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Confronto de ideias na COP30: ciência climática, capitaloceno e a urgência do phase out fóssil

A verdade inconveniente da crise climática, a falha histórica das COPs e a urgência de uma transição para além dos combustíveis fósseis foram o cerne do Painel Cientistas do Clima, realizado na sexta-feira, 21 de novembro, no ARAYARA Amazon Climate Hub. O encontro, mediado pela diretora executiva da ARAYARA, Nicole Oliveira, reuniu nomes de peso para conectar a ciência dura com a ação climática e a justiça social.

A ciência implora por ação imediata

A pesquisadora Fátima Esam Eldeen (University of Barcelona) detalhou a gravidade da situação com base em dados de emissão. Ela reiterou que o aquecimento global é de ação humana. “Se queremos nos limitar aos 1,5 graus que se combinou em Paris, sabemos onde devemos colocar o limite”, alertou.

A pesquisadora destacou que, ao ultrapassar 1,5°C, a chance de alcançar “pontos de não retorno” — onde há um risco de tragédias em “efeito cascata” com consequências irreversíveis — é muito alta. Para evitar isso, 88% dos novos projetos fósseis previstos e 100% dos projetos de carvão teriam que ser cancelados, pois os projetos atualmente instalados já comprometem a meta.

Fátima Eldeen criticou duramente a presença da indústria na mesa de negociação: “Como podem estar na mesa se eles têm claro conflito de interesse? Eles lucram com a destruição do nosso planeta”. Ela citou que 9 das maiores empresas de óleo e gás lucraram 457 bilhões de dólares em 2022, enquanto empresas como a Petrobras investem 0% em energias renováveis, confirmando que os fósseis não fazem parte da transição.

O capitaloceno, o moinho satânico e o fracasso das COPs

O geógrafo Jeferson Choma (USP) trouxe uma visão crítica, citando Milton Santos e chamando o resultado das últimas COPs de “um fracasso retumbante”, pois as emissões globais continuam aumentando ano após ano. Com base no relatório do PNUMA, ele afirmou que há “praticamente nenhuma chance de manter o 1,5” e “pouquíssima de manter abaixo de 2,0”.

Choma desvelou a estrutura de destruição brasileira, onde 48% das emissões vêm da mudança de uso do solo e 27% da agropecuária, chamando-o de “sistema de destruição ambiental e da fome”. A expansão da soja, vendida para exportação como ração animal, impulsiona um “moinho satânico”, onde créditos agrícolas fortalecem o agronegócio, desmatam a Amazônia e ameaçam a segurança alimentar. Ele alertou para as “bombas climáticas” como o asfaltamento da BR-319, a Ferrogrão e hidrovias na região amazônica.

O geógrafo defendeu o conceito de “Capitaloceno” no lugar de “Antropoceno,” argumentando que a crise climática é despolitizada ao ocultar que não é o “antropo” em geral que a causa, mas a sociedade capitalista. “10% mais rico é responsável pela emissão de 50% das emissões”, pontuou, defendendo o conceito cunhado por Jason Moore.

Justiça climática e a voz da litigância

Hirdan Costa (USP e Especialista Sênior de Energia da ARAYARA) conectou a ciência aos direitos humanos e à litigância climática. Diante dos eventos extremos, como a seca e os tornados, ela defendeu que a justiça climática é o eixo estruturante que exige que o ônus e o bônus do capitalismo sejam compartilhados. Isso implica pensar na justiça intergeracional e na justiça interespécies.

Hirdan destacou que a sociedade civil brasileira tem se mobilizado, levando o país ao segundo lugar no mundo em número de ações climáticas (332). Ela citou vitórias importantes no Supremo Tribunal Federal (STF), como a ADPF 708, que reconheceu a proteção do clima como dever constitucional, e a ADPF 760, sobre o controle do desmatamento. “A litigância climática no Brasil mostra como a voz da sociedade civil tem efeito”, concluiu.

A força dos saberes tradicionais

Núbia Giese (PUC-SP) lamentou a falta de inclusão dos povos tradicionais nas tomadas de decisão da COP, apesar de o evento ocorrer no Pará. Ela enfatizou que esses povos — que incluem seringueiros, quilombolas e ribeirinhos, além dos indígenas — protegem a natureza e vivem de forma comunitária.

Núbia defendeu o conceito do “Bem Viver” (presente nas constituições do Equador e Bolívia), um modelo que luta contra o capitalismo e o antropocentrismo e valoriza a coletividade e as cosmovisões tradicionais. “Os povos indígenas estavam aqui antes da gente, viviam bem, sem doenças, com natureza preservada, exploravam o suficiente para não degradar. Será que eles não têm conhecimento?”, questionou, pedindo que a sociedade traga esses ensinamentos para si.

Ao final, Juliano Bueno (diretor-presidente da ARAYARA) fez uma reflexão sobre a COP em Belém. Ele ressaltou a importância de trazer europeus para verem a realidade da cidade, que conversa com muitas capitais do Sul Global. Juliano comparou o atraso na transição energética ao “descobrimento de um câncer que deixamos para iniciar o tratamento depois”, lamentando que simulações climáticas coloquem Belém em uma situação “bem difícil”. Ele finalizou agradecendo às milhares de organizações que passaram pelo ARAYARA Amazon Climate Hub e reforçando que o trabalho de técnicos e cientistas continua, apesar das dificuldades da COP.

Foto: Odaraê Filmes

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