No último dia 5/6, o Instituto Internacional ARAYARA, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Kretã Kaingang, coordenador executivo da APIB/Sul, realizou a segunda oficina informativa sobre os riscos associados ao 5º Ciclo da Oferta Permanente da ANP, que acontece no próximo dia 17/6. O encontro ocorreu na Aldeia Rio Verde, no estado do Mato Grosso, e contou com a participação de lideranças de nove Terras Indígenas do povo Haliti-Paresi, que somam mais de 2.800 pessoas na região.
A oficina teve como objetivo informar sobre os possíveis impactos socioambientais da exploração de petróleo em blocos ofertados pela ANP que incidem diretamente sobre áreas de influência de territórios indígenas.
De acordo com dados do Monitor Amazônia Livre de Petróleo , 20 blocos ofertados para exploração por fraturamento hidráulico, conhecido como fracking, estão sobrepostos a cinco aquíferos estratégicos na região do Mato Grosso: Ronuro, Parecis, Alto Paraguai, Pantanal e Fraturado Centro-Sul. A exploração nessas áreas levanta preocupações ambientais e sociais significativas, já que se estima que mais de 550 mil pessoas possam ser diretamente impactadas.
Outra preocupação levantada por estudos técnicos da ARAYARA é que cada poço perfurado por essa técnica pode consumir até 61 milhões de litros de água doce, recurso vital que, nesse contexto, é retirado de regiões hidrogeológicas sensíveis. Além disso, os fluidos utilizados no fracking podem conter mais de 1.600 substâncias químicas, entre elas metais pesados e compostos radioativos, elevando os riscos de contaminação dos aquíferos e comprometimento da saúde humana e ambiental.
Violação do direito de consulta livre
Segundo o analista técnico, climático e de geociências, Joubert Marques, as lideranças presentes nas oficinas demonstraram surpresa, indignação e preocupação ao tomarem conhecimento do leilão — revelando que não foram previamente informadas, nem mesmo pela Fundação Nacional dos Povos Indígena – FUNAI, o que configura uma grave violação ao direito de consulta livre, prévia e informada, conforme previsto na Convenção 169 da OIT.
Como resposta imediata, os participantes redigiram uma carta oficial ao órgão indigenista oficial brasileiro, exigindo explicações, o cancelamento do leilão e a retirada dos blocos sobrepostos às suas terras.
O cacique Narciso, da Aldeia Quatro Cachoeiras, criticou a postura do governo e da ANP.“A ANP não consultou nem a FUNAI, nem as comunidades indígenas. Eles deveriam sair do Rio de Janeiro, vir aqui, reunir o povo e conversar. Nesse ponto, cometeram um erro muito grave. O governo precisa respeitar as comunidades, porque a riqueza deles está em cima do nosso território.”
Já Deriuda, da Aldeia Bataval, expressou sua preocupação com o futuro das novas gerações. “Como mulher, vejo que nosso território está cercado. Nós, indígenas, não podemos explorar o que temos, porque dizem que a terra é da União. E agora querem tirar ainda mais. Nossa infância foi muito melhor que o presente. Nossos filhos e netos vão sofrer ainda mais.”
Miriam, da Aldeia Pacava, relembrou as lutas históricas do povo Haliti e destacou a importância da mobilização. “Essa oficina foi fundamental. Já passamos por muitas batalhas, como a demarcação da terra de Utiariti. Pensávamos que a monocultura fosse a última ameaça, mas agora vem o petróleo.”
Para Kretã Kaingang, a oficina trouxe o debate nacional para quem será diretamente impactado. “O desafio foi traduzir os impactos do leilão em uma linguagem acessível, mas mobilizadora. É fundamental que os povos saibam o que está acontecendo.”
A equipe da ARAYARA também destacou a importância do momento. Paula Guimarães afirmou: “Os povos indígenas precisam ser informados desde o início dos processos, e não quando já está tudo decidido. São os mais afetados e os últimos a saber.”
Marques reforçou a importância da iniciativa da ARAYRA. “As oficinas são essenciais para garantir que direitos não sejam novamente violados. Muitos chegaram achando que fôssemos representantes da própria indústria de petróleo, tamanha a falta de informação oficial. Estavam completamente no escuro.”
O diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno de Araújo, destacou que as oficinas reforçam a urgência de garantir processos de consulta real e transparente aos povos indígenas frente ao avanço de empreendimentos de alto impacto ambiental, como a exploração de petróleo e gás. “A exclusão sistemática dessas comunidades das decisões que afetam seus territórios segue sendo uma das principais violações aos seus direitos fundamentais”, destacou.
ARAYARA contesta leilão da ANP
Segundo Araújo, a implantação do fracking no Mato Grosso, prevista em blocos ofertados pela ANP no 5º Ciclo de Oferta Permanente, expõe a população local e o meio ambiente a riscos críticos. “A prática ameaça aquíferos estratégicos, compromete a produção agropecuária e gera impactos socioambientais e climáticos, em desacordo com princípios de precaução e compromissos de segurança hídrica e alimentar do Brasil”, ressalta.
Outro ponto destacado por Araújo é a falta de consulta prévia, livre e informada às comunidades locais — direito garantido pela Convenção 169 da OIT e pela Constituição Federal. “Atualmente, 230 territórios tradicionais já estão sob pressão da cadeia do petróleo, afetando cerca de 28% das terras indígenas no Brasil”, pontuou.
A ARAYARA moveu cinco ações civis públicas, em cinco Estados diferentes, contra o leilão marcado para o dia 17/6. A organização pede a exclusão de um total de 117 dos 172 blocos previstos para serem ofertados. Araújo alerta que a licitação se baseia em uma manifestação conjunta dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente de 2020, que expira em 18 de junho — um dia após o leilão. Apesar disso, os contratos estão previstos para serem assinados apenas em novembro. Para saber mais, acesse: https://leilaofossil.org/