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Carvão, mineral poluente, fica fora do ‘imposto do pecado’ da reforma tributária

Carvão, mineral poluente, fica fora do ‘imposto do pecado’ da reforma tributária

Tributo criado para taxar mercadorias prejudiciais à saúde e ao meio ambiente mirou petróleo, gás e ferro.

Publicado originalmente n’A Folha de São Paulo, em 9 de julho de 2024. 

Por João Gabriel

O carvão ficou de fora da lista de minerais e combustíveis tributados pelo imposto seletivo, previsto no projeto de regulamentação da reforma tributária que tramita na Câmara dos Deputados.

O imposto foi apelidado de “imposto do pecado” porque tem como objetivo taxar mercadorias prejudiciais ao ambiente ou à saúde.

Entraram na lista, por exemplo, o petróleo e o gás natural, também utilizados como combustíveis e fontes de emissão de gás carbônico, que contribui para o aquecimento global e a mudança climática.

O carvão mineral, fóssil que também pode ser utilizado para produção de energia em usinas termelétricas, ficou de fora da lista, tanto na primeira versão do texto da regulamentação quanto na mais recente, apresentada na última quinta-feira (4) pelo grupo de trabalho criado para tratar do tema.

Por outro lado, o minério de ferro permaneceu no último relatório, a despeito das reclamações do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração).

O texto ainda pode sofrer alterações. Setores que não foram atendidos pelo grupo de trabalho articulam agora para tentar modificar a proposta na votação do plenário da Câmara.

Há, inclusive, uma série de emendas apresentadas pelos deputados que, se aprovadas, podem beneficiar estes setores.

Elas propõem, por exemplo, isenção para plano de saúde animal, protetor solar e “duty free”, além da retirada ou inclusão de segmentos no “imposto do pecado”.

A votação do texto deve acontecer nesta quarta-feira (10) na Câmara, uma vez que ele tramita em regime de urgência a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Depois, o projeto ainda precisa passar pelo Senado.

O texto deixou de fora as carnes da lista de produtos da cesta básica nacional —que terá alíquota zero—, aumentou descontos tributários para o setor de construção civil e definiu que carros elétricos e jogos de azar terão incidência do “imposto do pecado”.

O imposto seletivo incide sobre veículos, embarcações, aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, jogos de azar e bens minerais.

O relatório mais recente estabelece uma tributação de no máximo 1% sobre as operações desta última categoria e elenca quatro classes de mercadoria consideradas como bens minerais, de acordo com suas respectivas tipificações da NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul).

São elas: minério de ferro, petróleo, gás natural liquefeito e gás natural em estado gasoso.

As NCMs têm uma série de nomenclaturas específicas para os diversos tipos de carvão, tanto o utilizado em usinas termelétricas, quanto os que servem a outras finalidades. Nenhuma delas entrou na lista de tributação do imposto seletivo.

Para Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (antiga Associação do Carvão Mineral), a taxação poderia ampliar a conta de luz, uma vez que o custo das termelétricas movidas pelo fóssil tem impacto direto no preço da energia elétrica.

“No momento que se taxa o combustível que vai para uma térmica, que é necessária para o sistema [nacional de energia], ele vai aumentando a conta do consumidor. Iria contra a política do governo federal, de reduzir as tarifas”, diz.

Já Anton Schwyter, gerente de energia do Instituto Arayara, aponta que as termelétricas à carvão pouco contribuem para o setor energético do país, mas são altamente poluentes.

Segundo estudo do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), essas usinas tem a pior relação entre emissão de poluentes e terawatt de energia produzida: representam 17% da eletricidade do país, e 30% de todos os gases de efeito estufa.

“O carvão é uma fonte de energia que surge com a revolução industrial, no século 18, um grande emissor de gases do efeito estufa e outras substâncias tóxicas. O uso em siderúrgicas também é prejudicial para a população e trabalhadores. Não se entende como, num país como o Brasil, com grandes potenciais de fontes renováveis, se continue a beneficiar a indústria do carvão”, diz Schwyter.

Atualmente, a exploração do carvão e as termelétricas brasileiras de carvão se concentram no Sul do país.

A intenção dos parlamentares é avançar a tramitação toda do texto ainda neste mês, mas para isso, eles dispõem de poucos dias. O Congresso entra em recesso após 17 de julho.

Depois, no segundo semestre, as atividades legislativas retornam no dia 1º de agosto. Porém, como este é um ano de eleições municipais, as sessões ficam esvaziadas e votações importantes acontecem apenas em datas específicas, acordadas entre os parlamentares no que é chamado de “esforço coletivo” —e com menos tempo de debate e articulação para as propostas.

As sessões costumam retomar com maior presença apenas após os pleitos, que terminam no final de outubro. Com deputados e senadores focados nas eleições, a tramitação da reforma pode demorar.

 

Entenda a MP 1212 no debate da política energética brasileira

Entenda a MP 1212 no debate da política energética brasileira

Tramitando no Congresso Nacional, a Medida Provisória das Energias Renováveis e de Redução do Impacto Tarifário (MP 1212/2024) já recebeu emendas construtivas, emendas “jabutis”, Projeto de Lei solicitando sua anulação; tudo isso como saídas estratégicas para se legislar acerca da política energética do país.

Entenda o que está em jogo nessa discussão tarifária, e como a construção de uma política energética justa e sustentável está implicada nessa movimentação.

A Medida Provisória das Energias Renováveis e de Redução do Impacto Tarifário (MP 1212/2024), assinada pelo Presidente da República e pelo Ministro de Minas e Energia em 9 de abril, estabelece a operação que viabiliza a utilização dos recursos provenientes da privatização da Eletrobrás para quitar empréstimos e abater valores atualmente diluídos em forma de tarifas na conta de luz.

Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), a Medida propõe uma maneira de aliviar o bolso dos consumidores de energia, limitando os ajustes anuais a uma faixa de 3,5% a 5%. A MP também dispõe sobre projetos de energia eólica e solar no nordeste do Brasil: construções, prazos, subsídios fiscais e seu aproveitamento no sistema de distribuição elétrica.

Para o Departamento de Energia do Instituto Arayara, a Medida pode até baratear – ou limitar a um pequeno aumento – a conta de energia elétrica para os consumidores no curto prazo, porém, no longo prazo, os valores hoje abatidos voltarão a crescer, incluindo ainda as taxas administrativas e os juros futuros dessa operação. Ou seja, não é uma medida eficaz e não toca no cerne da discussão sobre os encargos pagos atualmente nas contas de energia, como a tarifa para subsidiar fonte fóssil, como o carvão; a produção rural ou irrigação; as empresas de saneamento; a Geração Distribuída, entre outros. 

No que tange ao impulsionamento a fontes renováveis, a MP 1.212/2024 estende o prazo para que se dê início às atividades de geração de energia dos empreendimentos que já possuem contratos firmados com a União, além de benefícios fiscais para viabilizar obras ou custear processos para sua instalação.

O objetivo seria apoiar a consolidação dessa indústria, alocando mais fontes limpas na matriz energética brasileira. Diferentes emendas tratando sobre o aproveitamento dessa potência, incentivando ou dificultando sua inserção no Sistema Interligado Nacional (SIN), também foram anexadas à Medida Provisória em seu trâmite.

Porém, até mesmo esse investimento para os projetos de energia renovável da região Nordeste, previsto na Medida Provisória, é controverso. Para o gerente do Departamento de Energia e Clima do Instituto Arayara, Anton Schwyter, “se a intenção é não prejudicar os investimentos em energia renovável na região – pois a Medida Provisória prorroga por mais 3 anos os subsídios concedidos a empreendimentos de geração de energia renovável solar e eólicos em relação ao custo de transmissão que seriam extintos já em 2025 – esta decisão política deveria então fazer parte do Orçamento da União, porque da forma adotada servirá para aumentar ainda mais o valor da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – o grande encargo da tarifa final de energia elétrica – dos próximos 3 anos, pelo menos, aumentando, assim, a conta de luz, ao final (a estimativa é de um impacto de pelo menos 2,3% ao ano)”, avaliou.

Conclusão: tanto a proposta de se utilizar os recursos da Privatização da Eletrobrás para reduzir diretamente os encargos à CDE que são pagos na conta de energia pelo consumidor; quanto a de se utilizar os recursos da privatização para sanar empréstimos realizados em 2020 e 2022 no contexto da pandemia de Covid e da escassez hídrica, respectivamente; ou ainda a proposta de subsidiar investimentos em projetos de energia limpa, todas essas iniciativas anunciadas pela Medida Provisória 1212 aumentam, no longo prazo, a conta de energia. O alívio que ela poderia trazer seria sentido de imediato, para piorar a situação depois.

MP 1212 e suas emendas vs. Lei da Privatização da Eletrobrás e seu jabuti

Depois de assinada, a Medida Provisória recebeu 175 emendas de deputados e senadores. Como o texto vigora com força de lei e com caráter de urgência, jabutis que podem comprometer a política energética justa e sustentável que o Instituto Arayara e a sociedade almejam têm a chance de aparecer via emendas propostas por deputados e senadores, mas também outros jabutis já legislados podem ter a chance de cair.

Aproveitando a discussão central da MP, de reduzir o que é pago no país com eletricidade e impulsionar a geração renovável, o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) enviou contribuições a diversos parlamentares com sugestões de emendas à MP que pudessem combater falsas soluções climáticas, como o jabuti inserido na Lei de Privatização da Eletrobrás (14.182/2021) que adicionou a condicionante de obrigatoriedade à contratação de termelétricas movidas a gás.

Essa condicionante na lei é maléfica, pois esse tipo de energia provocaria o aumento da tarifa de energia de forma gradual, podendo alcançar 12,5% no ano de 2030.

No que tange aos impactos ambientais, essa energia contratada também significaria um aumento das emissões acumuladas em cerca de 53% entre 2022 e 2036, segundo estudo do Idec. Ainda que frequentemente o gás natural e as usinas a gás sejam considerados pelo setor de energia como uma opção “menos poluente” pois a queima desse combustível fóssil emite menos gases de efeito estufa, e, com isso, despontarem no cenário como uma “solução climática” para o período de transição energética, devemos considerar que, também no longo prazo, o metano que escapa nessa produção é um vilão muito mais danoso ao aquecimento global – essa molécula na atmosfera retém 80% mais calor do que moléculas de CO2 em um período de 20 anos.

Assim, para além do texto central da Medida Provisória, as emendas anexadas à MP 1212 também desempenham um papel estratégico na agenda da transição justa, podendo impulsioná-la ou comprometê-la.

As sugestões enviadas pelo Idec basearam o protocolo de cinco emendas à MP, apresentadas pelos deputados Kim Kataguiri (União Brasil/SP), Duda Salabert (PDT/MG), João Carlos Bacelar (PL/BA), Erika Hilton (PSOL/SP) e pelo senador Weverton (PDT/MA).

E o PL 1.956/2024, o que tem a ver?

O Projeto de Lei 1956/2024, apresentado à Câmara dos Deputados em 21 de maio pelo deputado José Guimarães (PT/CE), solicita a revogação da Medida Provisória das Energias Renováveis e de Redução do Impacto Tarifário (MP 1212/2024). Mas o PL expõe duas questões: uma é apresentar o mesmo texto da Medida Provisória, ainda que pedindo sua anulação; e a segunda questão é apresentar o mesmo texto, porém com um pequeno acréscimo (ou jabuti): um dispositivo que determina a obrigatoriedade da inclusão das usinas a carvão em leilões de reserva de energia.

A ação foi considerada como uma “medida de proteção” à MP, no caso dela não tramitar dentro do prazo estabelecido de 120 dias desde sua assinatura para poder vigorar, além de uma medida de advogar pela indústria do carvão, que sofreu recente retrocesso no Congresso Nacional quando parlamentar gaúcho reconsiderou suas atuações em face às mudanças climáticas e o desgaste ao clima provocado pelas fontes fósseis, principalmente no contexto do pós-enchente do Rio Grande do Sul.

Em coletiva a jornalistas, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que não acompanhou o Projeto de Lei, mas que o deputado José Guimarães, autor do PL, esteve com ele na semana passada. “Ele defende realmente que o carvão social da região Sul do Brasil é fundamental para que gere emprego e renda e que essa fonte energética continue sendo considerada no planejamento. Isso tudo vai ser avaliado no momento adequado. Toda iniciativa parlamentar é muito bem-vinda, mas vamos buscar a compreensão daquilo que é trazer o melhor custo-benefício para a sociedade brasileira”, afirmou o ministro.

Para o gerente de Energia do Instituto Arayara, “Considerar o carvão como social é um grande contrassenso, uma vez que esse tipo de fonte de energia é caro, necessita de subsídio, contribui para emissão de gases de efeito estufa, e também prejudica enormemente o equilíbrio do meio ambiente. Ou seja, além de ser caro, é um tipo de energia suja”, pontuou Schwyter.

A Arayara reforça a necessidade de serem avaliadas com cautela as consequências a médio e longo prazo das Medidas Provisórias e Projetos de Lei que legislam sobre o cenário energético do país, especialmente em um momento em que se almeja construir um futuro energético com menos emissões de gases de efeito estufa.