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Começo do retorno à normalidade democrática

Nicole Oliveira*

Ao determinar às 17 horas da quinta, 24 de junho, a exclusão de 42 blocos, localizados na área conhecida como Bacia Sedimentar de Pelotas na costa sul do Brasil, da 17ª Rodada de Licitações que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizará em 7 de outubro, a 6ª Vara Federal de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, não apenas atendeu a ação civil pública movida pelo Instituto Arayara e pelo Observatório de Petróleo e Gás (OPG).

Em verdade, a decisão da juíza Marjôrie Cristina Freiberger – que manda a ANP excluir da 17ª Rodada os setores SP-AP1 (16 blocos) e SP-AR1 (26 blocos), até que sejam elaboradas Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS) – vai muito além.

A decisão é um passo importante no longo caminho para resgatar o cumprimento da legislação e da recomposição da estrutura de regulação e fiscalização  ambientais brasileiras, atacadas sistemática e planejadamente pelo Presidente Jair Bolsonaro.

A Arayara e o OPG reclamam que faltam estudos conclusivos sobre eventuais impactos da exploração do óleo e dos sucessivos entraves que a ANP coloca para a participação da sociedade civil, como determina a legislação brasileira. A ANP pode recorrer da decisão, que tem caráter liminar, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre (RS). O leilão da ANP está marcado para 7 de outubro.

Desde que o atual presidente Jair Bolsonaro assumiu, em 1 de janeiro de 2019, e colocou no Ministério do Meio Ambiente o advogado Ricardo Salles, instituições estatais ambientais estão sendo deliberadamente destruídas, normas administrativas (como a repressão ao garimpo ilegal em reservas indígenas) desconhecidas e devotados funcionários públicos, perseguidos apenas por cumprirem a sua função constitucional.

Um cenário de terra arrasada. Ou, como o próprio Salles definiu em uma reunião de ministros, no dia 23 de abril de 2020, uma situação em que o governo devia “passar a boiada enquanto a sociedade e a imprensa estão preocupados com a pandemia”.

Por “passar aboiada”, Salles mencionava destruir toda a institucionalidade ambiental, para permitir, por exemplo, a exploração de petróleo em áreas marítimas em que ocorrem espécies tremendamente ameaçadas de extinção (como a Baleia Azul, o maior animal que já viveu na Terra e cujo número de indivíduos está reduzido a apenas 1%da população original).

Emblematicamente, a decisão da juíza Marjôrie apareceu no mesmo dia em que Salles foi demitido, no rastro de uma investigação conduzida pela Polícia Federal (PF) que o aponta como responsável pelo tráfico de dezenas de milhares de madeiras nobres que saíram ilegalmente da região Amazônica para o mercado ilegal a preços irrisórios.

O Instituto Arayara e o OPG afirmaram em duas ações ajuizadas em março passado que  avaliações sistemáticas e conclusivas dos potenciais impactos da exploração marítima de petróleo ainda precisam ser feitas – aliás, como indicaram também os pareceres técnicos assinados conjuntamente pelos especialistas do ICMBio e Ibama, as agências ambientais regulatórias no Brasil.

Os efeitos de um eventual vazamento nas sensíveis áreas em que podem acontecer a atividade petrolífera seriam irreversíveis.

Muitos impactos causados por eventuais vazamentos sequer chegariam ao conhecimento do público – o governo brasileiro não tem um sistema minimamente eficiente para monitorar os seus 7,5 mil km de costa, nem um plano de contingência a ser aplicado em caso de desastres e crimes ambientais, como ficou comprovado no até hoje sem culpados vazamento ocorrido principalmente no Nordeste do País em 30 de agosto de 2019.

É por estas razões, entre outras, que as ações judiciais pedem que sejam retirados da licitação 50 blocos que estão sendo ofertados em duas regiões de extrema delicadeza ambiental, nas porções sul e nordeste da costa brasileira.

A decisão sobre a Bacia Sedimentar de Pelotas, objeto da decisão da juíza Marjorie, trata de região localizada no litoral dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Fica, também,  a poucas centenas de quilômetros do Uruguai, país que também seria impactado em caso de vazamento.

Toda esta região registra alta produção pesqueira (que beneficia decisivamente a economia catarinense)  e corredores migratórios de várias espécies de baleias, peixes e aves ameaçadas de extinção. Devido a esta circunstância, ali também existirem parques marinhos, justamente para resguardar essas espécies.

Uma segunda ação judicial, também ajuizada por Arayara e o OPG, ainda está sendo avaliada pela seção da justiça federal no Estado de Pernambuco. Na ponta nordeste da costa brasileira, também estão ameaçados de extinção, e ficariam ainda mais sob perigo se ali for iniciada a exploração petroleira, dezenas de outros animais marinhos.

Entre eles está a Baleia Azul, o maior animal do mundo, que habita áreas próximas a outros 14 blocos que a ANP deseja que sejam explorados na assim chamada Bacia Sedimentar de Potiguar. Eles ficam próximos a dois absolutos paraísos marinhos conhecidos internacionalmente: o Parque Nacional de Fernando de Noronha e a  Reserva Biológica do Atol das Rocas.

Por incrível que pareça, a ANP insiste em leiloar as áreas sem a realização, como determina a legislação brasileira, das AAAS. Os especialistas do ICMBIO e do Ibama apontaram essa ilegalidade.

Mas, a ANP, com a qual a equipe econômica neoliberal de Bolsonaro conta para arrecadar bilhões de dólares da venda de outorgas de exploração a pouco mais de um ano de sua campanha para reeleição à Presidência da República, desconsidera o alerta dos próprios técnicos do governo. 

E é justamente aí, nesse ponto, que a Justiça começa a atuar com rigidez em temas centrais, após o furacão de extrema-direita de Bolsonaro e seu operador Salles terem dado a impressão de que iria ruir toda a institucionalidade ambiental no Brasil.

Os técnicos ressaltaram que não há informações em quantidade e qualidade suficientes para dispensar a realização de AAAS, e a juíza Marjôrie observou justamente esse ponto: “a ausência de AAAS não se justifica sob qualquer aspecto” e mandou que as Avaliações sejam realizadas previamente ao leilão que a ANP de Bolsonaro quer impor a qualquer custo.

Tome-se por suficiente, neste momento, a corajosa decisão da juíza Marjôrie, que, com sua decisão, deu enorme contribuição para que o Brasil comece a retornar à legalidade democrática, após as operações da dupla Bolsonaro&Salles.

Mas, alguns temas de fundo ainda não apareceram neste caso da 17ª Rodada, e ainda precisam ser objeto de discussão pública. Como, por exemplo, o fato de sucessivos governos brasileiros, e com especial perversidade o terrorista ambiental Bolsonaro, virem insistindo na exploração para queima de combustíveis fósseis, enquanto os três polos dinâmicos da economia global – China, EUA e Europa – já se posicionaram para aproveitar o amplo movimento de descarbonização da economia e ganharem posições nisto que se convencionou chamar de forma ainda larga demais de “transição energética”.

*Diretora do Instituto Internacional Arayara, é mestra em direito internacional e resolução de conflitos pela Leopold-Franzens Universität Innsbruck e Universidad Para La Paz. Esse artigo foi publicado originariamente em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/comeco-do-retorno-a-normalidade-democratica-24072021.

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