” Por exemplo, organizações internacionais como a ONU poderiam certificar produtos de áreas florestais manejadas de forma sustentável e países poderiam reduzir os impostos de importação sobre esses produtos com “carimbo verde”.
O Brasil assumiu o compromisso legal, após a Conferência do Clima de Copenhague em 2009, a reduzir o desmatamento na Amazônia a no máximo 3.900 quilômetros quadrados por ano até 2020. Este compromisso está em conformidade com o decreto 9578/2018, consolidando os atos normativos dispostos no Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.114/2009) e na Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009). Em 2012, as medidas para proteger a Amazônia reduziram o desmatamento para 4.600 quilômetros quadrados, próximo à meta, mas em 2019, ele aumentou para quase 9.800 quilômetros quadrados.
O governo brasileiro, que em maio enviou militares para proteger a floresta, contesta sua imagem como pária ambiental. “Somos o país que mais preserva o meio ambiente do mundo”, escreveu Bolsonaro no Twitter, no Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho. “Injustamente o mais atacado.”
Dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostram, no entanto, que os gastos do governo com inspeção florestal caíram de 17,4 milhões de reais para 5,3 milhões de reais dos primeiros cinco meses de 2019 para o mesmo período de 2020, enquanto as verbas destinadas a atividades do Plano Nacional sobre Mudança do Clima passaram de 436 milhões de reais no ano passado para 247 milhões de reais neste ano.
Grandes áreas da Floresta Amazônica não têm dono registrado, facilitando a grilagem, e a falta de aplicação da lei pode até implicar que agricultores que respeitam os regulamentos estejam em competição desleal com aqueles que não o fazem.
Trabalhar com pessoas que praticam a agricultura sustentável e definir estruturas de propriedade da terra pode ajudar o Brasil a diminuir o desmatamento durante a pandemia de coronavírus e recessão, afirma Monica De Los Rios, coordenadora da ONG Earth Innovation Institute. “Este é o momento mais crítico da história da Amazônia.”
Pela nossa saúde, devemos recomeçar pela saúde do planeta. Isso é o que escrevem e falam, em alto em bom som, 40 milhões entre médicos e profissionais de saúde de todo o mundo, de 90 países. Em uma declaração conjunta lançada nesta terça-feira, 26-05-2020, com a hashtag #HealthyRecovery, os profissionais de saúde pediram aos líderes dos países do G20 que se engajassem concretamente na batalha contra a crise climática, por um mundo menos poluído e mais verde, com uma pegada sustentável de forma a tentar evitar futuras pandemias.
A reportagem é de Luca Fraioli, publicada por La Repubblica, 26-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os médicos, representados por várias associações (na Itália, por exemplo, o ISDE Médicos pelo Meio Ambiente e Federação de Médicos de Cirurgia e Dentistas do FNOMCeO), pedem aos governos que priorizem os investimentos em saúde pública, em ar e água limpa, em investimentos capazes de reduzir as emissões que provocam mudanças climáticas. O objetivo é convidar os líderes mundiais a pensar em uma retomada pós-Covid-19 que coloque no centro a saúde humana, começando com o que podemos fazer para criar maior resiliência para as futuras pandemias. E, portanto, os profissionais pedem investimentos para a redução da poluição atmosférica que mata milhões de pessoas no mundo e enfraquece os nossos corpos, por exemplo, em nível pulmonar, como observado durante a emergência do coronavírus. Mas também investir em agricultura sustentável, para dar um adeus aos combustíveis fósseis em favor de fontes renováveis, por uma mobilidade com baixas emissões de carbono.
“Se os governos fizessem grandes reformas nos atuais subsídios aos combustíveis fósseis, deslocando a maioria deles para a produção de energia renovável e limpa, nosso ar seria mais saudável e as emissões que afetam o clima seriam drasticamente reduzidas, alimentando uma retomada econômica que, de hoje até 2050, daria estímulos aos ganhos globais do PIB em quase 100 trilhões de dólares”, consta no texto da carta.
No total, os signatários da carta representam mais da metade da força de trabalho médica e sanitária. O apelo deles é para que no futuro voltemos a ser “mais fortes, saudáveis e resistentes” e por um maior envolvimento da comunidade médica e científica no desenvolvimento de pacotes úteis para redesenhar um mundo melhor.
Milhares de médicos, enfermeiros e profissionais de saúde em todo o mundo morreram durante a pandemia de Covid-19. Os signatários desse apelo pedem que, pela dor provocada pela perda dos colegas, possamos recomeçar raciocinando para construir um planeta diferente, pronto para enfrentar outras eventuais epidemias, melhor na gestão da saúde pública e do meio ambiente.
Os médicos dizem que os serviços de saúde também terão que impulsionar a revolução no futuro para reduzir as emissões: exemplos já vêm do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, que já reduziu suas emissões em quase um quinto na última década (e anunciou zero emissões de carbono antes de 2050), ou da American Medical Association e do Royal College of General Practitioners, que aprovaram resoluções solicitando o desinvestimento de empresas que utilizam ainda combustíveis fósseis, ou ainda os hospitais em Boston e de Wisconsin que estão gerando sua própria energia elétrica com eficiência energética. Eles argumentam que, com um esforço conjunto de todos, podemos projetar um planeta saudável para uma vida saudável.
A carta – For a #HealthyRecovery.
Aqui segue o texto do apelo assinado por 40 milhões de médicos e endereçado a todos os líderes do G20 e para conhecimento de todos os consultores científicos, médicos, sanitários do G20.
“Os profissionais de saúde estão unidos no apoio a uma abordagem pragmática baseada na ciência para gerenciar a pandemia do COVID-19. Nesse mesmo espírito, também nos mantemos unidos no apoio a uma recuperação saudável da crise.
Testemunhamos em primeira mão como as comunidades são frágeis quando sua saúde, segurança alimentar e liberdade de trabalho são interrompidas por uma ameaça comum. As diversas faces dessa tragédia em andamento são muitas e ampliadas pela desigualdade e pelo subinvestimento nos sistemas de saúde pública. Testemunhamos morte, doença e sofrimento mental em níveis não vistos há décadas.
Esses efeitos poderiam ter sido parcialmente mitigados ou possivelmente até evitados por investimentos adequados em preparação para pandemia, saúde pública e gestão ambiental. Devemos aprender com esses erros e voltar mais fortes, saudáveis e mais resilientes.
Antes da COVID-19, a poluição do ar – principalmente originária do tráfego, uso residencial ineficiente de energia para cozinhar e para aquecimento, usinas a carvão, queima de resíduos sólidos e práticas agrícolas – já estava enfraquecendo nossos corpos. A poluição aumenta o risco de desenvolvimento e a gravidade de: pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer de pulmão, doenças cardíacas e derrames, levando a sete milhões de mortes prematuras a cada ano. A poluição do ar também causa resultados adversos na gravidez, como baixo peso ao nascer e asma, colocando mais pressão em nossos sistemas de saúde.
Uma recuperação verdadeiramente saudável não permitirá que a poluição continue a deteriorar o ar que respiramos e a água que bebemos. Não permitirá que as mudanças climáticas e desmatamento continuem avançando, potencialmente desencadeando novas ameaças à saúde de populações vulneráveis.
Em sociedades e economias saudáveis, os mais vulneráveis são cuidados. Os trabalhadores têm acesso a empregos bem remunerados que não exacerbam a poluição ou a degradação da natureza; as cidades priorizam pedestres, ciclistas e transporte público, e nossos rios e céus são protegidos e limpos. A natureza prospera, nosso corpo é mais resistente a doenças infecciosas e ninguém é levado à pobreza por causa dos custos excessivos com a saúde.
Para alcançar essa economia saudável, precisamos usar incentivos e desincentivos mais inteligentes a serviço de uma sociedade mais sadia e resiliente. Se os governos fizessem grandes reformas nos atuais subsídios aos combustíveis fósseis, deslocando a maioria para a produção de energia renovável limpa, nosso ar seria mais limpo e as emissões climáticas reduziriam massivamente, possibilitando uma recuperação econômica que estimularia ganhos globais de quase 100 trilhões de dólares até 2050.
Ao direcionar sua atenção para a resposta pós-COVID, solicitamos que o ministro da saúde e o ministro da ciência/ atual chefe da saúde e chefe da ciência estejam diretamente envolvidos na produção de todos os pacotes de estímulo econômico, avaliem as repercussões de curto e longo prazo na saúde pública que esses estímulos podem ter e deem seu aval de aprovação.
Os enormes investimentos que seus governos farão nos próximos meses em setores-chave como assistência médica, transporte, energia e agricultura devem ter a proteção e promoção da saúde incorporadas em seu núcleo.
O que o mundo precisa agora é de uma recuperação saudável (#HealthyRecovery). Os planos de estímulo para recuperação pós-pandemia devem ser uma receita para alcançar isso.
Passados quase três meses desde o primeiro caso confirmado de coronavírus no Brasil (em 26 de fevereiro) e pouco mais de dois meses desde que foi registrada a primeira morte em decorrência da doença (17 de março), o Brasil alcançou ontem a marca de mil mortes registradas em 24 horas. Também bateu o recorde de casos notificados em um dia. O País já responde por 14%, um em cada sete, dos novos casos em todo o mundo.
Segundo o Ministério da Saúde, 17.971 pessoas perderam a vida no País por complicações da covid-19 (foram 1.179 registros nas últimas 24 horas, o maior relato até agora). O recorde anterior havia ocorrido na terça-feira passada, quando 881 novas mortes confirmadas para covid-19 foram registradas. No total, oficialmente 271.628 pessoas já foram infectadas. Houve 17.408 novos registros em 24 horas.
Apesar dos recordes, o ministério, que está sem um titular desde a saída de Nelson Teich, na última sexta-feira, usou a coletiva de imprensa de ontem para apontar somente que houve queda na doação de leite durante a pandemia. Não houve manifestação do governo sobre o crescimento dos casos.
Considerando a evolução da pandemia em todo o mundo, o Brasil parece estar se tornando o novo epicentro da doença. Na última semana (entre os dias 12 e 18), o País respondeu por algo entre 12% e 14% dos novos casos notificados em todo o mundo – dependendo da fonte, se a Organização Mundial da Saúde ou a Universidade Johns Hopkins (que tem buscado dados mais recentes da pandemia). Isso significa que a cada 7 pessoas identificadas com a doença no planeta, uma delas estava no Brasil. Os números do País, porém, são bastante subnotificados. Estudo recente feito em São Paulo, com testes de sorologia, indicou que pelo menos 5% da população da capital pode já ter se contaminado.
Em números totais, o Brasil é o terceiro em número de casos (atrás de Estados Unidos e Rússia) e o sexto em mortes (atrás de Estados Unidos, Reino Unido, Itália, França e Espanha). Nesta semana que passou, entre as nações que ainda estão com taxas crescentes da doença, o Brasil também se destaca como aquele em que o crescimento está mais acelerado, à frente de Índia, Arábia Saudita, Peru e Rússia. Os EUA, apesar de serem o país com mais notificações no total (1,5 milhão) e ainda baterem o recorde de casos e de mortes por dia, parecem estar entrando em curva descendente, assim como ocorreu com os países europeus
Já o Brasil ainda apresenta uma taxa de transmissão crescente. Estudo feito pelo Imperial College de Londres sobre o País, publicado no dia 8, estimou que o chamado número de reprodução está acima de 1, o que significa que cada pessoa infectada está transmitindo a doença para mais de uma, o que faz com que o número de casos novos seja sempre maior. Os autores alertam que a epidemia ainda não está sob controle no Brasil e é preciso tomar medidas mais dramáticas. O lockdown vem sendo recomendado por vários pesquisadores, enquanto o governo federal deseja afrouxar o isolamento.
Fora de controle
“O número de casos está dobrando, em média, a cada 12 dias. Em dois meses, nesse ritmo, vai crescer 30 vezes”, diz o matemático Renato Pedrosa, professor do Instituto de Geociências da Unicamp, que trabalha com modelagens da expansão da doença. “Não é impossível imaginar que poderemos acabar superando os Estados Unidos em casos. Não temos política coesa do governo federal com Estados e municípios, cada um faz uma coisa diferente. A situação pode sair do controle completamente.”
Ele divulgou na semana passada um cálculo baseado na expansão observada em abril, indicando que a taxa de contágio para o Estado de São Paulo é de 1,49, e para a capital, de 1,44. O número é semelhante ao obtido no cálculo do Imperial College, de 1,47 para o Estado. Ou seja, cada 100 paulistas infectados transmitiam o novo coronavírus para quase 150 pessoas, em média – o Estado também registra recorde casos diários.
O Brasil se junta ao grupo de quatro países no mundo que superaram a marca de mil óbitos atestados para a doença em um dia. Segundo a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, apenas Estados Unidos, Reino Unido, França e China chegaram a ter mais de mil mortes confirmadas para o novo coronavírus em 24 horas.
O País, porém, foi o que levou mais tempo entre todos para chegar à marca de mil óbitos registrados em 24 horas. No 30.º dia após a primeira morte por coronavírus, o Reino Unido superou a barreira dos mil mortos em 24 horas. Já os EUA alcançaram o recorde em 33 dias. A França, por sua vez, atingiu pela primeira vez os mil mortos 50 dias após seu primeiro registro de óbito. Já o Brasil chegou aos mil mortos no 64.º dia.
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