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Leilão A-5 de energia pode afetar comunidades indígenas e quilombolas e gerar altas emissões de gases de efeito estufa

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) marcou para 22 de agosto de 2025 o Leilão de Energia Nova “A-5”, destinado à contratação de hidrelétricas com início de operação previsto para 2030. O certame, que deve movimentar bilhões em investimentos, já desperta preocupações sobre impactos socioambientais, sobretudo para comunidades indígenas, quilombolas e ecossistemas amazônicos.

Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), foram cadastrados 241 projetos, somando quase 3 mil megawatts (MW) de potência — o maior volume já registrado em um leilão do tipo. A maioria é formada por Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), seguidas de Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs) e Usinas Hidrelétricas (UHEs) de até 50 MW. Os projetos estão distribuídos em 15 estados, com forte presença no Centro-Oeste, Sul, Minas Gerais e Pará.

Risco para povos tradicionais

 

Dados do Monitor da Energia, do Instituto Internacional ARAYARA, indicam que parte dos projetos hidrelétricos cadastrados na ANEEL — com Despacho de Registro do Requerimento de Outorga (DRO) e menos de 50 MW de capacidade instalada — podem estar localizados dentro da chamada zona de influência de terras indígenas (TIs) e quilombolas (TQs). Pela Portaria Interministerial nº 60/2015, hidrelétricas na Amazônia devem respeitar um raio mínimo de 40 km dessas áreas — 15 km nas demais regiões — para evitar impactos diretos.

A Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, também determina a realização de consulta livre, prévia e informada antes da implementação de qualquer projeto que possa afetar povos tradicionais. “O que se vê é que muitos projetos chegam ao leilão sem que esses direitos tenham sido garantidos, o que pode resultar em conflitos socioambientais e processos judiciais”, alerta a pesquisadora e PhD em energia Hirdan Costa, colaboradora da ARAYARA.

Energia “limpa” que pode poluir

 

Estudos  técnicos como o de Mariana Maia de Miranda (USP, 2013) mostram que, apesar de amplamente divulgadas como energia limpa, hidrelétricas — especialmente em regiões tropicais — podem emitir grandes quantidades de gases de efeito estufa (GEE), como metano (CH₄) e dióxido de carbono (CO₂), devido à decomposição de matéria orgânica submersa após o enchimento dos reservatórios.

Segundo Costa, é comum que as hidrelétricas sejam rotuladas como “limpas”, principalmente por não queimarem combustíveis fósseis no processo de geração de eletricidade. No entanto, essa classificação ignora aspectos críticos relacionados às emissões indiretas e ao ciclo de vida do empreendimento

O engenheiro climático e de geociências  da ARAYARA, Joubert Marques, aponta que essas emissões decorrem da decomposição da matéria orgânica soterrada e inundada com a criação do reservatório, cujos principais fatores são: o volume e o tipo de biomassa submersa, a profundidade do lago e a área alagada em relação à energia gerada. Marques ressalta que reservatórios tropicais podem emitir até 20 vezes mais GEE do que os de regiões temperadas, o que compromete a imagem de neutralidade de carbono frequentemente atribuída às hidrelétricas.

“O leilão A-5 não exige avaliação do ciclo de vida das usinas nem prevê condicionantes para reduzir essas emissões. É um modelo ultrapassado, que mascara o impacto climático real”, alerta.

Comunidades e clima em jogo

 

Se implementados sem estudos aprofundados e salvaguardas adequadas, os projetos do Leilão A-5 podem comprometer não apenas ecossistemas e modos de vida tradicionais, mas também as metas brasileiras de neutralidade de carbono até 2050.

“Contratar energia sem contabilizar sua pegada de carbono completa é transferir os custos climáticos para toda a sociedade”, conclui  o gerente de Geociências, George Mendes.

A ARAYARA defende que o governo e os órgãos ambientais assegurem a aplicação da Portaria Interministerial nº 60 e da Convenção 169 da OIT, ampliem a transparência do processo e exijam métricas de emissões no licenciamento ambiental para que a expansão energética seja, de fato, sustentável.

 

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