por Comunicação Arayara - Nívia Cerqueira | 19, set, 2024 | Justiça Energética |
A Ação Civil Pública movida pelo Instituto Internacional ARAYARA contra o Governo do RS contesta o apoio a políticas que priorizam o carvão mineral como matriz energética, considerado um dos principais responsáveis pelos eventos climáticos extremos no estado
Aconteceu, na semana passada, a audiência de conciliação entre o Instituto Internacional Arayara e o Estado do Rio Grande do Sul. A Ação Civil Pública Cível Nº 5157467-55.2024.8.21.0001/RS foi movida pelo Instituto ARAYARA em julho, exigindo a implementação imediata de medidas para reconstrução do Estado do RS com base em uma transição energética justa em 30 dias.
A ação ocorreu após as tragédias climáticas que atingiram milhões de cidadãos do RS, expondo a ineficácia das ações governamentais para lidar com os impactos das mudanças climáticas. A ACP também busca impedir a concessão de incentivos fiscais ou a reconstrução de infraestruturas voltadas ao setor termoelétrico. Mesmo diante de centenas de mortes e prejuízos superiores a R$200 bilhões, o governo segue apoiando políticas que priorizam o carvão mineral como matriz energética, considerado um dos principais responsáveis pelos eventos climáticos extremos no estado.
“Era esperado que o governo reforçasse políticas de adaptação climática, como melhorias nos sistemas de drenagem e infraestrutura resiliente. No entanto, as ações têm sido tímidas e insuficientes”, afirmou Juliano Araújo Bueno, diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara.
Audiência de Conciliação
A audiência de conciliação, que aconteceu em tempo recorde, teve o objetivo de iniciar tratativas para uma composição entre as partes, principalmente quanto à efetiva participação da sociedade civil na elaboração de um Plano de Transição Energética Justa para o Rio Grande do Sul.
O estado, através do Departamento de Mineração da SEMA/RS, havia lançado em 8 de novembro de 2023, um edital para contratação de uma consultoria para a elaboração de seu Plano de Transição Energética Justa, entretanto, não havia no documento a previsão de efetiva participação da sociedade civil neste processo de elaboração do plano. Esse edital foi lançado após a ocorrência do evento climático extremo que atingiu o estado em setembro daquele ano, onde cerca de 359 mil pessoas foram atingidas, 5 mil ficaram desabrigadas e mais de 21 mil desalojadas, além de 47 mortes e 10 desaparecidos.
No fim de abril e início de maio de 2024 novas inundações afetaram o estado atingindo um total de 469 cidades, o que corresponde a mais de 95% dos municípios. Conforme a Defesa Civil Estadual, mais de 2,3 milhões de pessoas foram impactadas pelo maior evento climático do RS, onde o volume de chuvas passaram de 800 milímetros em mais de 60% do estado, deixando mais de 55.813 pessoas em abrigos; 581.638 desalojados, 806 feridos, 42 desaparecidos e 172 óbitos.
Durante a audiência, o Instituto ARAYARA manifestou a importância da participação de duas entidades técnicas, qualificadas, sem dependência política e econômica na participação do plano de ação. O Ministério Público propôs a criação de uma Câmara Técnica (com composição plural), específica, dentro do Fórum de Mudança Climática, capaz de analisar progressivamente a entrega das etapas do projeto e contribuir com o resultado final. A Juíza, Dra. Patricia Antunes Laydner, destacou que essa proposta favorece a participação da sociedade civil a cada etapa da elaboração do plano, mantendo o diálogo entre as empresas selecionadas com esse Comitê.
Quanto ao Estado do Rio Grande do Sul, foi concedido o prazo de 15 dias para a análise e aprovação da proposta do MP. Também foi determinada a suspensão do prazo contestatório.
Do Instituto Internacional Arayara, estiveram presentes na 20ª Vara Cível e de Ações Especiais da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, Dr. Rafael Echeverria Lopes, Dr. John Würdig e Dr. Juliano Bueno de Araújo, diretor da instituição. O Estado do Rio Grande do Sul foi representado pela Procuradora do Estado, Dra. Lívia Deprá Camargo Sulzbach; o Procurador do Estado, Dr. Felipe Lemons Moreira; e a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura, foi representada por Otávio Pereira de Lima e Alexandre Pantaleão da Silva Priebe.
Plano ProClima 2050 e suas contradições
Lançado em 2023, o programa ProClima 2050 prometia enfrentar as mudanças climáticas com base em pilares como a Transição Energética Justa e a redução de emissões de gases de efeito estufa. Contudo, o Instituto ARAYARA questiona sua eficácia diante das catástrofes climáticas sem precedentes. A concessão de licitação para um Plano de Transição Energética pró-carvão contradiz os objetivos do ProClima 2050 e reforça um modelo energético poluente.
A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA-RS) afirma que o Plano de Transição Energética Justa (PTEJ) segue os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para a mineração de carvão e geração termelétrica nas regiões carboníferas do estado, alinhado ao ProClima 2050. No entanto, o processo de contratação do plano segue uma legislação pró-carvão, semelhante ao que ocorreu em Santa Catarina, onde a transição energética justa foi distorcida pelo lobby da indústria do carvão. O edital para consultoria do PTEJ foi publicado após as inundações de setembro de 2023, que afetaram milhares de pessoas no RS.
O Papel do Carvão e o Futuro Energético do RS
A indústria de carvão mineral e geração termelétrica tem grande importância econômica em municípios do Rio Grande do Sul, especialmente nas regiões de Baixo Jacuí e Campanha, onde cinco minas estão ativas. Candiota possui a maior jazida de carvão do Brasil, mas com baixo rendimento devido ao alto teor de cinzas e enxofre. Duas usinas termelétricas, Candiota III e Pampa Sul, operam na região, com contratos até 2024 e 2043, respectivamente.
Apesar da relevância socioeconômica, várias usinas a carvão foram desativadas entre 1974 e 2017, e outras mais podem ser fechadas devido ao fim de subsídios e concessões. Diante do compromisso do Rio Grande do Sul de neutralizar emissões de gases de efeito estufa até 2050, o Plano de Transição Energética Justa visa substituir essa matriz energética poluente e reduzir emissões, levando em conta os impactos sociais e econômicos.
Nos últimos 22 anos, o Rio Grande do Sul extraiu e processou volumes significativos de carvão mineral. A Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), formada em 2006, tem sido criticada por greenwashing ao tentar passar uma imagem de sustentabilidade, enquanto, na prática, faz o oposto.
Em 2022, o Brasil produziu 11,5 milhões de toneladas de carvão bruto (ROM), com o Rio Grande do Sul contribuindo com 5 milhões de toneladas. A produção de carvão vendável para fins energéticos no estado foi de 4,2 milhões de toneladas, majoritariamente consumidas pelas usinas Pampa Sul e Candiota III. A COPELMI, CRM e Seival Sul foram as empresas responsáveis pela maior parte dessa produção.
Compromisso com a transição energética
O Instituto Internacional Arayara defende uma Transição Energética Justa no Rio Grande do Sul e denuncia o impacto devastador das políticas pró-carvão. Nicole Oliveira, diretora-executiva da instituição, reforça que o futuro do estado depende de um compromisso real com a proteção climática.
“A insistência no uso de carvão coloca o estado em uma trajetória perigosa. Somente com uma mudança estrutural nas políticas energéticas e ambientais será possível mitigar os impactos climáticos e proteger as gerações futuras”, concluiu.
por Nicole Oliveira | 17, dez, 2019 | Carvão Mineral, Indígenas, Mina Guaiba, Notícias |
O Ministério Público Federal, através do Procurador da República,
Pedro Nicolau Moura Sacco, manifestou-se favoravelmente ao pedido de suspensão
imediata do processo de licenciamento da Mina Guaíba, requerido à Justiça
Federal através de uma Ação Civil Pública (ACP) assinada pelo Instituto Arayara
em parceria com Associação Indígena Poty Guarani, em outubro de
2019.
O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental
(EIA-RIMA) do projeto ignorou a presença de aldeias indígenas na área diretamente
afetada pela Mina Guaíba. O erro foi cometido tanto pelo órgão ambiental
licenciador, Fepam, quanto pelo empreendedor, Copelmi. A legislação vigente é
muito clara e objetiva: os licenciamentos devem ter consulta prévia, livre e
informada dos povos indígenas e tradicionais. No caso da Mina Guaíba, foram
excluídos os indígenas da Associação Indígena Poty Guarani, a Aldeia
(TeKoá) Guajayvi.
O MPF questionou a FUNAI sobre o processo de
licenciamento e a autarquia afirmou que não foi consultada nem pela Fepam, nem
pela Copelmi; e afirma, ainda, que tomou conhecimento do empreendimento através
de ofícios encaminhados pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas
(CEPI) e pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul.
Diz o Procurador: “Sem qualquer contato
com os indígenas, tampouco houve algum movimento por parte da FEPAM e da
Copelmi no sentido da realização da consulta prévia da Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho sobre direitos dos povos indígenas e
tribais”.
Ações civis públicas pedem suspensão do licenciamento da Mina Guaíba
Sacco também questionou a Fepam sobre os procedimentos adotados: “Além de informar a FUNAI da lacuna do EIA-RIMA apresentado pela Copelmi, o MPF buscou esclarecer a FEPAM acerca da necessidade de elaboração do componente indígena do Estudo. No começo de setembro passado, este subscritor entregou ofício e documentos a respeito das duas citadas comunidades indígenas em mãos à Diretora-Presidente da fundação, em encontro na Procuradoria da República em Porto Alegre, do qual também participaram membros da equipe técnica responsável pelo licenciamento da Mina Guaíba”.
Para Pedro Nicolau Moura Sacco, o EIA do projeto Mina Guaíba deveria contar com o chamado Componente Indígena, em vista da presença de duas comunidades Mbyá-Guarani a menos de 8 quilômetros das áreas de influência direta e do empreendimento. “Empreendedor e órgão licenciador, ora réus, foram informados a respeito e ainda não tomaram medidas para o início da elaboração desse documento”, acrescentou em seu parecer o Procurador.
Ao fim, Procurador dá seu parecer: “Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se favoravelmente ao pedido dos autores de tutela cautelar para suspensão imediata do processo de licenciamento do projeto Mina Guaíba, pois há prova inequívoca da verossimilhança do direito, isto é, da necessidade de inclusão de Componente Indígena no EIA-RIMA e de realização de consulta prévia livre e informada às comunidades indígenas afetadas. Também é evidente o risco ao direito da comunidade Mbyá-Guarani Guaijayvi pela continuidade do processo de licenciamento.”
Juliano Bueno, diretor do Instituto Arayara, celebrou a decisão do MPF: “Os povos indígenas devem ser ouvidos e respeitados. É o que determina a lei. E o MPF referenda isso. O momento é delicado para os povos indígenas, por isso lançamos na COP25 um documentário que levou a voz deles ao mundo. No documentário está incluída a voz do Cacique Santiago, que terá sua aldeia afetada em caso de aprovação do licenciamento desse monstro chamado Mina Guaíba”.