O Instituto Internacional Arayara defende que o setor termelétrico movido a carvão mineral deixe de existir no estado
Caroline Oliveira
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Plano deve ser incluído no processo de reconstrução da região após as fortes chuvas do primeiro semestre – Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
O estado do Rio Grande do Sul foi alvo de uma ação civil pública protocolada pelo Instituto Internacional Arayara, que exige a elaboração de um plano de transição energética no processo de reconstrução da região após as fortes chuvas do primeiro semestre. A entidade defende que o planejamento seja apresentado em, no máximo, trinta dias.
A organização, que atua na defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e da justiça social, pediu que seja realizado o descomissionamento progressivo do setor termelétrico movido a carvão mineral, ou seja, que o recurso deixe de ser utilizado.
“Buscamos com essa ação fomentar um conjunto de ações, políticas e transformações que não somente permitam que territórios se recuperem dos impactos climáticos, mas que também contribuam para a transformação econômica regional e a eliminação da crise climática em uma única geração”, afirma a diretora-executiva da Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira.
Hoje, o Rio Grande do Sul tem algumas instalações termelétricas, como a Candiota III, abastecida pela maior mina de carvão a céu aberto do Brasil, e a usina Pampa Sul. Segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), essas instalações são classificadas como as menos eficientes e as que mais emitem gases de efeito estufa por unidade de energia no país.
Nesse cenário, o Instituto Internacional Arayara afirma que essas instalações devem ser substituídas por fontes de energia mais baratas e seguras. “Essas usinas são grandes consumidoras de água, uma vez que precisam dela para gerar vapor. Ou seja, nos momentos de crise hídrica, essas termelétricas competem por água potável porque elas drenam esse recurso das bacias hidrográficas onde estão localizadas”, afirma o diretor de estratégia e campanhas do Instituto Internacional Arayara e da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (Coesus), Juliano Bueno de Araújo.
O Rio Grande do Sul, no final do ano passado, chegou a lançar o ProClima 2050, que tem como um dos objetivos a transição energética. A organização questiona, no entanto, se as demandas para esse processo estão bem definidas no programa, ainda mais diante da catástrofe sem precedentes que ocorreu este ano.
A coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, afirma que a reconstrução do estado deve incluir “a transição energética como componente importante e também a garantia de que as decisões nesse campo ocorram de forma participativa”. “A prioridade para termelétricas movidas a combustíveis fósseis não é aceitável em um estado que sofreu as gravíssimas consequências da crise climática.”
Em resposta à reportagem, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) afirmou que ainda não foi intimada da ação e apresentará manifestação oportunamente.
O Ministério Público Federal, através do Procurador da República,
Pedro Nicolau Moura Sacco, manifestou-se favoravelmente ao pedido de suspensão
imediata do processo de licenciamento da Mina Guaíba, requerido à Justiça
Federal através de uma Ação Civil Pública (ACP) assinada pelo Instituto Arayara
em parceria com Associação Indígena Poty Guarani, em outubro de
2019.
O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental
(EIA-RIMA) do projeto ignorou a presença de aldeias indígenas na área diretamente
afetada pela Mina Guaíba. O erro foi cometido tanto pelo órgão ambiental
licenciador, Fepam, quanto pelo empreendedor, Copelmi. A legislação vigente é
muito clara e objetiva: os licenciamentos devem ter consulta prévia, livre e
informada dos povos indígenas e tradicionais. No caso da Mina Guaíba, foram
excluídos os indígenas da Associação Indígena Poty Guarani, a Aldeia
(TeKoá) Guajayvi.
O MPF questionou a FUNAI sobre o processo de
licenciamento e a autarquia afirmou que não foi consultada nem pela Fepam, nem
pela Copelmi; e afirma, ainda, que tomou conhecimento do empreendimento através
de ofícios encaminhados pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas
(CEPI) e pela Procuradoria da República no Rio Grande do Sul.
Diz o Procurador: “Sem qualquer contato
com os indígenas, tampouco houve algum movimento por parte da FEPAM e da
Copelmi no sentido da realização da consulta prévia da Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho sobre direitos dos povos indígenas e
tribais”.
Sacco também questionou a Fepam sobre os procedimentos adotados: “Além de informar a FUNAI da lacuna do EIA-RIMA apresentado pela Copelmi, o MPF buscou esclarecer a FEPAM acerca da necessidade de elaboração do componente indígena do Estudo. No começo de setembro passado, este subscritor entregou ofício e documentos a respeito das duas citadas comunidades indígenas em mãos à Diretora-Presidente da fundação, em encontro na Procuradoria da República em Porto Alegre, do qual também participaram membros da equipe técnica responsável pelo licenciamento da Mina Guaíba”.
Para Pedro Nicolau Moura Sacco, o EIA do projeto Mina Guaíba deveria contar com o chamado Componente Indígena, em vista da presença de duas comunidades Mbyá-Guarani a menos de 8 quilômetros das áreas de influência direta e do empreendimento. “Empreendedor e órgão licenciador, ora réus, foram informados a respeito e ainda não tomaram medidas para o início da elaboração desse documento”, acrescentou em seu parecer o Procurador.
Ao fim, Procurador dá seu parecer: “Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se favoravelmente ao pedido dos autores de tutela cautelar para suspensão imediata do processo de licenciamento do projeto Mina Guaíba, pois há prova inequívoca da verossimilhança do direito, isto é, da necessidade de inclusão de Componente Indígena no EIA-RIMA e de realização de consulta prévia livre e informada às comunidades indígenas afetadas. Também é evidente o risco ao direito da comunidade Mbyá-Guarani Guaijayvi pela continuidade do processo de licenciamento.”
Juliano Bueno, diretor do Instituto Arayara, celebrou a decisão do MPF: “Os povos indígenas devem ser ouvidos e respeitados. É o que determina a lei. E o MPF referenda isso. O momento é delicado para os povos indígenas, por isso lançamos na COP25 um documentário que levou a voz deles ao mundo. No documentário está incluída a voz do Cacique Santiago, que terá sua aldeia afetada em caso de aprovação do licenciamento desse monstro chamado Mina Guaíba”.
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