+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

O “combo” de contradições do governo na venda a estrangeiros de terras na Amazônia

Enquanto o Presidente Jair Bolsonaro ameaça vetar o Projeto de Lei que facilita a venda de terras a empresas estrangeiras na Amazônia, o seu Ministro mais poderoso, Paulo Guedes, da Economia, considera o PL como prioridade para ampliar a investimentos estrangeiros na Amazônia. Entre uma contradição e outra, o Projeto vai retirando garantias ambientais legais e avança – foi aprovado no Senado em dezembro e agora tramita na Câmara dos Deputados sob o número 2963/2019.

“Todas as amarras foram sendo retiradas pelo PL, incluídas amarras para especificamente para ONGs impedir o que se faça na Amazônia o que é comum nos EUA e Peru – ONGs recolherem dinheiro compram áreas importantes para preservação da biodiversidade. Mas, se eu sou um grande conglomerado chinês, por exemplo, comprando uma parte da Amazônia para desmatar, aí não tem problema”, reclama o professor Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos mais importantes especialistas brasileiros no debate acerca da ocupação e uso do solo amazônico. O tema foi objeto de seu mestrado e doutorado na Universidade de Lancaster (Inglaterra).

Ele recordou que em 10 de março de 2020, o Ministro da Economia enviou aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados uma lista de 27 projetos que o governo federal considera prioritários para “destravar” a economia – e entre eles estava o PL de venda de terras amazônicas a empresas estrangeiras. “É realmente necessário vender essas terras para o capital estrangeiro? Não tem várias outras formas? O Brasil é um país muito permeável à presença de empresas estrangeiras”, questiona. 

Rajão observa que representantes do governo federal têm afirmado que “estrangeiros não podem comprar áreas maiores na Amazônia, nos imóveis com 80% de reserva legal. Só que, mais da metade dos imóveis da Amazônia Legal começaram a desmatar antes de 2008, em alguns casos antes de 2001, quando a lei era 50%. Como em muitos imóveis da Amazônia, principalmente aqueles que têm mais relevância agropecuária hoje, precisam ter menos de 50% de reserva legal.” 

O professor da UFMG também avalia como preocupante um terceiro elemento desse debate. “Já foi sancionada uma lei pelo Presidente Jair Bolsonaro segundo a qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária só poderia titular terras em área de fronteiras, que são majoritariamente públicas, se o Conselho de Defesa se manifestasse a favor. Agora, não. Você pode titular terra do INCRA direto. Então, você junta o combo: você pode titular terra do INCRA e você pode vender para estrangeiro. É uma contradição muito grande no discurso do governo, que enfatiza muito o nacionalismo, o patriotismo e a defesa nacional”.

Assinada por Bolsonaro em 27 de maio de 2020, a Lei 14.004 definiu que terras públicas da União transferidas aos estados de Amapá e Roraima sejam utilizadas preferencialmente em atividades agropecuárias e de desenvolvimento sustentável ou em projetos de colonização e regularização fundiária. A lei deu poder de veto ao Conselho de Defesa Nacional, mas aceitou exceções.

“Terra no Brasil ainda é muito barata, principalmente porque se tem um influxo de terras praticamente a custo zero. As terras agrícolas mais caras do Brasil não passam de R$ 40 mil. Nos Estados Unidos você tem uma quantidade muito significativa de terras a 100 mil dólares (R$ 550mil) por hectare”, explica Rajão. 

“Tem-se um mercado atraente para o capitalista que quer especular vir aqui, vender um hectare lá e comprar 10 aqui , esperar 10 anos com o mercado inflando e depois revender e não desenvolver aquela área. Para os fundos que pensam em ter retorno em 30, 50 anos, é um mercado muito atrativo”, completa.

Sobre as discussões a repeito do acordo de livre comércio entre o Mercosul e União Europeia, Rajão avalia que “Eles (os europeus) não vão cometer suicídio político. A situação de desmatamento (no Brasil) está tão grave que, se a (Angela) Merkel (Primeira Ministra da Alemanha) insistisse em assinar esse acordo de qualquer jeito,  o partido dela perderia as eleições. A situação (do Brasil) ficou inviável em termos de imagem em termos ambientais de consequência de longo prazo”.

Para o professor Rajão, “a União Europeia está dizendo: olha Brasil, a gente quer fazer (o acordo). Agora, nos dê condições, que são exigências relativamente baixas. O que está em jogo é simplesmente o Brasil cumprir  as próprias leis. E ter a capacidade de garantir o monitoramento da produção. Mas, o que se vê por parte do governo federal é uma falta de vontade de avançar nessa direção e achar que o problema não é substancial.

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Biodiversidade em perigo: aquecimento dos oceanos e branqueamento dos corais

Entrevistada pelo Instituto Internacional Arayara, a bióloga responsável Biofábrica de Corais, Maria Gabriela Moreno Ávila, explica fenômeno que ameaça a vida marinha na costa brasileira A Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) ocorre a cada dois anos, constituindo o principal fórum internacional para promover a cooperação em prol da conservação e do uso

Leia Mais »

A duas semanas da COP29, o alerta: emissões máximas, esforços mínimos

A liberação de gases de efeito estufa nunca foi tão alta. Ao mesmo tempo, avaliação das contribuições nacionais para contê-los aponta uma redução de apenas 2,6% até 2026, colocando a meta principal do Acordo de Paris em risco   A duas semanas da Conferência do Clima de Baku, no Azerbaijão (COP29), que começa em 11 de novembro, dois documentos da

Leia Mais »

COP16: Brasil apoia frente parlamentar em defesa de um futuro livre dos combustíveis fósseis

Na manhã desta sexta-feira (25), o Instituto Internacional Arayara uniu-se a uma coalizão de parlamentares latino-americanos para conter a expansão da exploração de petróleo na Amazônia, durante a primeira audiência pública da Frente Parlamentar Global pelo Futuro Livre de Combustíveis Fósseis. O evento faz parte da programação da COP16, que acontece até o dia 1º de novembro em Cali, na

Leia Mais »

Arayara na Mídia | Terra deve chegar ao fim do século 3,1ºC mais quente

O aumento de temperatura esperado para o fim do século será de 3,1°C caso as contribuições nacionais para reduzir emissões de CO2 não atinjam níveis mais ambiciosos   Por Paloma Oliveto para o Correio Braziliense    O planeta se aproxima de chegar ao fim do século 3,1°C mais quente do que na era pré-industrial, alcançando temperaturas incompatíveis com a vida.

Leia Mais »