BRASÍLIA – O resultado do leilão realizado pelo governo federal nesta sexta-feira, 30, para contratar novas usinas térmicas de energia, expôs a falta de competitividade dos empreendimentos que foram incluídos, sem critérios técnicos, na lei de privatização da Eletrobras.
As “térmicas jabuti” são resultado de uma imposição do Congresso Nacional que, ao atender o lobby ferrenho de empresários do setor elétrico, tratou de exigir a construção de usinas movidas a gás onde sequer existe gás, uma imposição que terá impacto bilionário no bolso do consumidor de energia. Essa consequência ficou evidente hoje, quando o governo fez o primeiro leilão para contratar usinas embutidas de contrabando na lei de privatização da Eletrobras.
O plano do governo era contratar, hoje, os primeiros 2 mil megawatts (MW) previstos de um total de 8 mil MW que foram determinados pelos projetos jabutis do Congresso. Pela lei da Eletrobras, o governo deve contratar um total de 2.500 MW em usinas da região Norte, outros 1 mil MW no Nordeste, mais 2.500 MW no Centro-Oeste e 2 mil MW no Sudeste.
Esta primeira rodada previa a contratação de 1 mil MW no Norte e outros 1 mil MW no Nordeste. Para atrair empresas interessadas, o governo estipula um valor máximo que está disposto a pagar pelas usinas que serão erguidas e, neste caso, essa cifra ficou em R$ 444 por cada megawatt-hora produzido. Quando há competição pela instalação de projeto, empresas concorrentes tratam de oferecer valores menores, ou seja, com deságio, para vencerem o leilão. Na prática, isso interessa a todos os consumidores, que pagarão um preço menor pela nova energia produzida. Acontece que nada disso ocorreu hoje.
Na região Norte, o governo conseguir contratar novas usinas que vão oferecer um total de 752 MW, mas sem nenhum deságio, isto é, tudo será entregue pelo preço-teto estipulado pelo governo, porque não houve competição. Já na região Nordeste, mesmo com esse preço teto, não apareceu nenhuma empresa interessada em erguer uma nova usina, por entender que o custo é inviável devido à falta de estrutura para ter acesso a poços de gás natural.
As empresas Eneva e a Global Participações Energia foram as únicas que fizeram proposta para erguer três usinas: a UTE Manaus I (162,9 MW), a Azulão II e a Azulão IV, que terão 295,42 MW de potência cada. A previsão é que essas térmicas entrem em operação até dezembro de 2026.
“O resultado do leilão mostra as consequências de um erro original, que foi a imposição de projetos em áreas inviáveis pelo Congresso Nacional, por meio da lei de privatização da Eletrobras”, diz Victor Iocca, diretor de energia elétrica da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace). “A lei definiu as regiões geográficas que tinham de receber essas térmicas. Isso reduz o interesse, porque ignora planejamento. A falta de competição no leilão é uma evidência clara disso.”
Usinas de energia movidas a gás são instaladas, em praticamente todos os casos, ao lado de grandes centros de consumo ou em áreas próximas ao ponto de extração de gás que será usado para gerar energia elétrica. É uma equação financeira simples: a menor distância significa mais eficiência na geração e menor custo em todo o processo.
Uma vez acionadas, essas usinas são conectadas ao sistema interligado nacional de transmissão de energia, podendo enviar seus watts para qualquer região do País. Por isso, não há motivos técnicos que justifiquem a decisão de erguê-las em áreas mais distantes, já que isso significa mais custo para transporte do gás, além da perda física de energia que se tem em longas linhas de transmissão e o custo desse deslocamento.
Lobby por gasodutos
Especialistas do setor elétrico acreditam que a contratação das usinas, ainda que abaixo do que pretendia o governo, deve aumentar a pressão para que o Congresso Nacional aprove, agora, o projeto de lei que autoriza a construção de milhares de quilômetros de gasodutos, as tubulações que são necessárias para plugar as novas usinas a campos de extração de gás e distribuir a energia até grandes centros consumidores.
No caso dos projetos que foram contratados hoje na região Norte, a dependência de novos gasodutos existe, mas em menor proporção, porque estão relativamente próximas de seus poços.
“Como consumidores, continuamos preocupados e em alerta. Não contratar projetos de geração região Nordeste não significa que a batalha foi vencida. Se o Congresso aprovar o jabuti dos gasodutos, o preço sobe ainda mais”, diz Victor Iocca, da Abrace.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já declarou que pretende colocar em votação, ainda neste ano, a proposta que viabiliza o chamado “Brasduto”, mais um jabuti, mas que, desta vez, pretende usar dinheiro público para financiar a construção de milhares de quilômetros de gasodutos em todo o País, de forma que possa conectar regiões remotas – e onde não existe poços de gás – a bases de extração do insumo e grandes centros consumidores.
Como mostrou o Estadão, em maio, os planos do Centrão previam a retirada de até R$ 100 bilhões do lucro com a exploração do pré-sal para quitar o custo dessas obras. Desde 2015, já houve ao menos dez tentativas de criar o fundo para bancar a rede de gasodutos, conhecido como Brasduto, por meio de projetos de lei e medidas provisórias. Nenhuma teve êxito.
A proposta viabiliza projetos de empresários como Carlos Suarez, ex-sócio-fundador da empreiteira OAS. Além das oito distribuidoras no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o empresário possui quatro autorizações para construção de redes de gasodutos. A articulação para viabilizar o novo jabuti para caminhos como o Projeto de Lei 414, texto que trata de medidas de modernização do setor elétrico e que tramita no Congresso.
Impacto ambiental
Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Internacional Arayara e da organização Observatório do Petróleo e Gás, membro da Coalizão Gás e Energia, afirma que a falta de interessados no leilão na região Nordeste e a não contratação de usinas do Piauí reflete a falta de infraestrutura de gasodutos, além da perspectiva de uso de recursos públicos para a construção desses gasodutos e criticidade no uso de água.
Araújo afirma ainda que, apesar de os projetos de usinas aprovados no Amazonas terem licença prévia ambiental, estas ainda não possuem Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), necessários para buscarem a licença efetiva de instalação desses projetos.
“O leilão foi um acordo políticos de interesses do Congresso Federal e que contou com um total desalinhamento junto aos setor energéticos (mercado) e uma adequada condução da Agência Nacional de Energia Elétrica e Empresa de Pesquisa Energética, portanto, subjugando a técnica e interesses nacionais, dando lugar a outros interesses”, comentou o especialista.
Segundo Araújo, as três usinas previstas para o Amazonas ampliarão os impactos de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). “É uma energia que irá custar R$ 444 por MWh, sendo que se poderia produzir energia eólica, solar, biomassa e biometano com custos de até 40% menores e com zero emissões.”
Por André Borges, originalmente publicado em