“Caminhamos para um cenário de derrocada se não houver uma reação do Legislativo e do Supremo à altura” Foto: Terra de Direitos
As instituições da República precisam atentar para a manobra do Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do deputado Major Vitor Hugo (PSL-BA), para acelerar a tramitação e votar em plenário um Projeto de Lei (PL 1595/2019), antes parado, que amplia sem limites o conceito do que seja terrorismo e dá a forças policiais o direito de intervir em praticamente qualquer ato dos cidadãos, mesmo os atos que sequer ainda foram praticados.
“Terrorismo é crime muito sério que não pode ser banalizado como o parlamento pretende fazer. O projeto totalitarista começa pela administração pública minando a capacidade administrativa, o que Bolsonaro já fez. Uma população com amplo acesso a armas, esse discurso do ódio, a polarização da sociedade junto com um Projeto de Lei que criminaliza lutas sociais, tudo isso é mais um sinal de que caminhamos para um cenário de derrocada, se não houver uma reação do Legislativo e do Supremo Tribunal Federal muito à altura”.
Duprat se notabilizou, e por isso quase foi indicada a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), ao defender povos indígenas, comunidades tradicionais, populações negra e LGBTI entre 2015 e 2020, durante mandato de procuradora federal dos direitos do cidadão.
Inesperadamente, Lira criou no dia 18 passado uma Comissão Especial para ressuscitar o PL que hibernava desde outubro de 2019 na Comissão de Defesa Nacional e Relações Exteriores (CDNRE), e mais rapidamente do que o trâmite normal indicou seus 14 titulares.
O atual presidente da CDNRE é Aécio Neves (PSDB-MG), que sucedeu Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
O Projeto é uma espécie de herança que o Presidente Jair Bolsonaro deixou para Vítor Hugo, e escancara o longo rol de possibilidades de forças policiais, militares e de inteligência (espionagem) assediarem cidadãos, associações, empresas, movimentos sociais etc.
Quando deputado federal, em 2016, Bolsonaro apresentou PL de igual teor ao que Vítor Hugo patrocina agora.
Por exemplo, este PL prevê, vagamente, o “monitoramento, por meio de operações de inteligência, de fatos associados ou que possam estar associados a terrorismo, para identificação de formas de atuação dos grupos terroristas, de suas fontes de financiamento e, particularmente, de seus meios de recrutamento, propaganda e apologia”.
Ontem, a Frente Parlamentar Mista Em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos entregou em mãos ao 1º Vice-Presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), uma carta subscrita por 114 entidades da sociedade civil pedindo que a Comissão criada por Lira não seja instalada.
Duprat lembra que “quando da aprovação da lei antiterrorismo, em 2015, muito debate foi travado para conter ao máximo o que fosse considerado crime de terrorismo. Isso foi obtido porque a (ex)presidenta Dilma (Rousseff) vetou vários pontos vagos”.
“Tinha uma cláusula muito importante dizendo que não era considerado terrorismo (a ação) de qualquer grupo de pessoas que reivindicassem direitos”.
A ex-procuradora explica que, “numa sociedade tão desigual quanto é a brasileira, a Constituição de 1988 dá início a direitos, mas eles se concretizam por meio de processos de luta” – o que, caso o PL de Vítor Hugo seja aprovado, poderá ser considerado ato de “terrorismo”.
Duprat também observa que “leis de combate a terrorismo são excepcionais e precisam observar o princípio da legalidade. As normas e regras precisam estar contidas com muita clareza e essas leis tem de ser revistas periodicamente, ser embasadas em dados técnicos passíveis de exame pela sociedade civil. Não é uma lei comum. É uma lei muita grave”.
“No direito internacional não há uma definição do que seja terrorismo. Além disso, não temos tradição de atos terroristas (no Brasil)”, ressalta a ex-procuradora.
Veja a entrevista completa de Débora Duprat em vídeo aqui: https://youtu.be/Bz1cpbdSzMU