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Técnicos do Ibama rejeitam licença de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, mas presidente do órgão mantém discussão

Técnicos do Ibama rejeitam licença de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, mas presidente do órgão mantém discussão

Em uma decisão que reflete o impasse entre as áreas técnica e administrativa, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) analisou a concessão de licença para exploração de petróleo pela Petrobras no bloco 59 da Bacia da Foz do Amazonas

A nota técnica, assinada por 26 técnicos do órgão, recomendou o arquivamento do pedido da Petrobras, apontando graves lacunas nos estudos ambientais apresentados pela empresa. Contudo, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, contrariou o parecer técnico e decidiu manter a tramitação do processo.

A negativa dos técnicos se baseia no novo Plano de Proteção e Atendimento à Fauna (PPAF), atualizado pela Petrobras, considerado insuficiente para mitigar os riscos ambientais. O parecer destaca falhas específicas nos estudos de impacto, afirmando que estes não garantem a segurança da biodiversidade marinha nem contemplam de forma satisfatória os riscos para comunidades indígenas, altamente sensíveis a um eventual desastre de vazamento de óleo.

A diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira, parabenizou a recomendação técnica do Ibama,  que reforça preocupações antigas sobre os riscos que a exploração de petróleo traz para a Amazônia. “Há riscos evidentes e os estudos realizados são inadequados. Mesmo com modificações, o plano de emergência da Petrobras ainda não atende aos requisitos técnicos necessários para que o licenciamento prossiga. Agora esperamos que o processo seja arquivado pelo órgão.”, declarou.

Entenda os principais pontos da decisão técnica

Impactos socioambientais: Segundo o Ibama, a exploração de petróleo no bloco 59 poderia gerar impactos profundos em áreas de alta biodiversidade e em comunidades indígenas da região. Contudo, a Petrobras não abordou completamente as medidas de mitigação necessárias para minimizar esses impactos.

Plano de Proteção à Fauna (PPAF): A análise concluiu que o plano proposto pela Petrobras não detalha adequadamente a resposta em caso de vazamento. Pontos como equipes de atendimento, deslocamento de recursos e dificuldades meteorológicas que impactam resgates não foram especificados, comprometendo a eficácia do plano.

Ausência de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS): A falta de uma AAAS foi considerada um dos pontos críticos, pois essa avaliação permite analisar de forma abrangente os impactos acumulados das atividades petrolíferas na região. De acordo com o Ibama, a ausência desta análise amplifica o risco ambiental.

Impactos sobre comunidades indígenas: O órgão também questionou a análise da Petrobras sobre os efeitos das operações aéreas nas comunidades indígenas. A empresa argumentou que o ruído das aeronaves está associado ao aeródromo de Oiapoque, e não diretamente às atividades de perfuração. O Ibama, contudo, classificou essa justificativa como insuficiente e indicou que a análise de impactos indiretos deve ser mais detalhada.

Em resumo, a nota técnica sustenta que o pedido de licença ambiental da Petrobras não atende às normas exigidas, recomendando o arquivamento do processo. Apesar dessa recomendação, o presidente do Ibama optou por permitir que a discussão continue, alegando que a empresa poderia apresentar novos esclarecimentos.

Biodiversidade e comunidades tradicionais da Margem Equatorial em risco

A Margem Equatorial brasileira, considerada um potencial “novo pré-sal”, estende-se da foz do rio Oiapoque ao norte do Rio Grande do Norte e inclui bacias próximas à foz do Amazonas. A área, que abriga 80% dos manguezais do país e recifes fundamentais para a pesca, enfrenta forte oposição de ambientalistas e organizações internacionais, que alertam para os riscos de vazamento de óleo e os impactos climáticos da exploração fóssil.

Em 2023, o Ibama negou um pedido da Petrobras para exploração na costa do Amapá, solicitando mais dados sobre os potenciais danos ambientais. Apesar dos riscos, a região abrangida pelo bloco 59 é prioridade no plano estratégico da Petrobras para 2024-2027, que defende a exploração como essencial para a sustentabilidade dos negócios da empresa, mesmo em meio à transição energética.

“Lamentamos que o processo não tenha sido arquivado, pois isso abre margem para que o diálogo continue, quando, em nossa visão, o correto seria interromper qualquer avanço em direção à exploração de petróleo na Amazônia”, pontuou Oliveira.

Críticas de organizações e movimentos ambientais

A rejeição do parecer técnico pelo presidente do Ibama ocorre em meio a uma pressão internacional por parte de parlamentares latino-americanos que participam da Frente Parlamentar Global pelo Futuro Livre de Combustíveis Fósseis. Na semana passada, durante a COP16, ocorreu a primeira audiência pública da coalizão, com o apoio de mais de 800 legisladores de 95 países, que apelam pelo fim da expansão de petróleo, gás e carvão.

A ARAYARA marcou presença na audiência, onde apresentou dados alarmantes do Monitor Oceano sobre os impactos da exploração de combustíveis fósseis nos ecossistemas marinhos brasileiros. “Defendemos a interrupção e a saída gradual dos combustíveis fósseis na Amazônia”, declarou o gerente-geral da Arayara, Vinícius Nora.

Durante o evento, uma carta aberta de parlamentares de 11 países da América foi apresentada à ministra colombiana Susana Muhamad. O documento solicita novos compromissos concretos e tratados internacionais, complementando os acordos já estabelecidos pelo Acordo de Paris.

ARAYARA NA MÍDIA | Projeto de exploração de petróleo na Amazônia brasileira expõe disputas de interesses

ARAYARA NA MÍDIA | Projeto de exploração de petróleo na Amazônia brasileira expõe disputas de interesses

Aumenta a pressão do mercado para que a Petrobras seja autorizada a fazer estudos de exploração na foz do rio Amazonas. Por outro lado, a sociedade civil se organiza e tenta impedir que a região seja alvo da atividade petroleira.

 

Matéria de Alice Martins Morais para o climatetrackerlatam.org publicada em 18/10/2024.

Enquanto mantém um discurso de liderança na diplomacia ambiental, o Brasil enfrenta uma contradição dentro do seu próprio território. O país produz mais de 3 milhões de barris de petróleo por dia, é o nono maior produtor no planeta e o primeiro da América Latina. E a petroleira estatal Petrobras quer expandir ainda mais as perfurações, desta vez na Amazônia. A exploração seria bem próxima do estado do Pará, cuja capital, Belém, será sede da Conferência das Nações Unidas, a COP30, em 2025.

Passaram-se 16 meses desde que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu o pedido inicial da Petrobras de começar a perfurar poços para pesquisar se realmente há potencial de extração no local. A decisão foi baseada em diversas justificativas, como a falta de estrutura de atendimento à fauna em um eventual acidente. Isso porque, mesmo que apenas para pesquisa, as medidas de precaução devem ser praticamente as mesmas que no cenário de produção, já que os riscos são similares.

Essa é a segunda negativa para atividades de perfuração na região. Em 2018, o Ibama negou a emissão de licença para cinco blocos sob controle da empresa Total. Apesar da decisão técnica,  a Petrobras não desistiu de obter a autorização. Desde então, a empresa continua insistindo com o órgão e, em paralelo, realizando expedições científicas para subsidiar seus argumentos. Em maio de 2023, a empresa protocolou um pedido de reconsideração da decisão, na qual se prontificou a ampliar seus esforços, inclusive investindo na base de estabilização de fauna na cidade de Oiapoque, para atuar em conjunto com a base já existente em Belém.

Diversas organizações organizaram protestos durante a programação do Diálogos Amazônicos, em 2023, em Belém. Créditos: Divulgação / Instituto Internacional Arayara.

Ainda não se sabe ao certo quando o Ibama deve dar uma nova resposta, em cima do pedido de reconsideração da petroleira. Em nota, o Instituto informou que “a análise do processo está em andamento” e que “a equipe técnica continua avaliando as informações para elaborar um novo parecer técnico”, após “as complementações relativas ao Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF) pela Petrobras”, concluído em 02 de agosto de 2024.

No entanto, a pressão é grande. O próprio Governo Federal vem se dividindo sobre o tópico. O Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, defendem a perfuração o quanto antes, alegando que o país vai precisar importar o combustível a partir de 2030 se não for por esse caminho.

Já a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou em diversas ocasiões que a decisão do Ibama será puramente técnica. O presidente do Instituto, Rodrigo Agostinho, por sua vez, declarou em junho, em entrevista ao O Globo, que “o brasileiro não vai ficar sem gasolina por causa disso” e trouxe como um dos pontos de complexidade a falta de estudos na região.

Esperança por desenvolvimento e medo pelos riscos separam a população

A população do Amapá também se divide em opiniões. É o que observa Luene Karipuna, liderança indígena residente em Oiapoque, no Amapá, município no extremo Norte do Brasil, o mais próximo do local onde se planeja a exploração do petróleo. A cidade fica a 160km do bloco F-59, como é chamada a área da bacia sedimentar, no meio do oceano Atlântico, que está em discussão.

“Há um sentimento de que a pobreza vai acabar se começar a exploração de petróleo e tem até mesmo um discurso de que é preciso explorar esse petróleo para poder fazer a transição energética”, enfatiza. Ela nota que essa opinião é defendida por muitos moradores da zona urbana.

Oiapoque é uma cidade que enfrenta vários problemas de infraestrutura. O último Censo divulgado (2010) mostrava que apenas 0,2% das vias públicas eram  urbanizadas e somente 24,8% da população tem acesso ao esgotamento sanitário adequado. Nas áreas indígenas, o principal impacto percebido pela liderança é em relação à nova dinâmica aérea. Há dois anos, o aeródromo de Oiapoque começou a receber investimentos da Petrobras e transportar aeronaves com funcionários da empresa. Segundo ela, foi quando a população das Terras Indígenas Galibi do Oiapoque e Juminã começaram a ser afetados pela repentina movimentação. “Começou a assustar as famílias, principalmente as crianças que não estão acostumadas com esse tipo de barulho. As caças e os pássaros também se assustavam”, relata.

Preocupados com o que pode vir no futuro, os povos indígenas começaram a buscar parcerias fora de sua comunidade para se aprofundar no debate sobre a exploração de petróleo e da transição energética. Luene é atualmente uma das mobilizadoras locais em torno do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, uma iniciativa global que advoga para a cooperação entre governos, sociedade civil e outras lideranças pela aceleração da transição energética justa.

O compromisso é voluntário e não-vinculante, mas, mesmo assim, apenas 14 nações assinaram, sendo apenas uma da América Latina – a Colômbia, que se juntou durante a COP28, em 2023.

No Brasil, várias entidades não governamentais apoiam o Tratado oficialmente, mas do poder público a adesão veio apenas da prefeitura de Belém. Para Luene, a posição do Governo Federal é contraditória. “O governo brasileiro diz que defende a Amazônia, mas ao fim do dia entrou para a Opep+ [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]”, critica.

Para Andrés Gómez, coordenador para América Latina e Caribe do Tratado, a participação dos povos indígenas no movimento é fundamental. “As organizações e povos indígenas são quem habitam o território, mesmo antes do Estado. O apoio que podem gerar, em rede, é muito importante e isso também gera pressão em torno dos governos”, diz, citando também o caso da Colômbia, onde o povo Waorani tem pressionado o governo a parar a extração de petróleo em um parque nacional.

Conferências podem trazer visibilidade à discussão

De acordo com Luene, os povos indígenas não costumam ter espaço na mesa para dialogar com os tomadores de poder, mas as conferências internacionais são uma janela para preencher essa lacuna e trazer visibilidade à pauta. Na Cúpula da Amazônia, realizada em 2023, em Belém, o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis articulou em torno do assunto – aliás, foi quando a cidade anfitriã assinou o compromisso.

Luene Karipuna, em ação do Greenpeace em março de 2024 – Créditos Marizilda Cruppe / Greenpeace

A Cúpula reuniu presidentes e ministros dos países pan-amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela). Além dos encontros oficiais, a programação contou com 27 mil pessoas em atividades prévias da sociedade civil e, nesses espaços, emergiu o movimento “Amazônia livre de petróleo”, no qual diversas representações protestaram contra a perfuração na Foz do Amazonas, reforçando que a discussão não poderia ser deixada de lado.. “Esses momentos são importantes para nos conectarmos e unirmos forças. A gente percebe que tem outros grupos, em outros países, lutando pelas mesmas coisas”, afirma Luene.

A liderança analisa que, daqui até a COP30, o movimento precisa se articular cada vez mais para aproveitar a visibilidade e, quem sabe, impedir de vez a exploração no território. “Eu percebo que muitas pessoas falam de forma superficial sobre a Amazônia, mas desconhecem as pessoas que moram na região, e a COP30 vai dar essa oportunidade de sensibilizar”, conclui.

Histórico de 50 anos do setor na Amazônia

A presença de petrolíferas nas proximidades da Foz do Amazonas não é algo novo. A Petrobras, por exemplo, já tem atividades na região desde 1970. Dados públicos da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), expostos pela epbr em maio de 2023, apontam que ali já houve 95 perfurações, sendo que todas, até o momento, ocorreram em águas rasas, ou seja, de 400m ou menos de profundidade. Nesse caso, é inserida uma plataforma fixa, estrutura metálica presa ao fundo do mar.

Ao todo, conforme mostra o levantamento da epbr, 27 desses poços perfurados para pesquisas foram finalizados por causa de acidentes mecânicos. A maioria, por não ter encontrado petróleo, por dificuldades logísticas ou por indícios subcomerciais.

Agora, a Petrobras anseia ser a primeira explorar águas profundas na região. Para esse tipo de exploração, é preciso instalar sistemas flutuantes, amarrados ao solo submarino por correntes, cabos de aço ou poliéster.  A oceanógrafa Kerlem Carvalho explica que a tecnologia de ponta é necessária porque as águas profundas possuem especificidades de salinidade, temperatura e, principalmente, de pressão que impactam na operação. “Quanto maior a profundidade da água, maior vai ser a pressão. E, no caso da segurança operacional dessas indústrias, traz um risco maior de ter falha de equipamento que vai perfurar esse local, se ele não for projetado adequadamente”, adverte, explicando que tubulações, cabos e outros itens ficam sob uma força muito grande, que é natural desse ambiente.

Carvalho atua como analista ambiental  na organização da sociedade civil (OSC) sem fins lucrativos Instituto Internacional Arayara, e menciona que outro fator de preocupação é a maior dificuldade de que o serviço de emergência chegue a tempo em casos de acidentes de vazamento, por estar muito longe da costa.

Plataforma pretende democratizar acesso a dados públicos

Embora o histórico seja longo na região, as informações sobre a exploração de petróleo local nem sempre são de fácil entendimento. A começar pelo próprio termo usado pela Petrobras: Margem Equatorial, que no Brasil é o trecho de 2.200 quilômetros que vai da costa do Rio Grande do Norte ao Amapá. Já a Foz do Amazonas é uma das cinco grandes regiões da Margem, e inclui os territórios do Pará e Amapá que, mesmo parecendo distantes geograficamente, sofrem muita influência da foz, ou seja, do local onde o rio Amazonas deságua no Oceano Atlântico.

De acordo com o Arayara, encontrar os dados públicos também não é uma tarefa simples. São mais de 70 fontes onde essas informações estão dispersas e geralmente com linguagem técnica.

Pensando nessas dificuldades, o Instituto, em parceria com o Observatório do Clima, lançou o “Monitor Amazônia Livre de Petróleo e Gás” há um ano. A plataforma está disponível em português, inglês e espanhol e tem o objetivo de democratizar o acesso aos dados.

No site, qualquer um pode conferir os dados atualizados de onde estão os blocos petrolíferos, qual o status (em exploração ou produção, em estudo ou área reservada, em oferta ou solicitação) e mais detalhes sobre a empresa operadora e se está em um território indígena, dentre outros fatores.

O Instituto Arayara foi uma das organizações à frente dos protestos da Amazônia Livre de Petróleo na Cúpula de Belém. Para Vinicius Nora, gerente de Oceanos e Clima da OSC, o principal resultado é ver que pesquisadores e movimentos sociais estão podendo se apropriar mais da discussão com o Monitor.

Ele comemora também que, em junho deste ano, a ANP decidiu remover 15 blocos da lista de áreas disponíveis para exploração e produção no país, devido a restrições socioambientais, como a proximidade a terras indígenas e unidades de conservação. “Essa sobreposição nós mesmos já tínhamos identificado no Monitor e, por conta disso, entramos com ações judiciais para tentar impedir a oferta dessas áreas”, recorda.

Apesar de não ter tido sucesso direto na Justiça, ele acredita que a mudança percebida agora pela ANP é reflexo da pressão civil. Em 2024, o edital de leilão de blocos passa por uma revisão e é a primeira vez, em sete anos, que o Brasil não terá uma nova licitação para concessão de áreas para exploração de petróleo.

Nora acompanha cada passo das decisões em torno da exploração na Foz do Amazonas e considera que as consultas prévias às comunidades da região podem travar o processo, porque podem aflorar as preocupações que os povos já possuem sobre o tema. “Por outro lado, mudanças políticas no Ibama e MMA, por exemplo, podem também mudar o andar das decisões, porque a pressão está muito grande em prol da exploração e o rumo pode mudar a qualquer momento”, pondera.

Além do Instituto Arayara, outras instituições vêm fazendo campanha por uma Amazônia livre de combustíveis fósseis nas redes sociais, nos seus territórios e fazendo pressão a autoridades políticas, dentre elas o Instituto ClimaInfo, a Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (Amim) e as ONGs Greenpeace Brasil e WWF-Brasil. Mais de 20 organizações do Amapá e Pará assinaram carta aberta no ano passado para declarar apoio à decisão do Ibama e até o momento 18 organizações e instituições nacionais, assim como oito parlamentares, assinaram o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.

Marcha contra-petroleo durante os Dialogos Amazonicos. Creditos: Renata Sembay – ARAYARA.ORG

Petrobras realiza expedições na região

Enquanto aguarda nova decisão do Ibama, a Petrobras continua sua atuação na Foz do Amazonas, principalmente com atividades relacionadas ao seu Centro de Pesquisas (Cenpes). A bióloga Talita Pereira lidera os projetos com foco ambiental e explicou, em palestra realizada em maio deste ano em Belém, que a meta é ter uma maior compreensão da biodiversidade e a composição geológica dessa área, dentre outros fatores. Além disso, Pereira disse que há uma expectativa de fazer mais parcerias com instituições de pesquisas da região e que a empresa tem investido com recursos humanos e financeiros para contribuir com o conhecimento científico da região.

Desde o ano passado, a Petrobras vem realizando expedições científicas, em parceria com a Marinha do Brasil e Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) e Serviço Geológico do Brasil (SGB), além de grupos de pesquisa de universidades. “A gente tem a possibilidade, através de embarcações, de trazer o recurso que é necessário para essa atuação, para conseguir preencher uma lacuna de conhecimento importante”, declarou Pereira. Climate Tracker solicitou atualizações sobre os resultados dessas pesquisas, mas não teve retorno até o fechamento do texto.

Dentre os 13 projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação até então em andamento, Pereira detalhou que o CENPES também tem focado no desenvolvimento de tecnologias remotas e digitais, como drones e veículos autônomos para atuarem na resposta a possíveis emergências. “A gente sabe das vulnerabilidades e das dificuldades. Até aqui o Plano de Emergência e Fauna já conta com várias embarcações, cem profissionais… existe um esforço muito grande de disponibilização de equipamentos e recursos para tentar suprir eventuais questões. Tenho certeza que temos toda a tecnologia necessária para uma operação segura, mas obviamente que há riscos que a gente precisa se precaver, trabalhando na linha da prevenção”, complementou.

Biodiversidade ainda é pouco conhecida

A biodiversidade da Foz do Amazonas ainda é pouco conhecida e, por isso, é um fator que preocupa ao se falar de exploração de petróleo na região. Claudia Funi, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA), chama a atenção para o fato de que há pouquíssimos lugares no mundo que sejam tão dinâmicos quanto esse trecho. Por isso, as modelagens que funcionam em outros locais não conseguem se adaptar à realidade local. “Nos dados mais conservadores, são mais de 200 milhões de litros de água por segundo que a foz despeja no oceano. É a maior carga de água doce que um sistema despeja no oceano no planeta todo. Nada chega perto”, enfatiza.

Claudia Funi em evento de apresentação do Plano Foz no Dia do Oceano, em Macapá – Créditos Agência Amapá

Geógrafa e mestre em Biodiversidade Tropical, Funi explica que, para começar a entender essa dinâmica, é preciso ter monitoramento constante por pelo menos três anos. “A gente não conhece as correntes superficiais mais profundas para essa região da foz. Até a maré, precisamos de mais pontos para entender. Temos a maior variação de maré do planeta, chegando a 12 metros, mas ela tem comportamentos diferentes ao longo da costa”

A pesquisadora é uma das autoras do Plano Foz de monitoramento da costa oceânica do estado e da foz do rio Amazonas, uma iniciativa que busca financiamento e que propõe a implementação de redes de medições para investigar questões como a hidrodinâmica, salinidade, corrente marítima, o vento e a temperatura, dentre outros aspectos. O Plano envolve pesquisadores, técnicos e professores de instituições como a Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Universidade de Brasília (UNB) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

“A foz é muito pouco estudada. Tem um desafio logístico muito grande, requer um recurso muito maior do que em outras regiões”, contextualiza. “Mas, sem dados, tudo que for feito vai gastar mais tempo, energia e dinheiro e não vai conseguir ter o preparo da maneira correta”, conclui.

A pesquisadora observa que pouco mudou desde que o Ibama indeferiu o pedido da Petrobras. “O que teve de avanço é que vamos atualizar as cartas de sensibilidade de derramamento de óleo. Estamos iniciando as tratativas agora”.

Os documentos, conhecidos como Cartas SAO, mapeiam a vulnerabilidade de uma região a um eventual derramamento de óleo, e incluem informações como sensibilidade dos ecossistemas marinhos e costeiros, recursos biológicos e usos humanos dos espaços. As cartas atuais foram entregues em 2016, por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, INPA e UFPA, e mostram que, em um cenário pessimista, os ambientes ficam muito vulneráveis, por uma gama de características próprias do local, como a presença abundante de manguezais, que seriam extremamente difíceis de limpar em caso de vazamento.