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Mutirão TecnoClima discute papel da tecnologia na crise climática e aponta exclusões estruturais

No último domingo (15), o Instituto Internacional ARAYARA marcou presença no “Mutirão TecnoClima na COP30: Agenda de Ciência e Tecnologia”, realizado em Brasília, na sede da WWF Brasil. O encontro reuniu especialistas, organizações da sociedade civil e representantes de povos tradicionais para discutir o papel estratégico da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) na governança climática internacional, destacando lacunas históricas que persistem desde a Rio-92.

O encontro marcou o lançamento do Policy Brief “Reavaliando o papel da CT&I na governança climática e ambiental internacional”, que traça uma linha crítica desde as promessas feitas em 1992 até os desafios atuais de uma ciência que ainda prioriza interesses geopolíticos e econômicos do Norte Global, em detrimento dos saberes e realidades do Sul Global.

A tecnologia sem participação social

Organizado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), pelo World Transforming Technologies (WTT) e pela Plataforma Cipó, o evento integra o movimento “Mutirão TecnoClima”, que busca consolidar a tecnologia como um pilar da ação climática. Porém, diversas vozes alertaram: a tecnologia dominante segue ignorando os territórios e os conhecimentos dos povos originários e comunidades tradicionais.

A antropóloga e liderança indígena Cristiane Julião, do povo Pankararu, foi categórica: “o que é ciência sob a ótica branca e ocidental? E o que é conhecimento para os povos indígenas? A CT&I que se impõe hoje é feita sem nós, apenas nos convida a opinar sobre estruturas que já vêm prontas.”

Ela também denunciou a falsa participação social, o incentivo à tecnologia pensada para o Ocidente e o contínuo processo de tutela sobre os povos indígenas. Além disso, alertou para a desconexão entre as COPs do Clima, da Biodiversidade e da Desertificação, o que fragmenta o debate e dificulta ações integradas.

Desenvolvimento para quem?

Representando o Ministério das Relações Exteriores, Pedro Ivo reforçou os alertas da ciência ocidental sobre o colapso climático — como o avanço inevitável do aquecimento global acima de 1,5ºC e os pontos de não retorno que já se aproximam. Porém, ele também reconheceu que a COP30, que será realizada em Belém (PA), enfrenta desafios políticos:

  • Países ainda resistem em pautar a transferência internacional de tecnologias sustentáveis;

  • Questões de propriedade intelectual seguem intocadas;

  • O debate científico continua centrado em soluções técnicas e desconectado dos conhecimentos tradicionais.

Juventudes, territórios e resistência

Na mesa da tarde, o debate foi guiado pela urgência da participação social na COP30. A jovem ativista Marcele Oliveira, nomeada “campeã climática da juventude” da conferência, destacou que a presença das juventudes no processo é recente, mas fundamental.“Somos parte do território, por isso temos tanto a dizer sobre a crise climática.”

Já Alberto Terena, do Conselho Terena e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), destacou: “a demarcação dos nossos territórios é uma ação concreta contra a crise climática.” Ele apresentou a campanha #ARespostaSomosNós, que defende territórios livres da exploração de combustíveis fósseis, da mineração e do desmatamento, além do acesso direto a recursos de financiamento climático.

Agroecologia contra a imposição tecnológica

O enviado especial para abordar o tema agricultura familiar, Paulo Petersen, criticou a tentativa de transformar a agricultura familiar em um “pequeno agronegócio”. Para ele, é preciso resgatar a cultura da terra e não apenas tratá-la como negócio. “Paisagens com biodiversidade produzem cultura, e é isso que devemos proteger.”

A mobilizadora socioambiental da  ARAYARA, Raíssa Felippe, concluiu o debate com uma reflexão crítica sobre o uso da expressão “transferência de tecnologia”, frequentemente associada à imposição de pacotes da Revolução Verde — como sementes transgênicas, fertilizantes e agrotóxicos — que desconsideram o modo de vida dos povos tradicionais e reforçam o avanço do agronegócio sobre seus territórios.“Tecnologia não é só o produto final, mas o modo de fazer. E, se estamos falando de territórios, a CT&I precisa ser antirracista”, afirmou Felippe.

CT&I na COP30

O evento também apresentou plataformas e dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que vêm sendo preparados para a COP30, como o SIRENE (Sistema Nacional de Emissões), o SINAPSE (Simulador Nacional de Políticas Setoriais e Emissões) e o Adapta Brasil. 

No entanto, sem uma reestruturação do debate sobre quem define o que é ciência e quem participa da sua construção, participantes alertaram sobre o risco da COP30 reproduzir as exclusões históricas de sempre.

Para o analista técnico climático e de geociências da ARAYARA, Joubert Marques, o  Mutirão TecnoClima foi um espaço importante de troca de saberes e experiências. A COP30 só terá legitimidade se valorizar conhecimentos tradicionais e garantir justiça nos territórios, não apenas tecnologias importadas.

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