Proposto pelo Brasil e lançado oficialmente durante a COP 30 em Belém. Este mecanismo busca mobilizar recursos permanentes para conservação de florestas tropicais através de um modelo financeiro que combina capital público e privado.
O atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou essa iniciativa pela primeira vez durante a COP 28 em Dubai (2023). Liderado pelo Brasil em parceria com um Comitê Diretor Provisório (Interim Steering Committee) composto por seis países com florestas tropicais: Brasil, Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia junto de outros cinco países patrocinadores potenciais: Alemanha, Emirados Árabes Unidos, França, Noruega e Reino Unido.
Em outubro de 2025, o Banco Mundial confirmou oficialmente seu papel como fiduciário (atua principalmente como gestor financeiro e administrativo, garantindo que os fundos sejam recebidos, mantidos, investidos e transferidos de acordo com as instruções do órgão governante do fundo e dentro dos padrões estabelecidos) e como anfitrião interino do secretariado do TFFF.
A arquitetura financeira do TFFF opera em duas camadas:
1 ● Tropical Forest Investment Fund (TFIF): o braço do investimento do fundo, responsável por captar e gerenciar recursos. A meta é arrecadar US$ 25 bilhões em capital patrocinador de países investidores e organizações filantrópicas, que servirá como “capital júnior”. Este capital, ao aceitar um risco ligeiramente maior, atrairia mais US$ 100 bilhões em “capital sênior” de investidores privados através da emissão de títulos no mercado internacional, totalizando US$ 125 bilhões.
2 ● Tropical Forest Forever Facility (TFFF): Os recursos do TFIF seriam investidos em um portfólio diversificado de títulos de renda fixa, principalmente de mercados emergentes. O rendimento destes investimentos, após o pagamento de juros aos investidores privados e aos países patrocinadores, seria direcionado para pagamentos baseados em resultados aos países que conservam suas florestas.
Os US$ 125 bilhões predominam em um portfólio de títulos de renda fixa de mercados emergentes e em desenvolvimento, principalmente títulos governamentais e alguns títulos corporativos.
O modelo projeta gerar entre US$ 3 a 4 bilhões anuais para distribuição aos países com florestas tropicais, com base em um pagamento de US$ 4 por hectare de floresta conservada. O monitoramento seria realizado através de dados de satélite, e países com taxas de desmatamento abaixo de 0,5% ao ano seriam elegíveis. Crucialmente, o TFFF estabelece penalidades: para cada hectare desmatado, 100 hectares serão deduzidos do pagamento (equivalente a US$ 400 por hectare desmatado).
➢ Estes fundos visam gerar um retorno de investimento anual de 7,5 a 7,6%, em que desse retorno 4,9% será pago aos investidores privados (aqueles do grupo de US$ 100 bilhões) chegando a um montante aproximado de US$ 6,1 bilhões anuais, funcionando como um investimento de renda fixa de risco moderado.
➢ O capital patrocinador de US$ 25 bilhões recebe juros ao longo dos anos e será reembolsado gradualmente e após um período de carência (10 anos) em parcelas. O retorno sobre esse capital é igual ao seu custo de captação de empréstimos (basicamente, a taxa de juros que o país teria que pagar se pedisse esse dinheiro emprestado nos mercados internacionais).
➢ A diferença entre o que o fundo ganhou (7,6%) e o que pagou aos investidores (4,9%) gera um spread de aproximadamente 2,7%, que equivale a cerca de US$ 3,4 bilhões anuais disponíveis para pagamentos aos países florestais. Este é o dinheiro 3 que chega aos países tropicais como pagamento de US$ 4 por hectare de floresta conservada.
2. Apoio Internacional e Situação Atual da Implementação
No lançamento oficial em 6 de novembro de 2025, durante a Cúpula do Clima que precedeu a COP30, o TFFF alcançou US$ 5,5 bilhões em compromissos iniciais:
● Noruega: US$ 3 bilhões (condicionados ao fundo alcançar US$ 10 bilhões até o final de 2026 e à contribuição norueguesa não exceder 20% do total)
● Brasil: US$ 1 bilhão;
● Indonésia: US$ 1 bilhão;
● França: US$ 500 milhões;
● Portugal: US$ 1 milhão;
● Holanda: US$ 5 milhões;
China, Índia e Reino Unido declinaram investir no fundo durante a COP30, apesar de sinalizações anteriores de interesse. Negociadores chineses indicaram apoio em princípio, mas citaram o princípio de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” como justificativa para não comprometer recursos financeiros.
A Alemanha, apesar de participar do comitê diretor, ainda não anunciou compromissos específicos de financiamento.
3. Posicionamento do Instituto Internacional ARAYARA sobre o Tropical Forests Forever Facility (TFFF)
Proteção permanente das florestas não pode se reduzir a um produto financeiro
O Tropical Forests Forever Facility (TFFF) surge em um momento em que a governança climática internacional enfrenta um déficit alarmante de financiamento de longo prazo para a proteção das florestas tropicais. A ARAYARA reconhece a relevância política da proposta — especialmente para países com grandes coberturas florestais — e celebra que o Brasil, a Amazônia e os povos indígenas tenham assumido protagonismo na COP30.
No entanto, esse reconhecimento não nos impede de afirmar que o desenho atual do TFFF apresenta fragilidades estruturais sérias, que podem comprometer tanto sua efetividade quanto sua justiça ambiental. Como organização com mais de três décadas de atuação em proteção territorial, direitos coletivos e combate às causas reais das mudanças climáticas, destacamos as seguintes preocupações:
a. Um mecanismo que prioriza investidores antes das florestas
O TFFF repete a lógica de inúmeros instrumentos de blended finance: o risco é socializado, o retorno é privatizado. Antes que qualquer recurso chegue às florestas tropicais, o fundo paga:
1. investidores privados detentores de US$ 100 bilhões
2. países patrocinadores do capital “júnior”
3. e apenas o residual — cerca de 2,7% — chega aos países florestais. Isso equivale a US$ 3,4 bilhões anuais disponíveis para pagamentos aos países florestais. Para fins de comparação, o Fundo Amazônia sozinho já acumulho R$4 bilhões em doações, com o último anúncio de doação de 20 milhões de Euros da União Européia durante a COP30.
Isso significa que mais de 95% do rendimento anual do TFFF não é direcionado à conservação, mas ao sistema financeiro. A natureza vira colateral; os povos da floresta, beneficiários residuais. Isso não é compatível com o discurso de justiça climática.
b. Pagamentos de US$4 por hectare: insuficientes, desatualizados e desconectados da realidade
O pagamento projetado — US$ 4 por hectare conservado — é irrisório diante do valor econômico, climático, cultural e civilizatório das florestas tropicais. Para os povos indígenas e comunidades tradicionais, que receberiam apenas 20% desse valor, estamos falando de US$ 0,80 por hectare.
Esse montante não cobre custos de vigilância e proteção territorial, não financia alternativas econômicas sustentáveis e não compensa a pressão de cadeias globais altamente lucrativas (mineração, agropecuária, petróleo e gás, extração madeireira).
O resultado é um paradoxo: o TFFF mensura o valor da floresta viva abaixo do valor da floresta destruída. Hoje, atividades ilegais ou predatórias como garimpo, expansão agropecuária, exploração de madeira e, sobretudo, novos projetos de petróleo e gás geram retornos muitas vezes superiores por hectare. Além disso, ao atrelar o pagamento à ausência de desmatamento, sem incorporar critérios que recompensem modos de vida, economias de base florestal e proteção territorial ativa, o mecanismo falha em reconhecer que a manutenção da floresta depende de investimentos substanciais em soberania indígena, fiscalização, educação, tecnologia e alternativas econômicas reais — muito além de um valor meramente simbólico por hectare.
Em última instância, o TFFF corre o risco de institucionalizar a ideia equivocada de que a vida em pé vale menos, financeiramente, do que as cadeias destrutivas que historicamente violentam os territórios.
c. Governança assimétrica e participação indígena limitada à consulta
Embora exista uma parceria formal com a GATC (Aliança Global de Comunidades Territoriais), os povos indígenas não têm assento com poder de voto nos órgãos decisórios centrais. Isso é inaceitável. Nenhum mecanismo global de florestas tropicais pode funcionar se quem mais protege, quem mais arrisca a vida e quem mais entrega resultados concretos tiver apenas papel consultivo.
A governança atual concentra poder nos países doadores e nos gestores financeiros internacionais, relegando a um plano secundário justamente aqueles que mantêm as florestas de pé há milênios. Embora o discurso oficial enfatize “co-design” e a presença da GATC, na prática os povos indígenas e comunidades tradicionais não possuem poder de voto nas instâncias deliberativas que definem alocação de recursos, critérios de elegibilidade, prioridades territoriais e salvaguardas socioambientais. Trata-se de uma participação consultiva — não decisória — que perpetua o desequilíbrio histórico entre 6 quem financia e quem conserva. Essa assimetria coloca o TFFF em risco de replicar modelos antigos e falidos de governança climática, nos quais decisões sobre a floresta são tomadas longe do território, muitas vezes guiadas por prioridades geopolíticas ou por interesses de mercado. Sem uma governança realmente paritária, o fundo corre o risco de reforçar a tutela sobre povos indígenas em vez de reconhecer sua centralidade como guardiões do clima, reduzindo sua atuação à figura simbólica enquanto o controle efetivo permanece nas mãos de quem não vive os impactos diretos das políticas adotadas.
d. Indicadores incompletos: degradação oculta, crimes invisíveis
O TFFF considera apenas incêndios como parâmetro de degradação, ignorando uma série de vetores que historicamente impulsionam a destruição florestal na Amazônia e em outras regiões tropicais, como extração seletiva de madeira, abertura de estradas ilegais, avanço do garimpo industrial e artesanal, exploração de petróleo e gás, expansão agropecuária, biopirataria, grilagem e a progressiva fragmentação florestal causada por empreendimentos de infraestrutura.
Essa limitação metodológica desconsidera que grande parte da degradação atual ocorre de forma silenciosa e altamente sofisticada, sem necessariamente gerar queimadas detectáveis por satélite. A extração seletiva, por exemplo, remove árvores de alto valor comercial enquanto mantém as outras árvores ao redor parcialmente intactas, mascarando danos profundos à biodiversidade, ao estoque de carbono e à integridade ecológica do território. Estradas clandestinas — muitas vezes abertas por redes criminosas — funcionam como portas de entrada para ciclos de desmatamento em espiral, mas também são invisibilizadas pelo indicador único. Em última instância, essa escolha técnica fragiliza a credibilidade do fundo e limita sua capacidade de proteger o que mais importa: a saúde ecológica real das florestas, e não apenas sua imagem superficial captada por satélites convencionais.
e. Risco real de greenwashing e financeirização da natureza
O TFFF, ao criar um retorno financeiro estável e altamente atraente — cerca de 4,9% ao investidor privado — abre espaço para que corporações e instituições financeiras utilizem o 7 fundo como vitrine de responsabilidade climática, sem necessariamente alterar suas práticas destrutivas. Grandes empresas de petróleo e gás, mineração, agronegócio e finanças poderão declarar apoio ao TFFF como demonstração de “compromisso com a conservação”, enquanto continuam expandindo fronteiras de exploração, impondo monoculturas sobre territórios tradicionais, financiando cadeias de desmatamento indireto e promovendo projetos de alto impacto socioambiental. Na prática, o mecanismo cria um ambiente propício ao greenwashing estrutural: empresas e bancos captam dividendos reputacionais, enquanto seus modelos de negócio seguem pressionando a Amazônia e outras florestas tropicais. O retorno financeiro previsível transforma a floresta em mais um ativo para composição de carteiras, diluindo a urgência de enfrentar os verdadeiros motores da destruição — como subsídios fósseis, expansão petrolífera, mineração em larga escala, e mercados globais que lucram com a devastação. Ao permitir que agentes responsáveis pela crise climática se apresentem como “protetores da floresta”, o TFFF corre o risco de fortalecer narrativas corporativas que desviam o foco da necessidade de regulação dura, responsabilização legal e transição econômica real.
f. Risco de Desincentivo ao Fundo Amazônia
O TFFF, por ser um mecanismo de financiamento misto que busca atrair US$ 100 bilhões do mercado privado a partir de um aporte inicial de “capital júnior” patrocinado por países doadores, pode redefinir a lógica da cooperação internacional e gerar um efeito colateral indesejado: a despriorização de mecanismos baseados exclusivamente em doações, como o Fundo Amazônia. Os países doadores possuem orçamentos limitados para cooperação internacional, e quando o TFFF promete alavancar grandes volumes com menor aporte inicial, muitos governos podem preferir direcionar verbas para o mecanismo que traz retorno financeiro, mesmo que mínimo, gera maior visibilidade política, oferece narrativa de “inovação financeira” e produz impactos quantificáveis para relatórios internacionais. Assim, mecanismos tradicionais como o Fundo Amazônia, GEF ou iniciativas bilaterais podem ser percebidos como “menos eficientes” ou “menos modernos”, sofrendo risco de enfraquecimento orçamentário.
Além disso, com o TFFF, doadores deixam de ser filantropos ou parceiros de cooperação e passam a ser investidores. Isso altera a natureza da relação, reduzindo o espaço para contribuições não reembolsáveis, substituindo a solidariedade internacional pela lógica de retorno e criando incentivos para “marcar pontos” com aportes menos custosos, além de estimular países a preferirem o papel de investidor júnior ao invés de doador pleno.
Ao anunciar um mecanismo potencialmente capaz de distribuir até US$ 3 a 4 bilhões anuais, existe o risco de que governos do Norte Global utilizem o TFFF como justificativa para reduzir contribuições, postergar compromissos e alegar que “o mercado agora pode assumir o papel central”. Enquanto o TFFF paga por hectare conservado, o Fundo Amazônia financia fiscalização, governança territorial, combate ao desmatamento ilegal, desenvolvimento sustentável, pesquisa e fortalecimento institucional. Apesar de não serem substitutos, alguns doadores podem tratar o TFFF como tal, seja por desconhecimento ou por conveniência política.
g. Falta de transparência e critérios rigorosos sobre o portfolio de investimentos
Outro ponto crítico é a falta de transparência e de critérios rigorosos sobre o portfólio de investimentos do TFFF. O mecanismo prevê a aplicação de até US$ 125 bilhões em títulos de renda fixa de mercados emergentes, mas não estabelece salvaguardas claras para impedir que esses recursos sejam direcionados — direta ou indiretamente — para setores que impulsionam o desmatamento, como petróleo e gás, mineração, monoculturas e cadeias madeireiras de alto risco.
Sem critérios de exclusão ambiental robustos e publicamente verificáveis, o fundo pode acabar financiando os mesmos agentes responsáveis pela destruição que afirma querer combater. O resultado é uma contradição sistêmica: o capital que deveria proteger florestas pode ser investido justamente em empresas e governos que expandem frentes de degradação. A ausência de transparência nos métodos de seleção, auditoria e monitoramento desses ativos compromete a credibilidade do mecanismo e cria um risco real de que o TFFF se transforme, na prática, em um instrumento profundamente incoerente com sua missão socioambiental.
h. Não enfrenta as causas reais do desmatamento
O TFFF não aborda a expansão de petróleo, gás e mineração; o papel de bancos e fundos que financiam a derrubada; a ausência de responsabilização corporativa obrigatória; nem a demanda internacional por commodities baratas que impulsiona a destruição florestal. Ao focar exclusivamente nos resultados de conservação e ignorar os motores sistêmicos do desmatamento, o mecanismo trata os sintomas sem enfrentar as causas.
As grandes petroleiras seguem avançando sobre a Amazônia e outras regiões tropicais; mineradoras aprofundam ciclos de contaminação e violência; e bancos com vasto histórico de financiar a devastação continuam operando sem limites, sem auditorias vinculantes e sem risco jurídico real. Ao mesmo tempo, os mercados globais continuam exigindo soja, carne, ouro e combustíveis fósseis a preços cada vez mais baixos — uma lógica que empurra a fronteira de destruição para dentro dos territórios indígenas, quilombolas e áreas protegidas.
Sem regulamentar esses fluxos financeiros, sem impor responsabilidade legal às corporações e sem reestruturar cadeias de suprimento internacionais, qualquer pagamento por hectare conservado será insuficiente, periférico e facilmente neutralizado pela força das commodities e pelo lobby dos setores extrativistas.
O que o Instituto Internacional ARAYARA defende
Apoiamos mecanismos financeiros inovadores desde que:
● coloquem direitos indígenas e governança comunitária no centro;
● garantam fluxos financeiros proporcionais ao valor da floresta e dos serviços ecossistêmicos;
● utilizem indicadores robustos, abrangentes e transparentes;
● não permitam a manutenção ou expansão de cadeias destrutivas influenciadas pelos mesmos países ou empresas beneficiadas pelo instrumento;
● incluam cláusulas de exclusão contra investimentos com impacto socioambiental negativo;
● ampliem para 50% ou mais o repasse direto às comunidades;
● Estabeleçam mecanismos que impeçam os países recebedores do fundo de explorar combustíveis fósseis e minerar nos territórios das florestas protegidas;
● Garantia de que o Fundo Amazônia continue sendo fortalecido como principal mecanismo de financiamento direto, com governança amadurecida e foco em políticas públicas estruturais;
● Não seja permitido ao TFFF substituir instrumentos baseados em doação, transparência e controle social.
● Adotem uma governança paritária com poder de voto real para povos indígenas e comunidades locais.
O TFFF representa uma oportunidade histórica — mas também um risco histórico. Se ajustado com rigor, transparência e justiça, pode contribuir para proteger florestas. Se implementado como está, corre o risco de se tornar mais um mecanismo que mobiliza grandes cifras, mas entrega poucos resultados reais nos territórios.
A ARAYARA continuará atuando ativamente para que nenhum instrumento financeiro internacional se torne justificativa para a perpetuação do extrativismo, da destruição e do greenwashing corporativo, e para que a Amazônia — e todas as florestas tropicais — sejam tratadas não como commodities, mas como aquilo que realmente são: a base essencial da vida, da economia e do clima que sustenta todas as sociedades humanas.










