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Nota de Repúdio ao contrato entre o MME e o Complexo Termelétrico JORGE LACERDA

O Instituto Internacional ARAYARA e a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) vêm a público manifestar seu mais veemente repúdio à aprovação da minuta do Contrato de Energia de Reserva do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CER-CTJL), no âmbito do Programa de Transição Energética Justa (TEJ), previsto na Lei nº 14.299, de 5 de janeiro de 2022.

O contrato, a ser celebrado entre a Diamante Geração de Energia Ltda. e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), decorre das Consultas Públicas nº 177/2024 e nº 181/2025 e foi aprovado por meio da Portaria MME nº 844, de 24 de junho de 2025, assinada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, com início de vigência em 1º de janeiro de 2026.

A presente Portaria autoriza o Governo Federal a destinar, anualmente, R$ 1,8 bilhão em subsídios para a geração de energia elétrica a partir da fonte fóssil e poluente do carvão mineral, prolongando seu uso até 2040 e contrariando os compromissos assumidos no Acordo de Paris. As usinas movidas a carvão são os maiores emissores de gases de efeito estufa da Região Sul e respondem pela maior área de contaminação e pelos maiores passivos ambientais decorrentes da mineração de carvão na América Latina.

Contrato que perpetua retrocesso climático e onera os brasileiros

O contrato autorizado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) destina R$ 1,8 bilhão por ano para um complexo termelétrico a carvão mineral, responsável por quase todas as emissões de gases de efeito estufa de Capivari de Baixo (SC), o maior emissor per capita do Brasil. Esse valor, pago pelos consumidores na conta de luz, subsidia a compra de carvão, isentando a empresa dos custos com a matéria-prima.

O preço de contratação do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda foi fixado em R$ 564,37/MWh (data-base janeiro de 2025), mais de 300% superior aos menores preços de fontes renováveis, como solar e eólica, que ficam em torno de R$ 175,66/MWh e R$ 171,20/MWh, respectivamente. A geração mínima exigida pelas termelétricas a carvão, sem flexibilidade, restringe a inclusão de fontes renováveis no sistema.

Ilegalidades contratuais

Em dezembro de 2024, o Ministério Público Federal em Santa Catarina iniciou investigação sobre a extração ilegal de carvão fora da área autorizada pela ANM e sem licença do IMA, envolvendo a Diamante Geração de Energia. O carvão supostamente irregular abasteceria o CTJL, cuja operação é totalmente subsidiada, configurando violação da legislação ambiental e da boa-fé contratual. A Ação Civil Pública nº 5006590-35.2024.4.04.7204/SC está em tramitação judicial.

Violação de compromissos climáticos

O Artigo 4º da Lei Federal nº 14.299/2022 institui o chamado “Programa de Transição Energética Justa (TEJ)”, que, segundo a própria legislação, tem como objetivo promover uma transição energética justa na região carbonífera do Estado de Santa Catarina. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7095, ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Instituto Internacional ARAYARA e por partidos políticos, foi anexada, a pedido do STF, a Nota Técnica nº 515/2023-MMA (NOTA TÉCNICA MMA PARA ADI CARVÃO SC), na qual o Ministério do Meio Ambiente (MMA) reconhece a inconstitucionalidade da lei por violar os compromissos climáticos internacionais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris.

No entanto, o atual modelo apresentado ignora os princípios básicos de justiça climática e social:

-Não há plano de requalificação ou aposentadoria compulsória para trabalhadores do setor carbonífero;

-Não há metas de abatimento de emissões de GEE deste empreendimento fóssil;

-Não há compromisso com tecnologias limpas ou compensação ambiental;

-O Conselho do Programa de Transição Energética Justa, previsto na Lei 14.299/2022 (§2, art. 4°), criado pelo Decreto 11.124/2022 e com apenas duas reuniões em 2022, não apresenta um trabalho contínuo com reuniões e participação da sociedade civil organizada;

-A referida legislação ignora a responsabilidade do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda na recuperação dos passivos ambientais e áreas contaminadas na Região Carbonífera de Santa Catarina.

O verdadeiro caminho para uma transição energética justa vem sendo ignorado pelo Ministério de Minas e Energia, que privilegia os interesses da indústria carbonífera em detrimento dos direitos e do bem-estar de todos os consumidores de energia no Brasil.

O Instituto Internacional ARAYARA participou ativamente de todo esse processo, demonstrando que o carvão é uma fonte de contaminação e emissões, e que é possível planejar sua descontinuidade de forma justa, com atenção aos trabalhadores impactados. Essa atuação se deu por meio de diversas contribuições técnicas e científicas, entre as quais se destacam:

-A produção do estudo “O Legado Tóxico da Engie – Fram – Diamante no Brasil”, que mapeou os impactos da cadeia do carvão em 47 municípios catarinenses, incluindo a contaminação de solos, rios e populações por metais pesados como arsênio e manganês, apresentado na COP26;

Apoio aos partidos políticos na juização de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), ADIs 7095 e 7332, no STF contra as leis federal e estadual que sustentam esse contrato;

-Envio de notas técnicas consistentes nas consultas públicas abertas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – MME nº 177/2024 e MME n° 181/2025, todas ignoradas em favor de pareceres da indústria do carvão.

A verdadeira transição energética justa

A ARAYARA e a Frente Nacional dos Consumidores de Energia defendem que a “transição energética justa” não pode ser confundida com a prorrogação de privilégios para empreendimentos fósseis a carvão mineral. Uma transição verdadeira pressupõe:

-Geração de empregos em setores sustentáveis, chamados de empregos verdes;

-Proteção à saúde pública e ao meio ambiente;

-Redução das emissões climáticas com a neutralização dos gases de efeito estufa;

-Justiça para os territórios historicamente contaminados e negligenciados – especialmente aqueles habitados por povos originários e povos e comunidades tradicionais;

-É fundamental garantir a inclusão dos trabalhadores e trabalhadoras de toda a cadeia de exploração, beneficiamento, transporte e queima do carvão mineral no processo de elaboração de políticas públicas, programas e na alocação de recursos financeiros voltados à transição energética justa e sustentável desse território. Isso deve ir além da simples destinação de R$ 1,8 bilhão anuais para a compra de carvão e a manutenção do funcionamento do CTJL até 2040, perpetuando o mesmo modelo insustentável de contaminação e degradação ambientais, bem como a exposição da população e dos trabalhadores aos riscos ambientais, à poluição e aos impactos na saúde pública gerados por essa atividade e pelos rejeitos da mineração.

Diante exposto, a ARAYARA e a Frente Nacional dos Consumidores de Energia exigem:

1.Revogação imediata da Portaria MME Nº 844, de 24 de junho de 2025, que autoriza o contrato entre o MME e a CTJL;

2.Instalação urgente do Conselho de Transição Energética Justa, conforme prevê a lei;

3.Suspensão dos subsídios públicos ao carvão, com redirecionamento para o financiamento da transição energética, com incentivo às energias renováveis, aposentadoria compulsória dos trabalhadores e requalificação destes em empregos verdes em um horizonte máximo até 2027.

4.Responsabilização civil, administrativa e criminal pelas violações ambientais da atividade de extração do carvão mineral e não recuperação ambiental destes passivos e áreas contaminadas que precisam ser notificadas pelo IBAMA e também pelo Ministério da Saúde. 

 

“Continuaremos atuando juridicamente, politicamente e tecnicamente para barrar este retrocesso. O Brasil não pode — e não deve — sustentar com dinheiro público a destruição de seu futuro”, declara Juliano Bueno, diretor técnico da ARAYARA, doutor em urgências e emergências ambientais e PhD em energia.

Instituto Internacional ARAYARA e Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE)

Por uma transição energética verdadeira, justa e limpa.

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