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Estudo diz que aquecimento deve piorar incêndios na Amazônia e destruir 16% do sul da floresta

Estudo estima que queimadas podem liberar até 17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, fazendo com que a floresta, que hoje funciona como armazém de carbono, se torne um grande emissor do principal gás-estufa.

Se a Amazônia atingiu, em agosto do ano passado, o maior número de focos de queimadas desde 2010, mesmo com uma temporada relativamente úmida, imagine o que poderia acontecer se o clima estivesse mais quente e seco. Foi esse o quadro que um grupo de cientistas buscou desenhar, e o resultado foi preocupante: com o agravamento do aquecimento global, incêndios florestais poderão destruir até 16% do sul da Amazônia até 2050, liberando até 17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera.

Nesse cenário, a floresta, que hoje funciona como uma espécie de armazém de carbono, pode se tornar um grande emissor do principal gás responsável pelo aquecimento global, piorando ainda mais o problema, o que pode, por sua vez, intensificar a destruição da floresta, em um perigoso processo de retroalimentação.

A pesquisa, feita por cientistas no Brasil e nos Estados Unidos, considerou modelagens matemáticas para estimar como o aumento das temperaturas e da estiagem, provocados pelas mudanças do clima, podem deixar mais propícios os incêndios da vegetação na porção sul da Amazônia e como tudo isso pode se relacionar com o desmatamento.

A floresta tropical úmida não pega fogo sozinha. Quando se fala de queimadas na região, é porque alguém acendeu o fósforo. No ano passado, por exemplo, o alto número de focos de fogo registrado em agosto na Amazônia se deveu em sua maior parte à queima de árvores já derrubadas no intenso processo de desmatamento que ocorreu nos meses anteriores.

Houve, inclusive, uma articulação de fazendeiros e madeireiros para provocar queimadas, naquele que ficou conhecido como “Dia do Fogo”.

Mas essas chamas muitas vezes se espalham e acabam atingindo também a floresta em pé. Quando ela está saudável, esse incêndio é mais difícil de se propagar, mas se a vegetação está degradada e esse fogo ocorrer em uma temporada de seca mais intensa, a condição para a fogueira perfeita está formada. É desse incêndio florestal de que se trata o estudo. Da “tempestade de fogo que se aproxima no sul da Amazônia”, como o grupo de cientistas resumiu no título da pesquisa publicada nesta sexta-feira, 10, na revista Science Advances.

Os pesquisadores – liderados por Paulo Brando, da Universidade da Califórnia, em Irvine, e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) – trabalharam com modelagens matemáticas para ver como as interações entre mudanças climáticas e desmatamento afetam a quantidade de terra queimada e de gases de efeito estufa emitidos em incêndios florestais em uma área de 192 milhões de hectares.

Somente a porção sul da floresta foi considerada no estudo por já ser uma área mais seca e também por estar mais degradada. É a área que coincide com o chamado arco do desmatamento, por onde ocorre a expansão da fronteira agrícola no Acre, sul do Amazonas, Rondônia, norte do Mato Grosso e sul do Pará.

O grupo observou que, apesar de a floresta primária ficar protegida da maior parte das queimadas provocadas por humanos por causa do seus sub-bosques úmidos, o modelo projeta que essa umidade vai diminuir com o passar do tempo, tornando essas florestas cada vez mais vulneráveis.

Papel do desmatamento

O trabalho indica que os incêndios florestais devem continuar se intensificando no sudeste da Amazônia em cenários de mudanças climáticas, mesmo se não houver novos desmatamentos. Comparando com dados da década de 2000, o fogo simulado para as próximas décadas queimaria áreas maiores, liberando mais energia e emitindo mais CO2 na atmosfera. A estimativa é que a área de florestas em risco de queimar com a seca vai dobrar até 2050 em relação aos anos 2010.

Se nessas condições ainda se somarem mais desmatamentos, todo esse quadro piora. A área queimada chegaria a 22,3 milhões de hectares, com emissão bruta de 17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. O Brasil hoje, como um todo, emite cerca de 1,9 bilhão de toneladas de CO2 por ano.

“Por isso defendemos que reduzir o desmatamento é essencial para reduzir a probabilidade de fogo no sudeste da Amazônia nas próximas décadas”, disse Brando ao Estado. O trabalho, que contou com pesquisadores da Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal da Minas Gerais, da Nasa e do Woods Hole Research Center, calculou que esforços de prevenção de desmatamentos podem reduzir a área florestal queimada em até 30% e reduzir as emissões de gases de efeito estufa por incêndios na região em 56%.

“Nossa análise mostra que precisamos de uma abordagem dupla para proteger as florestas remanescentes das pressões crescentes do desmatamento para expansão agrícola e do risco de incêndio causado pela mudança do clima. Regionalmente, decisões que reduzam o desmatamento, impeçam a fragmentação da floresta e evitem fontes de ignição para incêndios, amortecerão as bordas da floresta contra as atividades de queimadas”, complementa o pesquisador Doug Morton, da Nasa, também autor do estudo.

“No entanto, também precisamos de uma estratégia global para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Sem progresso no nível global, a região amazônica aquecerá e secará nas próximas décadas, de maneira a tornar os incêndios mais prováveis, mais extensos e mais prejudiciais do que são hoje”, ponderou em entrevista ao Estado.

Os autores consideram que a atividade generalizada de queimadas que ocorreu no ano passado na Amazônia para limpeza de áreas já desmatadas poderia ter desencadeado incêndios ainda maiores e mais danosos se o clima estivesse mais seco. A temporada no ano passado foi mais úmida em outros anos. “Essa combinação de seca com circunstâncias econômicas que favorecem o aumento do desmatamento foi uma combinação que levou a consequências desastrosas em 2005”, exemplifica Morton.

Com uma seca intensa por causa de um El Niño e desmatamento em níveis elevados, 2005 teve nos meses de julho e agosto o recorde de queimadas da série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e, no consolidado do ano, o segundo maior número de focos (213.720), só perdendo para 2004 (218.637), que, por sua vez, teve a maior taxa de desmatamento do século 21.

Para os pesquisadores, o que está acontecendo agora com os incêndios na Austrália deveria ser encarado como um sinal de alerta para o Brasil.

“As mudanças climáticas já resultaram em condições mais quentes e secas em muitas regiões propensas a incêndios. Somente em 2019, vimos condições climáticas extremas de incêndio no Alasca, Califórnia e agora na Austrália. Embora os ecossistemas sejam diferentes, a receita é a mesma”, explica Morton.

“Como mostra nossa pesquisa, regiões que ficam mais quentes e secas permitem que os incêndios se intensifiquem e se espalhem mais rapidamente. Hoje, essas circunstâncias estão ocorrendo na Austrália. Em nossa análise, as mudanças climáticas vão empurrar a região amazônica para condições climáticas de maior risco de incêndio nas próximas décadas, com potencial de aumentar as áreas afetadas pelo fogo, mesmo em florestas protegidas”, diz.

Brando defende que este estudo sirva de alerta para o governo brasileiro assim como deveria ter sido o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) para a Austrália. Em 2007, o corpo científico internacional afirmou, com alto grau de confiança, em seu quarto relatório, que ondas de calor e incêndios iriam crescer em intensidade e frequência no país.

“É um pouco a mesma mensagem que estamos passando: durante ondas de calor e secas, a probabilidade de incêndios florestais catastróficos é gigantesca e vai aumentar no futuro. Se não tiver ação forte para evitar, vamos ter consequências. Estamos mostrando isso com números”, afirma Brando.

Para lembrar: Amazônia teve 30% mais focos de fogo em 2019

O bioma amazônico teve ao longo de todo o ano passado 89.178 focos de queimadas, alta de 30% em relação ao ano de 2018, que registrou 68.345 focos.

O mês mais quente foi agosto, com cerca de 1/3 das queimadas do ano – na ocasião foram registrados 30.901 focos, o maior volume de fogo desde 2010 e o triplo de agosto de 2018. As imagens de queimadas ganharam o mundo e chamaram a atenção da comunidade internacional, que fez duras críticas ao Brasil.

O governo Bolsonaro decidiu, então, mandar as Forças Armadas para a região por meio de uma Garantia da Lei e Ordem (GLO). O esforço levou à redução das queimadas em setembro e outubro, que registrou o menor número de focos da série histórica do Inpe (que começou em 1998), mas o desmatamento, por outro lado, continuou crescendo. Vários estudos, como do Ipam e da Nasa, relacionaram as queimadas com o alto índice de derrubada da floresta.

Em novembro e dezembro, os focos de queimadas voltaram a subir na comparação com 2018. Em novembro, foram 11.298, contra 8.881 no mesmo mês do ano anterior. E em dezembro, mesmo com o início da temporada de chuvas, houve 3.275 focos, contra 1.842 em dezembro de 2018.

O desmatamento, por sua, vez, continuou em alta. De 1º de agosto a 17 de dezembro, o Deter, sistema de alertas do Inpe, indicou para uma área desmatada de 4.419 km², contra 2.164 km² observados nos últimos cinco meses de 2018.

Se o ritmo continuar, a expectativa é que a taxa oficial de desmatamento do período de 2019 a 2020 supere a taxa registrada no ano passado. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, o sistema Prodes apontou para uma perda de quase 10 mil km² da Amazônia, uma alta de 29,5% em relação aos 12 meses anteriores.

Fonte: Estadão Conteúdo

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