Tomadas como poderosas forças de pressão contra o descaso do governo brasileiro quanto ao desmatamento na Amazônia, as promessas do novo presidente dos EUA de retorno ao Acordo de Paris e financiamento de até 20 bilhões de dólares à proteção ambiental no Brasil precisam ser vistas com as lentes pragmáticas que orientam os interesses dos Estados.
Para começar, a América Latina e o Caribe não são a prioridade climática de Joe Biden. Especialistas apontam que, em primeiro lugar para os EUA, estão China e Índia, juntamente com a Europa, onde se encontram os países que mais vêm avançando nos compromissos de diminuírem suas próprias emissões, com destaque para a Alemanha e a França.
A América Latina e o Caribe (e em especial a América Central) têm importância específica, sim, mas não pelo seu potencial climático ou ambiental. No que toca essas regiões, o que mais preocupa (em verdade, apavora) os EUA é a migração (a real e a potencial) de dezenas de milhares de pessoas a partir daqueles países, como Biden deixou claro ainda em campanha, e consignou até em seu programa de governo.
“Atualmente, o Triângulo do Norte (como os EUA pejorativamente se referem a El Salvador, Guatemala, e Honduras) enfrenta enormes desafios decorrentes da violência, organizações criminosas transnacionais, pobreza, e instituições públicas corruptas e ineficazes”, diz o programa que o então candidato Biden apresentou em 2020.
Setores da imprensa estadunidense, inclusive, afirmam que Biden “não tem planos para a América Latina”.
A outra grande preocupação geopolítica de Washington na América Latina continua sendo, como há décadas, o Plano Colômbia, que põe na mesa, ao mesmo tempo, a privatização e a assunção de dívidas por Bogotá com entidades financeiras multilaterais, além da instalação na porção colombiana da floresta amazônica de bases militares para dissuadir toda a América Latina e, em particular, a vizinha Venezuela.
Claro que, pelo seu tamanho, tradição nos debates dos acordos ambientais e localização próxima aos EUA, o Brasil tem lá o seu peso específico. Assim, após trocarem farpas durante a campanha do Democrata em 2020, Joe Biden e Jair Bolsonaro vêm se aproximando lenta e sutilmente, através de canais diplomáticos.
Por exemplo, na semana passada, os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles – reconhecidos pela ineficiência técnica e má vontade com agendas preservacionistas – reuniram-se com John Kerry, o encarregado do governo dos EUA para as áreas ambiental e climática, e com ele fecharam agendas comuns.
Na diplomacia, é isso o que se chama business as usual – ou, em tradução livre, as coisas como elas de fato são. Preferências políticas à parte, como Bolsonaro seguidamente manifestou pelo Republicano Donald Trump, as eleições nos EUA foram vencidas por Biden, e é com este governo que o Brasil terá de negociar. Goste ou não ocupante do Palácio do Planalto.
Kerry teria reforçado o convite para Bolsonaro – que ainda não respondeu – participar em 22 de abril, nos EUA, de uma Cúpula de Líderes no Fórum do Dia da Terra. Com o patrocínio desta reunião, os EUA preparam-se para a 26ª Conferência das Partes do Acordo do Clima (COP26). Se a pandemia de coronavírus permitir, a COP26 acontecerá em novembro na capital da Irlanda, Glasgow.
O que pode (e deve) fazer a sociedade civil
Assim, é de se esperar pouco ou nenhum enfrentamento entre EUA e Brasil, por conta da destruição ambiental e políticas sanitárias contra o povo em geral e os indígenas brasileiros em particular – dois dos mais graves problemas perpetrados por Bolsonaro, que tem na sua base política mais radical e perigosa mineradoras e demais invasores de terras protegidas.
Neste cenário, um ator político que passa a ter importância revigorada na pressão sobre a gestão genocida de Bolsonaro é a sociedade civil internacional, e a brasileira em especial.
“As mudanças climáticas têm gerado injustiça social, as comunidades mais impactadas são indígenas, quilombolas e ribeirinhas e pobres nas cidades. Falar de mudanças climáticas também é falar de justiça social”, pontua Nicole Oliveira, diretora do Instituto Arayara, apontando, entretanto, que Biden, durante a campanha eleitoral, disse que “não vai proibir o fracking nos Estados Unidos”.
“Esse gás está sendo exportado. No Brasil temos vários planos, inclusive em estados Amazônicos, de construção de terminais de recepção do gás – e isso serve de contraponto á comemoração do retorno(dos EUA) ao Acordo de Paris“, completou.
No campo internacional, outros atores políticos contribuem na denúncia da política de destruição nacional perpetrada pelo governo Bolsonaro. O mais importante é a Rede Nos Estados Unidos Pela Democracia no Brasil – que envolve mais de 1500 pesquisadores de universidades estadunidenses.
No início de fevereiro, a Rede de pesquisadores entregou a Biden um documento de 31 páginas abordando os 10 piores ataques que Bolsonaro comete de forma permanente contra a democracia no Brasil e sugerindo que Washington suspenda a negociação de novos acordos com Brasília, como forma de pressionar o governo brasileiro. Biden ainda não respondeu.