Enquanto o Presidente Jair Bolsonaro ameaça vetar o Projeto de Lei que facilita a venda de terras a empresas estrangeiras na Amazônia, o seu Ministro mais poderoso, Paulo Guedes, da Economia, considera o PL como prioridade para ampliar a investimentos estrangeiros na Amazônia. Entre uma contradição e outra, o Projeto vai retirando garantias ambientais legais e avança – foi aprovado no Senado em dezembro e agora tramita na Câmara dos Deputados sob o número 2963/2019.
“Todas as amarras foram sendo retiradas pelo PL, incluídas amarras para especificamente para ONGs impedir o que se faça na Amazônia o que é comum nos EUA e Peru – ONGs recolherem dinheiro compram áreas importantes para preservação da biodiversidade. Mas, se eu sou um grande conglomerado chinês, por exemplo, comprando uma parte da Amazônia para desmatar, aí não tem problema”, reclama o professor Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos mais importantes especialistas brasileiros no debate acerca da ocupação e uso do solo amazônico. O tema foi objeto de seu mestrado e doutorado na Universidade de Lancaster (Inglaterra).
Ele recordou que em 10 de março de 2020, o Ministro da Economia enviou aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados uma lista de 27 projetos que o governo federal considera prioritários para “destravar” a economia – e entre eles estava o PL de venda de terras amazônicas a empresas estrangeiras. “É realmente necessário vender essas terras para o capital estrangeiro? Não tem várias outras formas? O Brasil é um país muito permeável à presença de empresas estrangeiras”, questiona.
Rajão observa que representantes do governo federal têm afirmado que “estrangeiros não podem comprar áreas maiores na Amazônia, nos imóveis com 80% de reserva legal. Só que, mais da metade dos imóveis da Amazônia Legal começaram a desmatar antes de 2008, em alguns casos antes de 2001, quando a lei era 50%. Como em muitos imóveis da Amazônia, principalmente aqueles que têm mais relevância agropecuária hoje, precisam ter menos de 50% de reserva legal.”
O professor da UFMG também avalia como preocupante um terceiro elemento desse debate. “Já foi sancionada uma lei pelo Presidente Jair Bolsonaro segundo a qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária só poderia titular terras em área de fronteiras, que são majoritariamente públicas, se o Conselho de Defesa se manifestasse a favor. Agora, não. Você pode titular terra do INCRA direto. Então, você junta o combo: você pode titular terra do INCRA e você pode vender para estrangeiro. É uma contradição muito grande no discurso do governo, que enfatiza muito o nacionalismo, o patriotismo e a defesa nacional”.
Assinada por Bolsonaro em 27 de maio de 2020, a Lei 14.004 definiu que terras públicas da União transferidas aos estados de Amapá e Roraima sejam utilizadas preferencialmente em atividades agropecuárias e de desenvolvimento sustentável ou em projetos de colonização e regularização fundiária. A lei deu poder de veto ao Conselho de Defesa Nacional, mas aceitou exceções.
“Terra no Brasil ainda é muito barata, principalmente porque se tem um influxo de terras praticamente a custo zero. As terras agrícolas mais caras do Brasil não passam de R$ 40 mil. Nos Estados Unidos você tem uma quantidade muito significativa de terras a 100 mil dólares (R$ 550mil) por hectare”, explica Rajão.
“Tem-se um mercado atraente para o capitalista que quer especular vir aqui, vender um hectare lá e comprar 10 aqui , esperar 10 anos com o mercado inflando e depois revender e não desenvolver aquela área. Para os fundos que pensam em ter retorno em 30, 50 anos, é um mercado muito atrativo”, completa.
Sobre as discussões a repeito do acordo de livre comércio entre o Mercosul e União Europeia, Rajão avalia que “Eles (os europeus) não vão cometer suicídio político. A situação de desmatamento (no Brasil) está tão grave que, se a (Angela) Merkel (Primeira Ministra da Alemanha) insistisse em assinar esse acordo de qualquer jeito, o partido dela perderia as eleições. A situação (do Brasil) ficou inviável em termos de imagem em termos ambientais de consequência de longo prazo”.
Para o professor Rajão, “a União Europeia está dizendo: olha Brasil, a gente quer fazer (o acordo). Agora, nos dê condições, que são exigências relativamente baixas. O que está em jogo é simplesmente o Brasil cumprir as próprias leis. E ter a capacidade de garantir o monitoramento da produção. Mas, o que se vê por parte do governo federal é uma falta de vontade de avançar nessa direção e achar que o problema não é substancial.