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Governo Bolsonaro inicia 2021 condenado por omissão contra saúde e segurança indígenas

Governo Bolsonaro inicia 2021 condenado por omissão contra saúde e segurança indígenas

Foto: Ronilson Guajajara / Mídia India

Comissão Interamericana de Direitos Humanos emite medida cautelar obrigando Brasil a proteger povos Guajajara e Awá no Maranhão

Já no início do ano, as mortes e o amplo descaso do governo do Presidente Jair Bolsonaro com a situação sanitária entre os indígenas durante a pandemia de COVID-19 levou o governo a ser condenado em uma instância internacional.

Ontem, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), expediu, através da Resolução 1/2021,  medida cautelar a favor dos povos indígenas Guajajara e Awá da Terra Indígena Araribóia do Maranhão e solicitou que o Brasil proporcione aos indígenas atendimento  médico conforme normas internacionais e  investigue os  fatos que  deram origem à denúncia. Como membro da OEA, o Brasil é obrigado a cumprir a cautelar.

A medida da CIDH é dirigida à situação no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Maranhão, que desde princípios de julho de 2020 é o epicentro dos casos positivos da COVID-19 entre os povos indígenas daquela região. Estima-se que ali tenham ocorrido entre 25 e 69 mortes por COVID-19 – a própria Comissão, entretanto, observa que estes números devem ter uma subnotificação de 50% e que metade da população Guajajara pode ter sido infectada. 

É importante a opinião internacional principalmente nesse momento de pandemia. Mostra para esse governo que os povos indígenas estão certos quando  procuramos as instâncias nacionais e internacionais para fazer essas denúncias, para que não continue da forma que está”

Cacique Kretã Kaingang, coordenador da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)

Em 2020 a Apib já havia ganho uma ação no  Supremo Tribunal Federal contra o fato de o governo federal não ter plano de enfrentamento de COVID-19 para os povos indígenas no Brasil .

Clique para ouvir a fala do cacique Kretã Kaingang da APIB

“Essa é a mostra cabal de que o presente governo de extrema-direita no Brasil trata os povos indígenas como se fossem inimigos. Espera-se que o governo brasileiro atue imediatamente. (A medida ) Não é para ser sujeita a uma discussão. Eu espero que o governo brasileiro em vez de tergiversar e de transformar a Comissão em um órgão internacional inimigo do Brasil cumpra a cautelar”, afirmou o professor da USP Paulo Sergio Pinheiro, que integrou (entre 2003 e 2011) a CIDH e atualmente é relator especial de direitos humanos da ONU.   

O governo brasileiro tem 20 dias, contados a partir de ontem, para informar à CIDH “sobre a adoção das medidas cautelares acordadas, bem como atualizar essas informações periodicamente”.

Durante o processo de consulta, o governo admitiu que, até agosto de 2020, mais de 8% (1394 casos) da população da terra indígena Araribóia teriam sido diagnosticados positivo para COVID-19, o que colocaria aquela região entre as de maior incidência entre municípios de estados como o Maranhão.

O governo brasileiro informou à CIDH que haviam sido desenvolvidos vários planos de ação para os povos indígenas e ações específicas naquela região do maranhão. “Entretanto, a Comissão observou que esses planos são de natureza geral e/ou programática e que o Estado não esclareceu como eles estão sendo implementados em benefício das pessoas beneficiárias e se eles são eficazes. A este respeito, a CIDH observou que as informações apresentadas pelo Estado não permitiam que se desvirtuasse as alegações da parte solicitante”.

Com relação ao povo Awá em isolamento voluntário, o governo disse que estes indígenas receberiam atenção especial da Frente de Proteção Etno-Ambiental Awá, mas não esclareceu como essa atenção aconteceria durante a da pandemia da COVID-19, além de não explicar a suposta presença de terceiros não autorizados nas proximidades das áreas ocupadas pelos Awá.

Para emitir a medida cautelar, a CIDH também levou em conta o histórico de assassinatos de lideranças exatamente na mesma região denunciada por descaso oficial contra a saúde indígena. Apenas entre os casos mais recentes, contam-se os assassinatos de lideranças indígenas, entre os quais:  Paulo  Paulino  Guajajara (11/2019), Firmino Prexede Guajajara e Raimundo Benício Guajajara (ambos os em 12/2019) e  Zezico Rodrigues Guajajara (03/2020). Em 13 de dezembro de 2019,o adolescente de 15anos E.G.,da TI Araribóia, foi encontrado esquartejado no município de Amarante.

Na denúncia à CIDH, os indígenas também informam que o desmatamento e as invasões são fortes vetores de contaminação e de violência: “em 2019,o desmatamento de territórios dos povos indígenas isolados aumentou. Na TI Araribóia teria subido113%, o que a torna a área com povos isolados mais desmatada no  Brasil. As áreas  de  exploração estariam a  cerca de 5 km dos  acampamentos dos povos isolados. […]. Durante a pandemia  da COVID-19,o  desmatamento  não  cessou  e  em abril foram  detectados  18,2 hectares desmatados”. 

Segundo o professor Paulo Sergio Pinheiro, a cautelar é a medida mais forte e imediata que pode ser adotada pela CIDH. “As apreciações dos casos na Comissão levam muitos anos”, disse Pinheiro, observando que a celeridade com que a CIDH avaliou a representação dos indígenas brasileiros mostra a gravidade da situação.

A entrevista completa com o professor Paulo Sergio Pinheiro aqui

A CIDH recebeu a representação da Comissão de Caciques e Lideranças da Terra Indígena Araribóia em 6 de agosto de 2020, solicitando que a Comissão do Estado brasileiro a adoção das medidas necessárias para proteger os direitos à vida, à integridade pessoal e à saúde. Em seguida, a CIDH solicitou informações ao Brasil em 18 de agosto e 15 de outubro de 2020. Após a concessão de prorrogações, o governo brasileiro encaminhou relatórios em 4 de setembro,30 de outubro e 6 de novembro de 2020. As cautelares adotadas pela Comissão buscam evitar danos irreparáveis e preservar direitos humanos.

Para expedi-las, a CIDH considera: a.“gravidadeda situação”-  significa o sério impacto que uma ação ou omissão pode ter sobre um direito protegido ou sobre o efeito eventual de uma decisão pendente em um caso ou petição nos órgãos do Sistema Interamericano; b.“urgência da situação”-  é determinada pelas informações que indicam que o risco ou a ameaça são iminentes e podem materializar‐se, requerendo dessa maneira ação preventiva ou tutelar; e c.“dano irreparável” – significa os efeitos sobre direitos que, por sua natureza, não são suscetíveis de reparação, restauração ou indenização adequada.

O “combo” de contradições do governo na venda a estrangeiros de terras na Amazônia

O “combo” de contradições do governo na venda a estrangeiros de terras na Amazônia

Enquanto o Presidente Jair Bolsonaro ameaça vetar o Projeto de Lei que facilita a venda de terras a empresas estrangeiras na Amazônia, o seu Ministro mais poderoso, Paulo Guedes, da Economia, considera o PL como prioridade para ampliar a investimentos estrangeiros na Amazônia. Entre uma contradição e outra, o Projeto vai retirando garantias ambientais legais e avança – foi aprovado no Senado em dezembro e agora tramita na Câmara dos Deputados sob o número 2963/2019.

“Todas as amarras foram sendo retiradas pelo PL, incluídas amarras para especificamente para ONGs impedir o que se faça na Amazônia o que é comum nos EUA e Peru – ONGs recolherem dinheiro compram áreas importantes para preservação da biodiversidade. Mas, se eu sou um grande conglomerado chinês, por exemplo, comprando uma parte da Amazônia para desmatar, aí não tem problema”, reclama o professor Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos mais importantes especialistas brasileiros no debate acerca da ocupação e uso do solo amazônico. O tema foi objeto de seu mestrado e doutorado na Universidade de Lancaster (Inglaterra).

Ele recordou que em 10 de março de 2020, o Ministro da Economia enviou aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados uma lista de 27 projetos que o governo federal considera prioritários para “destravar” a economia – e entre eles estava o PL de venda de terras amazônicas a empresas estrangeiras. “É realmente necessário vender essas terras para o capital estrangeiro? Não tem várias outras formas? O Brasil é um país muito permeável à presença de empresas estrangeiras”, questiona. 

Rajão observa que representantes do governo federal têm afirmado que “estrangeiros não podem comprar áreas maiores na Amazônia, nos imóveis com 80% de reserva legal. Só que, mais da metade dos imóveis da Amazônia Legal começaram a desmatar antes de 2008, em alguns casos antes de 2001, quando a lei era 50%. Como em muitos imóveis da Amazônia, principalmente aqueles que têm mais relevância agropecuária hoje, precisam ter menos de 50% de reserva legal.” 

O professor da UFMG também avalia como preocupante um terceiro elemento desse debate. “Já foi sancionada uma lei pelo Presidente Jair Bolsonaro segundo a qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária só poderia titular terras em área de fronteiras, que são majoritariamente públicas, se o Conselho de Defesa se manifestasse a favor. Agora, não. Você pode titular terra do INCRA direto. Então, você junta o combo: você pode titular terra do INCRA e você pode vender para estrangeiro. É uma contradição muito grande no discurso do governo, que enfatiza muito o nacionalismo, o patriotismo e a defesa nacional”.

Assinada por Bolsonaro em 27 de maio de 2020, a Lei 14.004 definiu que terras públicas da União transferidas aos estados de Amapá e Roraima sejam utilizadas preferencialmente em atividades agropecuárias e de desenvolvimento sustentável ou em projetos de colonização e regularização fundiária. A lei deu poder de veto ao Conselho de Defesa Nacional, mas aceitou exceções.

“Terra no Brasil ainda é muito barata, principalmente porque se tem um influxo de terras praticamente a custo zero. As terras agrícolas mais caras do Brasil não passam de R$ 40 mil. Nos Estados Unidos você tem uma quantidade muito significativa de terras a 100 mil dólares (R$ 550mil) por hectare”, explica Rajão. 

“Tem-se um mercado atraente para o capitalista que quer especular vir aqui, vender um hectare lá e comprar 10 aqui , esperar 10 anos com o mercado inflando e depois revender e não desenvolver aquela área. Para os fundos que pensam em ter retorno em 30, 50 anos, é um mercado muito atrativo”, completa.

Sobre as discussões a repeito do acordo de livre comércio entre o Mercosul e União Europeia, Rajão avalia que “Eles (os europeus) não vão cometer suicídio político. A situação de desmatamento (no Brasil) está tão grave que, se a (Angela) Merkel (Primeira Ministra da Alemanha) insistisse em assinar esse acordo de qualquer jeito,  o partido dela perderia as eleições. A situação (do Brasil) ficou inviável em termos de imagem em termos ambientais de consequência de longo prazo”.

Para o professor Rajão, “a União Europeia está dizendo: olha Brasil, a gente quer fazer (o acordo). Agora, nos dê condições, que são exigências relativamente baixas. O que está em jogo é simplesmente o Brasil cumprir  as próprias leis. E ter a capacidade de garantir o monitoramento da produção. Mas, o que se vê por parte do governo federal é uma falta de vontade de avançar nessa direção e achar que o problema não é substancial.