A expansão do gás natural liquefeito (GNL) e as manobras políticas para consolidar a indústria fóssil foram o foco do debate “Zonas de Sacrifício e Falsa Transição: impactos da Infraestrutura de GNL e dos jabutis do gás” no ARAYARA Amazon Climate Hub. O evento, promovido pela Coalizão Energia Limpa, IEMA e Equal Routes, reuniu especialistas para desmascarar a narrativa de que o gás é uma energia de transição, expondo seus custos sociais, econômicos e ambientais.
O consenso entre os participantes é de que o lobby do gás tem sido incrivelmente eficaz no Brasil e na América Latina, garantindo espaço regulatório e financeiro que freia as energias renováveis.
O Efeito Regressivo dos “Jabutis do Gás”
No cenário brasileiro, o termo “regressão energética” foi usado por Ricardo Baitelo (IEMA/Coalizão Energia Limpa) para descrever a consolidação do gás natural, apesar de o Brasil ter uma das matrizes elétricas mais limpas do G20. Ele criticou a atuação do lobby do gás, que conseguiu inserir medidas prejudiciais à transição energética em leis não relacionadas.
“No meio da pandemia tivemos isso na lei de privatização da Eletrobrás, que inseriu obrigatoriamente termelétricas gerando impacto ambiental, custo muito maior, roubando espaço das renováveis, e isso tudo através d lobby do gás,” afirmou Baitelo.
Esses “jabutis do gás”, aumentam o custo nas tarifas e dificultam a gestão da rede elétrica, favorecendo o gás por ser uma fonte controlável, em detrimento de renováveis que, em momentos de excesso de produção, não conseguem ser totalmente absorvidas.
Cássio Carvalho (INESC/Coalizão Energia Limpa) reforçou o problema do financiamento, citando um estudo do INESC que mostra uma disparidade alarmante:
“Em nosso último estudo vimos que em 2024 houve 2,5 vezes mais investimento em subsídios a fósseis do que a renováveis,” revelou Cássio.
Segundo o pesquisador, essa força do setor privado e dos incentivos fiscais dificulta qualquer mudança na política energética, independentemente da orientação do governo.
México: GNL e a Destruição do Golfo da Califórnia
A situação no México espelha o problema global da “falsa transição”, onde o gás natural é vendido como solução, mas cria zonas de sacrifício.
Nancy Carmina (Institute of Energy and Environment) apresentou o caso do Golfo da Califórnia, uma região de grande biodiversidade e reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Três grandes projetos de terminais de exportação de GNL estão propostos para a área.
O gás não seria para consumo mexicano, mas importado dos EUA por gasoduto, tratado e reexportado, visando encurtar a rota comercial que passaria pelo Canal do Panamá.
“As rotas desse tráfego marítimo têm fauna marítima e povos indígenas que serão afetados,” alertou Nancy.
A região é responsável por 55% da captura de pesca do México e sustenta o ecoturismo, sendo lar de 40% das espécies marinhas do país. Além dos impactos ambientais específicos na fauna, Nancy denunciou a situação de um dos povos indígenas, cuja cosmovisão confere um grande valor ao mar, e não foi consultado sobre o projeto.
O Único Caminho é Frear os Fósseis
Juliano Bueno, diretor técnico da ARAYARA, ampliou o cenário para a América Latina e o Caribe, destacando uma expansão fóssil sem precedentes em petróleo e gás, de Guiana e Bolívia ao Peru e Brasil.
“Nunca a indústria fóssil teve tanta expansão na brasil e na América Latina,” declarou.
Juliano alertou que essa expansão não é apenas de gasodutos e termelétricas, mas também de políticas de subsídios a longo prazo, que tornam o cenário difícil para reverter o aquecimento global.
“Apenas os compromissos com florestas no mundo não serão suficientes, mesmo que zerássemos o desmatamento, não seria suficiente para revertermos a subida da temperatura global. O único caminho é colocarmos um freio na indústria fóssil.”
Nas discussões sobre as negociações da COP30, o painel concordou que o multilateralismo é crucial. Cássio defendeu que o Brasil assine o COFINS, para se comprometer formalmente com a saída dos combustíveis fósseis. Nancy cobrou coerência entre o que os países prometem em suas NDCs e o que implementam em políticas públicas.
Juliano Bueno finalizou ressaltando o papel de cobrança dos países insulares e pequenas ilhas que sofrem os impactos mais imediatos do aumento do nível do mar, um fator que pode trazer “inovação em relação a metas e prazos” nas negociações.
Foto: Odaraê Filmes










