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 Silêncio da Termo Norte amplia indignação contra projeto da UTE Brasília

Em meio à crescente mobilização social e a críticas contundentes, a Câmara dos Deputados sediou na manhã da última terça-feira (13) um seminário para debater os impactos socioambientais da Usina Termelétrica (UTE) Brasília, projeto da empresa Termo Norte Energia. Organizado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o evento reuniu parlamentares, especialistas, representantes de movimentos sociais, órgãos públicos e estudantes da Escola Classe Guariroba — unidade que pode ser removida para dar lugar à construção da usina.

Transmitido ao vivo pelo YouTube da Câmara, o seminário foi proposto pelos deputados Nilto Tatto (PT-SP), Clodoaldo Magalhães (PV-PE) e Professor Reginaldo Veras (PV-DF), com mediação da deputada Erika Kokay (PT-DF).

Estiveram presentes na mesa de debates o diretor técnico do Instituto Internacional ARAYARA, Juliano Bueno de Araújo; Newton Vieira, do Movimento Salve o Rio Melchior; a professora Walquíria Gonçalves, da Escola Classe Guariroba; o deputado distrital Max Maciel; e Isabelle Avon, coordenadora nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Representantes da ADASA, IBAMA e da Frente Nacional dos Consumidores participaram remotamente. A Termo Norte Energia não enviou representantes.

UTE Brasília: alvo de críticas

Projetada para operar com gás natural e gerar 1.470 megawatts — energia suficiente para abastecer uma cidade de médio porte, segundo dados da ARAYARA —, a UTE Brasília é alvo de fortes críticas devido aos potenciais impactos ambientais, sociais e econômicos.

“O que está em jogo não é só o clima, são os direitos humanos. Nunca vi um projeto que pretende demolir uma escola pública em pleno funcionamento para instalar uma termelétrica”, denunciou Juliano Bueno de Araújo. Ele também denunciou o que chamou de “racismo ambiental”, destacando que a escolha da localização da usina recai sobre áreas periféricas do DF, como Ceilândia e Samambaia.

Araújo também alertou para os efeitos sobre a já comprometida qualidade do ar no Distrito Federal, considerada um dos principais problemas de saúde pública da região, especialmente diante do agravamento das mudanças climáticas. Segundo ele, a instalação da usina agravaria ainda mais esse cenário.

Doutor em Riscos e Emergências Ambientais, Araújo também chamou atenção para o risco de intensificação da crise hídrica local, citando a situação do Rio Melchior, de onde a usina pretende captar 144 mil litros de água por dia para resfriamento. Ele explicou que 94% desse volume seria devolvido ao rio em temperatura elevada, agravando as condições de um curso d’água já classificado como de classe 4 — o pior nível de qualidade, que proíbe qualquer uso humano, como pesca, irrigação ou banho.

 

 

Escola ameaçada: o futuro em risco

A possível remoção da Escola Classe Guariroba, que atende mais de 360 crianças, é uma das principais preocupações dos moradores da região. Estudantes, professores e pais participaram do seminário para denunciar os riscos de fechamento da unidade, construída com recursos públicos no valor de R$ 4,5 milhões.

A professora Walquíria Gonçalves alertou para os riscos às nascentes da região e para a escassez de água que pode ser agravada pela instalação da usina. “Somos uma comunidade de trabalhadores e agricultores que ainda dependem do rio. E se tirarem a escola e poluírem a água, como essas famílias vão viver?”, questionou.

Estudantes do 5º ano, como Sofie e Sheila, deram depoimentos emocionantes. Sofie relatou que o rio Melchior, antes limpo, hoje está marrom e tomado por lixo. “A poluição da Usina pode gerar câncer e problemas respiratório para toda a comunidade”, afirmou. Já Sheila falou sobre o acolhimento recebido na escola e expressou medo de perder o espaço que considera um lar.

Mobilização cresce e ações legais avançam

O seminário acontece em um contexto de amplificação da resistência popular à UTE Brasília. Uma petição online contra o projeto já acumula mais de 500 mil assinaturas. Na 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, uma moção de repúdio à usina foi aprovada por ampla maioria.

Em março, a ARAYARA ingressou com uma Ação Civil Pública na Vara de Meio Ambiente do DF, pedindo a suspensão das outorgas de uso da água concedidas pela ADASA ao projeto. Segundo a entidade, os dados utilizados para a concessão estão desatualizados e o projeto é inviável do ponto de vista hídrico.

A superintendente da ADASA, Juliana Gomes, defendeu que a agência se limitou à análise do uso da água e que as outorgas seguiram os trâmites legais. Erika Kokay rebateu, apontando que o estudo usado como base tem mais de uma década e não reflete a situação atual do rio. Ela também ressaltou a A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Rio Melchior na CLDF (Câmara Legislativa do DF) vai apurar, além das causas de poluição do corpo d’água, a proposta de instalação de uma usina termelétrica em Brasília entre as regiões de Samambaia e Recanto das Emas. Entretanto, a  terceira reunião ordinária da CPI foi cancelada na ultima quinta-feira (24), pela terceira vez por falta de quórum.

Confira as fotos:

2025-05-13 Seminario UTE Brasilia  Camara Deputados-12

Licenciamento indefinido e nova audiência

O representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Wagner da Silva, informou que o processo de licenciamento ambiental da UTE Brasília ainda está em análise e que nenhuma licença foi emitida até o momento. “Estamos avaliando se o empreendimento tem ou não viabilidade ambiental”, disse. Silva elencou algumas das preocupações do órgão com o projeto da UTE Brasília. Alguns pontos que chamam atenção, segundo ele, são as condições de dispersão atmosférica dos gases a serem gerados pela usina no Distrito Federal; ruídos pela geração termelétrica; condições do Rio Melchior.

Uma nova audiência pública para discutir o Estudo de Impacto Ambiental foi marcada para o dia 17 de junho de 2025, às 19h. A data foi redefinida após decisão judicial motivada por ação da ARAYARA.

Críticas ao modelo energético

Especialistas também questionaram o modelo energético adotado. Luiz Eduardo Barata, atual presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, alertou que a construção da UTE exigiria um gasoduto de alto custo, o que pode encarecer a tarifa de energia. “Essa usina não agrega valor ao sistema elétrico nacional. Só é um bom projeto quando todos ganham — e esse claramente não é o caso”, afirmou. Barata ressaltou que o este debate acontece num momento oportuno, em que o congresso vai avaliar o veto do PL das Eólicas Offshore, instrumento que tem sido utilizado para viabilizar a instalação da hidrelétrica.

Pedro Ivo, do Fórum de Defesa das Águas, e Newton Vieira, do Movimento Salve o Rio Melchior, reforçaram os alertas sobre os impactos da crise hídrica e da qualidade do ar. “Uma termelétrica é a sucata do mundo industrial. Esse projeto é inaceitável para Brasília”, disse Pedro.

O gerente de Transição Energética da ARAYARA, o engenheiro ambiental John Wurdig, ressaltou que a usina mais que dobraria as emissões de carbono, indo na contramão do decreto sancionado pelo governador do DF, Ibaneis Rocha, que estabelece o plano de neutralidade de carbono — omitido no Estudo de Impacto Ambiental e no Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA).

Um debate que promete se intensificar

O deputado Max Maciel criticou a ausência de representantes da empresa proponente no evento: “O real interessado nunca aparece em nenhum debate, sequer para apresentar as defesas técnicas do empreendimento. O que o DF e o Brasil ganham com esse projeto? Um país que vai sediar a COP e que poderia pensar em outras matrizes energéticas.Já temos um aterro sanitário e um rio morto, de categoria IV. Mas não é porque o rio está deste jeito que vamos permitir mais esse empreendimento para agravar ainda mais essa situação, pontuou”.

“Com certeza, esse projeto não beneficia a população. O que trará é apenas poluição do ar, desmatamento do Cerrado e aumento da escassez de água, quando já sofremos com secas extremas”, afirmou Isabelle Avon, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Ela também destacou que não há gás fóssil disponível no Distrito Federal, o que exigiria a construção de um gasoduto de 800 quilômetros — o Brasil Central —, ligando São Carlos (SP) ao DF. Segundo a ARAYARA, esse projeto pode dobrar as emissões de gases de efeito estufa no setor de energia de todo o Distrito Federal.

O seminário evidenciou o engajamento crescente de diversos setores da sociedade contra a instalação da UTE Brasília. Enquanto especialistas apontam falhas técnicas e ambientais no projeto, a população afetada exige respeito aos direitos humanos e à proteção ambiental. “Estamos falando do futuro das crianças, da saúde pública, da água e do clima. Não há justificativa moral, técnica ou econômica para que esse projeto siga adiante”, concluiu o diretor da ARAYARA.

A pauta deverá permanecer em destaque nos próximos meses, especialmente com o retorno da CPI do Rio Melchior na Câmara Legislativa do DF, que investiga os impactos da usina na qualidade da água e na legalidade do processo de licenciamento.

Ao final do seminário, a deputada Erika Kokay encaminhou dois pedidos: a inclusão da pauta no Conselho Nacional, para debater os impactos hídricos e a situação da escola, e a formalização de uma denúncia junto ao Ministério dos Direitos Humanos.

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