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Organizações brasileiras enviam carta à União Europeia contra o “PL da Devastação

Na última terça-feira (28/05), um amplo coletivo de organizações da sociedade civil e comunidade científica brasileira e internacional entregou uma carta aberta a representações diplomáticas internacionais denunciando os riscos associados ao Projeto de Lei 2159/2021 — apelidado de “PL da Devastação”.

O texto, que desmonta pilares da Política Nacional de Licenciamento Ambiental, propõe a flexibilização e até a dispensa da avaliação de impactos socioambientais, inclusive em obras de alto risco. A carta, assinada por diversas entidades, incluindo o Instituto Internacional ARAYARA, pede que os países considerem os riscos do projeto ao avaliar acordos internacionais e que pressionem o governo brasileiro a cumprir compromissos multilaterais de governança climática.

Acesse: Carta Aberta à Presidência do Conselho Europeu

“Especialistas não só do Brasil, mas de vários outros países, alertam que entre tantos impactos, essa medida pode também agravar o desmatamento na Amazônia, acelerar a savanização do bioma e comprometer o equilíbrio climático global, o que traria impactos graves para o abastecimento de água, a agricultura e a segurança alimentar no Brasil e em outras regiões, inclusive na Europa”, alertou Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico da ARAYARA.

Ele acrescenta que a iniciativa busca chamar atenção do Conselho Europeu quanto às ameaças representadas pelo PL no contexto da ratificação do Acordo União Europeia-Mercosul. “O projeto representa um grave retrocesso ambiental e democrático”, completou.

A “mãe de todas as boiadas” avança

Apesar da forte mobilização de ambientalistas, cientistas e movimentos sociais, o Projeto de Lei nº 2.159/2021 foi aprovado no último dia 21 de maio no Senado Federal, por 54 votos a favor e 13 contrários — todos da bancada do PT. Agora, o texto retorna à Câmara dos Deputados para uma nova votação.

“O PL 2159/2021 reduz drasticamente o número de empreendimentos que precisarão de licenciamento ambiental para sair do papel. Além disso, cria uma nova modalidade que permite a um órgão político autorizar obras, independentemente de seus impactos ambientais”, explica Lucas Kannoa, gerente do departamento jurídico da ARAYARA. 

“É um grave retrocesso nas políticas ambientais do país e enfraquece drasticamente o licenciamento ambiental, um dos principais instrumentos de controle, prevenção e mitigação de impactos socioambientais no Brasil”, concluiu.

De acordo com especialistas, o PL impede a análise de danos indiretos — como o desmatamento associado à construção de uma estrada — e viabiliza o chamado “licenciamento express”, permitindo que empresas obtenham licenças automaticamente, via formulário online, sem análise técnica prévia.

Riscos de tragédias e retrocesso climático

John Wurdig, engenheiro ambiental e gerente de Transição Energética da ARAYARA, manifestou preocupação especial com a Emenda 120, aprovada nas comissões do Senado. Segundo ele, a proposta enfraquece o licenciamento ambiental justamente para atividades com alto potencial poluidor, como usinas termelétricas movidas a gás fóssil ou carvão mineral.

“A concessão de licenças simplificadas para empreendimentos desse porte não assegura a segurança energética — pelo contrário, cria um cenário de insegurança jurídica, ao permitir a operação de projetos com mínima avaliação de seus impactos ambientais e sociais”, alertou Wurdig.

Nicole de Oliveira Figueiredo, diretora executiva da ARAYARA, destacou a importância de manter o modelo trifásico de licenciamento ambiental — composto pelas etapas prévia, de instalação e de operação — incluindo suas renovações periódicas.

“Qualquer flexibilização nesse processo compromete não apenas a proteção ambiental, mas também a saúde pública e os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil”, alertou Figueiredo.

Mobilização técnica e institucional

A iniciativa de buscar apoio internacional soma-se às mobilizações já em curso dentro do país. No dia 19 de maio, o Observatório do Clima entregou ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, um dossiê técnico com mais de 100 páginas, detalhando inconstitucionalidades e riscos ambientais associados ao PL.

“O documento evidencia ameaças à segurança jurídica, aponta impactos ambientais severos e reforça a necessidade de uma revisão responsável do texto — especialmente às vésperas da COP30 — para assegurar um licenciamento ambiental robusto e compatível com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”, destaca Figueiredo.

Principais riscos apontados no PL 2159/2021:

-Autolicenciamento: empresas poderão se licenciar automaticamente por meio de formulário online, sem supervisão técnica.

 

-Dispensa para atividades de risco: até 13 tipos de empreendimentos, como ampliações de hidrelétricas, ficariam isentos.

 

-Isenção para o agronegócio: atividades agropecuárias seriam dispensadas de licenciamento.

 

-Impactos sobre recursos hídricos: o projeto elimina a exigência de outorga para uso da água, comprometendo a segurança hídrica.

 

-Transferência de custos ambientais: empresas deixariam de arcar com a reparação de danos, repassando custos à sociedade e ao Estado.

 

“Além dos efeitos diretos sobre o meio ambiente, a proposta ameaça comunidades tradicionais, povos indígenas e unidades de conservação, ampliando desigualdades e conflitos fundiários”, enfatizou Vinicius Nora, biólogo e gerente de operações da ARAYARA.

Licença Ambiental Especial e riscos institucionais

Outro ponto crítico do chamado “PL da Devastação” é a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que autoriza o governo federal a classificar, por decreto, determinados empreendimentos como “prioritários ou estratégicos”. Esses projetos poderão ser liberados de etapas do licenciamento ambiental tradicional, mesmo quando apresentarem alto potencial de degradação socioambiental. A decisão caberá ao Conselho de Governo, composto por ministros de Estado.

Sara Ribeiro, gerente de relações institucionais da ARAYARA, lamenta que esse mecanismo possa facilitar e abrir caminho para a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na região amazônica, favorecendo empreendimentos que, até então, ainda enfrentavam barreiras regulatórias e socioambientais.“O projeto compromete também a imagem internacional do Brasil em pleno ano da COP30,  que acontece no Pará, colocando o país na contramão da agenda climática global”, afirma Ribeiro.

Se aprovado na Câmara, um dos principais setores beneficiados será o agronegócio, que poderá operar sem necessidade de licenciamento ambiental em atividades extensivas, semi-intensivas e intensivas de pequeno porte — inclusive em áreas com vegetação nativa.

Foto: reprodução/ Creative Commons

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