+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Opinião: graças à sua inépcia política e cognitiva, Bolsonaro está isolado

Era inevitável: os desvarios de Jair Bolsonaro finalmente expuseram seu governo à perspectiva real de colapso. Este pode preceder ou ser concomitante ao da Saúde pública. Com um presidente da República que não comanda e age aos faniquitos, sob o barulho diário das panelas, não se pode esperar coisa boa.

Graças à sua inépcia política e cognitiva, Bolsonaro está isolado, sob açoite constante de todas as forças políticas e institucionais do país. Um presidente aquartelado é um presidente que produz problemas e obstrui soluções. Estamos diante de uma crise inédita e complexa, que exige ampla coordenação e colaboração – duas palavras que inexistem no léxico de Bolsonaro.

A erosão da autoridade moral e política do presidente da República, numa crise gravíssima, tem consequências perniciosas para o Brasil. Manieta o combate à pandemia, custa vidas, custa dinheiro, custa governabilidade. A bagunça que vemos hoje custará vidas, emprego e renda amanhã. Ilude-se, ou desconhece a natureza da política, quem pensa que o Brasil pode atravessar exitosamente uma crise dessa magnitude sem um presidente funcional. No melhor dos cenários, o custo Bolsonaro será amortecido por uma atuação acertada, impecável dos governadores. Mas esse custo existirá.
O isolamento de Bolsonaro não é um exagero. Ninguém com influência política respeita o presidente da República. Nem no Congresso, nem no Judiciário, nem entre governadores. Ele não consegue criar seu partido; não tem base no Congresso. Aliados calam-se ou rompem com ele, como Caiado fez hoje. (Quase) Ninguém sequer o defende. Não há robôs suficientes no Twitter para mudar esse cenário.

Como vivemos uma baderna institucional, ignora-se a gravidade de alguns fatos políticos. O vice-presidente desautorizou o presidente. Mourão disse: “A posição do nosso governo, por enquanto, é uma só: o isolamento e o distanciamento social”. Ele falou com aval das principais lideranças de Brasília. Querem que Bolsonaro sinta a brasa do impeachment e crie juízo. Será?

O ministro da Saúde, com ajuda política de muita gente influente, ficou no cargo. Mandetta, ao contrário do que muitos dizem, não é um quadro altamente qualificado. Errou no planejamento para a crise, tardou a agir, especialmente quanto à mobilização para a compra de testes e respiradores, e não ofereceu informações claras sobre os processos de tomada de decisão da pasta. Não aprendeu com as lições da China, de Hong Kong e da Coreia do Sul, por exemplo. Menospreza a necessidade de testar todos os casos suspeitos, entre outras diretrizes da OMS.

Mas, em governo de Bolsonaro, Mandetta parece um iluminado. Apesar de suas limitações, é um médico e conhece o SUS. Falou hoje como político, buscando conciliar o pronunciamento do presidente com as ações de sua pasta. Virou uma gororoba. Mas Mandetta segue nessa caçamba cambaleante, sem ouvir os berros do motorista.

Um exemplo da gororoba: o anúncio da liberação da cloroquina para tratamentos de pacientes com covid-19 em estado grave. Os burocratas da pasta limitaram-se a fornecer informações genéricas sobre a medida. Não explicaram como o Ministério da Saúde chegou à conclusão de que vale a pena estabelecer o novo protocolo. Não explicaram o que sustenta essa decisão e por que ela foi tomada agora. Trata-se de um padrão do Ministério da Saúde nessa crise: não explicar o processo de tomada de decisão.

Debate horizontal
Enquanto o Brasil perdia um dia precioso na guerra contra o covid-19, aprisionado pelos disparates de Bolsonaro, os diretores da OMS ressaltavam, mais uma vez, que lockdowns servem para ganhar tempo – tempo que deve ser usado para testar, isolar e tratar as pessoas doentes, sem que os sistemas de saúde entrem em colapso.

O ataque a ela envolve uma combinação difícil de medidas fortes de saúde pública e de apoio econômico a pessoas e empresas.

O fronte da saúde pública precisa mapear a presença do inimigo. Sem saber onde ele está, é impossível combatê-lo com sucesso no longo prazo. Distanciamento social é necessário, mas insuficiente.

Só se faz isso mediante testes e investigação de contatos suspeitos. Assim se identificam áreas de batalha – de forte contágio e número de casos (hotspots). Ao se fazer isso, mitiga-se o estrago que o inimigo faz. Torna-se possível tratar os doentes e isolar os casos suspeitos.

É uma guerra com muitas batalhas. Esse processo de testar, isolar e tratar leva tempo. Haverá novas ondas – surtos – do vírus. Trabalha-se para que cada onda seja menor.

Essa primeira onda, ou batalha, é a mais difícil. Quem age mais rápido e de modo decisivo na frente da saúde pública tem mais chances de sucesso no curto prazo.

O sucesso no curto prazo permite a retomada das atividades não essenciais do país. Esse ponto é de extrema relevância. Não há vitória se não houver ataque (testes e mapeamento das áreas/pessoas de risco). Apenas defesa (distanciamento social e tratar casos graves) não resolve.

O que seria o curto prazo aqui? 15 dias? Um mês? Não sabemos. Depende do ataque. Por isso não se discute a volta imediata à vida normal.
De qualquer modo, Bolsonaro interditou esse debate. Reduziu algo complexo à questão binária entre vidas x economia. Seguiu as palavras de Trump nas duas últimas coletivas.

É necessário compreender que essa guerra não termina quando sairmos de casa. Não teremos vencido o vírus. Teremos, espera-se, vencido a primeira e mais difícil batalha, impedindo o colapso do sistema de saúde, da economia e do nosso modo de vida.

Idealmente, teremos que conviver com hábitos novos por um bom tempo. Medição de temperatura em locais de aglomeração, uso, sim, de máscaras em muitos casos e algum nível de menor interação social.
É um problema extremamente complexo, multifacetado, que mobiliza as mais brilhantes mentes do mundo. Políticos ignorantes e autoritários são os principais aliados do vírus.

Fiquem em casa.

Diego Escosteguy
© Vortex Media


Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Impactos ambientais e sociais: licenciamento de mina de carvão que abastece a Braskem no Polo Petroquímico de Triunfo é questionado

Na última quinta-feira, a audiência pública sobre o licenciamento da Mina do Cerro, em Cachoeira do Sul (RS), trouxe à tona uma série de questionamentos sobre os potenciais impactos ambientais e sociais deste projeto de mineração de carvão. O processo administrativo, identificado pelo nº 22-0567/21-2, foi aberto junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (FEPAM-RS) e trata

Leia Mais »

Técnicos do Ibama rejeitam licença de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, mas presidente do órgão mantém discussão

Em uma decisão que reflete o impasse entre as áreas técnica e administrativa, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) analisou a concessão de licença para exploração de petróleo pela Petrobras no bloco 59 da Bacia da Foz do Amazonas A nota técnica, assinada por 26 técnicos do órgão, recomendou o arquivamento do pedido da

Leia Mais »

Biodiversidade em perigo: aquecimento dos oceanos e branqueamento dos corais

Entrevistada pelo Instituto Internacional Arayara, a bióloga responsável Biofábrica de Corais, Maria Gabriela Moreno Ávila, explica fenômeno que ameaça a vida marinha na costa brasileira A Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) ocorre a cada dois anos, constituindo o principal fórum internacional para promover a cooperação em prol da conservação e do uso

Leia Mais »

A duas semanas da COP29, o alerta: emissões máximas, esforços mínimos

A liberação de gases de efeito estufa nunca foi tão alta. Ao mesmo tempo, avaliação das contribuições nacionais para contê-los aponta uma redução de apenas 2,6% até 2026, colocando a meta principal do Acordo de Paris em risco   A duas semanas da Conferência do Clima de Baku, no Azerbaijão (COP29), que começa em 11 de novembro, dois documentos da

Leia Mais »