por Nicole Oliveira | 29, jun, 2020 | Mundo |
Estima-se que 30% das emissões de gases poluentes na Europa sejam produzidas por transportes. Dessas, mais de 70% por transportes rodoviários. O que mudaria se todos os veículos fossem elétricos?
O silêncio da ignição. O sossego do para-arranca. O recato da hora de ponta. Expressões como estas podem não fazer grande sentido no tempo em que vivemos. Mas se todos os veículos fossem elétricos, outros motores cantariam. Apesar da obrigatoriedade dos chamados avisadores acústicos, está provado que, a baixas velocidades, o ruído emitido pelos motores elétricos é bem menor que o dos seus congéneres de combustão interna. Nas grandes cidades, onde se circula em média abaixo dos 20 km/h, a diferença na poluição sonora seria, por isso, considerável.
E o que dizer da qualidade do ar? Tomemos Lisboa como exemplo: nas primeiras semanas após a instauração do estado de emergência, a emissão de gases poluentes na Avenida da Liberdade teve uma redução de 60%, devido, sobretudo, à diminuição do tráfego rodoviário. Ora, sabendo-se que em Portugal o parque automóvel é o mais envelhecido de sempre (média de 12,7 anos por automóvel) e que um veículo elétrico emite, em todo o seu ciclo de vida, menos dois terços da quantidade de dióxido de carbono que os de motor a gasóleo ou gasolina, o ar tornar-se-ia, automaticamente, muito mais respirável.
Se todos os veículos fossem elétricos, o consumo de eletricidade em Portugal — que se tem mostrado estado estável na última década — subiria, por certo, em flecha. Mais de 14%, segundo estimativas da APETRO (Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas). Aumentar a produção de eletricidade, descarbonizando-a ao mesmo tempo, seria um desafio. Ultrapassável, porém, tendo em conta que as fontes renováveis já contribuem com mais de metade da produção total de energia em Portugal. Além disso, e ainda segundo a APETRO, o país pouparia 1723 milhões de euros nas importações de combustíveis fósseis.
A Agência Portuguesa do Ambiente estima que em Portugal, a poluição atmosférica provoque seis mil mortes por ano, devido às elevadas concentrações de partículas finas e dióxido de azoto (NO2), gás resultante da queima de combustíveis fósseis. A poluição contribui para a prevalência da rinite alérgica ou da DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica) nas grandes cidades. Um parque automóvel 100% elétrico contribuiria, sem dúvida, para mitigar estes problemas.
Perante esse cenário, outros desafios surgiriam: a necessidade de reforçar redes de carregamento, tornar a produção de lítio e cobalto — metais indispensáveis ao fabrico de baterias — mais sustentável, apostar na reciclagem e reutilização de baterias e até a conversão de certos postos de trabalho, ligados às oficinas e estações de serviço convencionais. Mas, no final de contas, o resultado seria um mundo melhor? Muito provavelmente, sim.
Fonte: Observador
por Nicole Oliveira | 21, jun, 2020 | Mundo, Notícias |
O Vaticano publicou o documento interdicasterial “A caminho dos cuidados da casa comum”, no qual coloca como questão central para a Igreja Católica o conceito de “ecologia integral”. “Não há crises separadas, mas uma única e complexa crise sócio-ambiental que requer uma verdadeira conversão ecológica”, afirma o papa Francisco no texto, que serve de orientação para as ações dos católicos.
A publicação foi escrita antes da pandemia do novo coronavírus, como celebração do quinto aniversário da Encíclica Laudato si, a 298ª emitida na história da Igreja Católica e publicada em 18 de junho de 2015. O texto foi redigido pela Mesa Interdicasterial da Santa Sé sobre ecologia integral, da qual fazem parte instituições ligadas à Santa Sé, algumas Conferências Episcopais e organismos católicos.
Ao longo de mais de 200 recomendações, o pontificado sugere medidas práticas a serem tomadas pelos cristãos no combate ao aquecimento global e afirma que “não se pode defender a natureza se não se defende todo ser humano”. A recomendação dialoga com o conceito de “pecado contra a vida humana” que o papa Francisco defende desde o final do ano passado.
Ainda de acordo com o texto, a família católica teria papel central na disseminação desses valores. No documento, a instituição familiar seria “um lugar educativo privilegiado onde se aprende a respeitar o ser humano e a Criação” e, por isso, o governos deveriam “promover políticas inteligentes para o desenvolvimento familiar”.
A Mesa Interdicasterial da Santa Sé também atenta para o desperdício de alimentos, a preservação da água, a promoção da saúde, a preocupação com sustentabilidade e outras diretrizes para evitar a degradação do planeta Terra, chamado de “casa comum”. “O compromisso com o cuidado da casa comum é parte integrante da vida cristã”, afirma.
Alguns pontos
Conversão ecológica
A primeira parte do documento abre com uma chamada à necessidade de uma conversão ecológica, uma mudança de mentalidade que leva ao cuidado da vida e da Criação, ao diálogo com o outro e à consciência da profunda conexão entre os problemas do mundo. Sugere-se, portanto, valorizar iniciativas como o “Tempo da Criação”, mas também tradições monásticas que ensinam a contemplação, a oração, o trabalho e o serviço. Tudo para educar para o conhecimento da ligação entre o equilíbrio pessoal, social e ambiental. O documento reafirma a centralidade da vida e da pessoa humana, pois “não se pode defender a natureza se não se defende todo ser humano”. Daí a indicação para desenvolver o conceito de “pecado contra a vida humana” entre as novas gerações, também para contrastar, com a “cultura do cuidado”, a “cultura do desperdício”.
Família, protagonista da ecologia integral
Há também uma forte ênfase da família como “protagonista da ecologia integral”: fundamentada nos princípios básicos de “comunhão e fecundidade”, ela pode se tornar “um lugar educativo privilegiado onde se aprende a respeitar o ser humano e a Criação”. Por esta razão, os Governos são instados a “promover políticas inteligentes para o desenvolvimento familiar”.
Escola: uma nova centralidade
Ao mesmo tempo, a escola é convidada a adquirir “uma nova centralidade”, ou seja, a tornar-se um lugar de desenvolvimento da capacidade de discernimento, pensamento crítico e ação responsável. Em particular, há duas sugestões nesta área: facilitar as conexões casa-escola-paróquia e lançar projetos de formação para “cidadania ecológica”, ou seja, promover entre os jovens “um novo modelo de relacionamento” que vá além do individualismo em favor da solidariedade, da responsabilidade e do cuidado. A universidade também é chamada em causa: sua tripla missão de ensinamento, pesquisa e serviço à sociedade deve girar em torno do eixo da ecologia integral, incentivando os estudantes a se engajarem em “profissões que facilitem mudanças ambientais positivas”. Daí a sugestão específica de “estudar a teologia da criação, na relação do ser humano com o mundo”, consciente de que cuidar da Criação requer “uma educação permanente”, um verdadeiro “pacto educativo” entre todas as entidades envolvidas.
Casa comum parte integrante da vida cristã
O documento também reafirma que “o compromisso com o cuidado da casa comum é parte integrante da vida cristã”, e não uma opção secundária. Mas não é tudo: o cuidado com a casa comum é “uma excelente área” para o diálogo e colaboração ecumênica e inter-religiosa. Com sua “sabedoria”, de fato, as religiões podem incentivar um estilo de vida “contemplativo e sóbrio” que leve à “superação da deterioração do Planeta”. A primeira parte do documento conclui com um capítulo dedicado à comunicação e sua “profunda analogia” com o cuidado da casa comum: ambos, na verdade, são baseados na “comunhão, relacionamento e conexão”. No contexto de uma “ecologia da mídia”, portanto, os meios de comunicação são chamados a destacar as ligações entre “o destino humano e o ambiente natural”, fortalecendo os cidadãos e combatendo as chamadas “fake news”.
Alimentação e desperdício
A segunda parte do documento refere-se ao tema da alimentação e recorda as palavras do Papa Francisco: “A comida que é jogada fora é como se fosse roubada dos pobres” (LS, 50). Partindo desse ponto, a condenação do desperdício alimentar como ato de injustiça, o apelo à promoção de uma agricultura “diversificada e sustentável”, em defesa dos pequenos produtores e dos recursos naturais, e a necessidade urgente de uma educação alimentar saudável, tanto em quantidade quanto em qualidade.
Há também um forte apelo para combater fenômenos como a apropriação de terras, grandes projetos agroindustriais poluidores e para proteger a biodiversidade. Esse apelo repete-se também no capítulo dedicado à água, cujo acesso é “um direito humano essencial”. Também aqui é preciso evitar o desperdício e ir além dos critérios utilitários que levam à privatização deste bem natural. Na mesma linha está a chamada para reduzir a poluição, descarbonizar o setor energético e econômico e investir em energia “limpa e renovável”, acessível a todos.
Água: Pulmões azuis do planeta
Os mares e oceanos também estão no coração da ecologia integral: “pulmões azuis do planeta”, eles exigem uma governança focada no bem comum de toda a família humana e na subsidiariedade. O texto também destaca a necessidade urgente de promover uma “economia circular” que não vise a exploração excessiva dos recursos produtivos, mas a sua manutenção a longo prazo, para que possam ser reutilizados.
Devemos superar o conceito de ‘rejeição’, pois tudo tem um valor, lemos no texto. Mas isso só será possível através da interação entre inovação tecnológica, investimento em infraestrutura sustentável e crescimento da produtividade dos recursos. O setor privado é chamado a operar com transparência na cadeia de suprimentos e a reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis e a tributação das emissões de CO2 é necessária.
No campo do trabalho, portanto, espera-se a promoção do desenvolvimento sócio-econômico sustentável para erradicar a pobreza; pede-se caminhos sócio-profissionais em favor dos marginalizados; trabalho digno, salários justos, combate ao trabalho infantil e à informalidade; espera-se uma economia inclusiva, na promoção do valor da família e da maternidade; é necessária a prevenção e erradicação de “novas formas de escravidão”, como o tráfico.
Sustentabilidade integral
O mundo das finanças também deve desempenhar seu papel, visando o “primado do bem comum” e tentando pôr fim à pobreza. “A própria pandemia da Covid-19 – lê-se no texto – mostra como é questionável um sistema que reduz a assistência ou permite grandes especulações mesmo em infortúnios, voltando-se contra as pessoas mais pobres”.
Fechar paraísos fiscais, sancionar as instituições financeiras envolvidas em operações ilegais, fazer a ponte entre os que têm acesso ao crédito e os que não o têm, juntamente com a exortação a promover “uma gestão dos bens da Igreja inspirada na transparência, coerência e coragem” de uma perspectiva de sustentabilidade integral.
No âmbito das instituições, o documento enfatiza a “primazia da sociedade civil”, a serviço da qual deve se dedicar a política, os governos e as administrações. Exorta-se à globalização da democracia substantiva, social e participativa, a uma visão de longo prazo baseada na justiça e na moralidade e na luta à corrupção. Será importante promover o acesso à justiça para todos, incluindo os pobres, os marginalizados, os excluídos; “repensar prudentemente” no sistema carcerário, a fim de promover a reabilitação dos detentos, especialmente dos jovens em sua primeira condenação.
Promoção da saúde
Em seguida, o texto se detém na saúde, chamando-a de “questão de equidade e justiça social” e reafirmando a importância do direito ao tratamento. “Ao mesmo tempo em que as redes ecológicas são degradadas”, lemos, “degradam-se também as redes sociais e em ambos os casos são os mais pobres que pagam as consequências”. Entre as sugestões propostas, há um exame dos perigos associados à “rápida disseminação de epidemias virais e bacterianas” e a promoção de cuidados paliativos.
Por fim, o documento interdicasterial aborda a questão climática, consciente de que tem “uma profunda relevância” ambiental, ética, econômica, política e social, “afetando acima de tudo os mais pobres”: em primeiro lugar, precisamos de “um novo modelo de desenvolvimento” que ligue sinergicamente a luta contra as mudanças climáticas e a luta contra a pobreza, “em harmonia com a Doutrina Social da Igreja”.
Consciente de que “não se pode agir sozinho”, o documento apela para um compromisso com o desenvolvimento sustentável “com baixo carbono” para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Entre as propostas feitas nessa área, o reflorestamento de áreas como a Amazônia e o apoio ao processo internacional visando definir a categoria de “refugiado climático” para garantir a “proteção jurídica e humanitária necessária”.
Ecologia no Vaticano
O último capítulo do texto é dedicado ao compromisso do Estado da Cidade do Vaticano. Existem quatro áreas operacionais nas quais se aplicam as indicações do “Laudato si”: proteção ambiental (coleta seletiva de resíduos iniciada em todos os escritórios); proteção dos recursos hídricos (circuitos fechados para a água das fontes); cuidado de áreas verdes (redução progressiva de agrotóxicos); consumo de recursos energéticos (em 2008, um sistema fotovoltaico foi instalado no telhado da Sala Paulo VI, enquanto os novos sistemas de iluminação com economia de energia na Capela Sistina, na Praça de São Pedro e na Basílica do Vaticano reduziram os custos em 60, 70 e 80 por cento, respectivamente).
Fonte: Vatican News
por Nicole Oliveira | 21, jun, 2020 | Mundo, Notícias |
No dia 18 de junho, quinto aniversário da publicação de Laudato Si – encíclica do Papa Francisco que apela à unificação global no combate às mudanças climáticas – o Vaticano publica novas diretrizes com mais de 200 recomendações em defesa do ambiente.
O documento intitulado “Caminhando em direção ao cuidado de nosso lar comum: cinco anos depois de Laudato Si” sugere medidas práticas para conter o aquecimento global e faz alertas severos contra os perigos da degradação ambiental. O documento convida o mundo a descarbonizar os setores energético e econômico, tornando as energias renováveis acessíveis a todos, e pede uma reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis e tributação das emissões de CO2.
Esse é o primeiro endosso do Vaticano à campanha mundial de desinvestimento de combustíveis fósseis.
Compromisso internacional
Em maio de 2020, 42 instituições em 14 países anunciaram seu compromisso de eliminar essas fontes de energia. “O apoio ao desinvestimento é um dos grandes momentos desta campanha de uma década”, afirma Bill Mckibben, escritor, ambientalista e cofundador da ONG da 350.org.
Segundo ele, a ação “torna ainda mais claro que pessoas de boa fé simplesmente não podem tentar lucrar com a destruição do planeta.”
No ano passado, o relatório final do Sínodo da Amazônia já recomendava o desinvestimento em combustíveis fósseis, e na ocasião, o Papa Francisco emitiu a primeira declaração de todos os tempos de um pontífice sobre o tema.
Inclusão social
O texto apela também à promoção da agricultura “diversificada e sustentável” e faz uma defesa dos pequenos produtores e da necessidade urgente de promover uma educação alimentar saudável. Há ainda um forte apelo para combater a apropriação de terras e os grandes projetos agroindustriais que poluem o ambiente, além de ameaçar a proteção da biodiversidade.
Segundo o documento, o mundo das finanças precisa visar o “primado do bem comum” e trabalhar para acabar com a pobreza. “A pandemia de Covid-19”, diz o documento, “mostra como elementos do sistema estão sendo questionados quando reduzem o bem-estar, permitem especulações até mesmo no infortúnio e oprimem as pessoas mais pobres”.
O texto se refere especificamente aos sistemas de saúde como uma questão de “equidade e justiça social” e reafirma a importância do direito de cuidar. “À medida que as redes ecológicas são degradadas, as redes sociais também são destruídas. Nos dois casos, são os mais pobres que sofrem as consequências”, afirmam as diretrizes.
O Vaticano sugere, ainda, avaliação criteriosa dos perigos associados à “rápida disseminação de epidemias virais e bacterianas”.
Notável e profético
“O nível de detalhe das diretrizes é notável e profético, variando de desinvestimento em combustíveis fósseis a atividades pastorais”, avalia Tomás Insua, diretor executivo do Movimento Global pelo Clima Católico. “Esperamos que este novo documento acelere ainda mais o compromisso da comunidade católica de cuidar de nosso lar comum, particularmente à luz do Ano do Si de Laudato do Papa Francisco”.
Mais informações sobre o documento podem ser acessadas aqui.
Via CicloVivo.
por Nicole Oliveira | 19, maio, 2020 | Mundo |
Um novo modelo de crescimento econômico mais justo e sustentável e que olha para o futuro do planeta e da humanidade. Enquanto a economia global enfrenta a pior crise desde 1929 devido ao Coronavírus, 42 instituições religiosas de várias denominações em 14 países anunciam em conjunto seu desinvestimento em combustíveis fósseis. Também pedem aos governos do mundo comprometidos em apoiar suas economias com grandes planos de intervenção pública, para pensar a longo prazo, visando uma retomada que seja de baixo conteúdo em carbono e mais justa.
Não investir em combustíveis fósseis
A declaração comum de intenções, a primeira assinada por um número tão grande de organizações confessionais nesta área, foi acompanhada, entre outras, por entidades católicas, metodistas, anglicanas e budistas. A participação católica é particularmente significativa nesta semana da Laudato si’, celebrada na véspera do Ano dedicado aos cuidados da Criação, que terá início no dia 24 de maio, no quinto aniversário da publicação da Encíclica do Papa Francisco sobre ecologia integral.
Cuidado da Casa comum
A questão do cuidado da Casa comum é uma questão que a emergência sanitária e a emergência econômica e social em evidência correm o risco passar em segundo plano, enquanto o acordo climático de Paris continua a ser desconsiderado. Isto é confirmado por um recente relatório da ONG britânica cristã Operation Noah, segundo o qual nenhuma das grandes multinacionais do petróleo atingiu até agora as metas estabelecidas pelo Cop21 em 2015.
Por outro lado, as comunidades de fé há muito tempo assumiram a liderança do movimento pelo desinvestimento global da energia fóssil e são as que mais contribuíram com iniciativas individuais neste sentido: mais de 350 de um total de 1.400. Somente no último mês, 21 organizações católicas com um patrimônio total de 40 bilhões de dólares se comprometeram a investir em empresas que aderiram ao Catholic Impact Investing Pledge, o compromisso de respeitar os ensinamentos sociais da Igreja sobre proteção ambiental e justiça social em seus planos de investimento.
Recuperação “completa e resiliente”
A nova iniciativa inter-religiosa conjunta visa encorajar os governos de todo o mundo a promover políticas nessa direção para permitir uma recuperação “completa e resiliente” na era pós-Coronavírus. “A atual crise de saúde tem destacado mais do que nunca a necessidade de uma ação internacional coerente diante de uma ameaça global”, destaca o reverendo Rowan Williams, ex-Primaz da Igreja Anglicana, segundo o qual a experiência do Coronavírus é uma lição da qual extrair ensinamentos também para as mudanças climáticas: Fazer isso”, diz ele, “significa tomar medidas práticas e eficazes para reduzir nossa dependência letal em combustíveis fósseis”. Com o mesmo tipo de pensamento afirma Padre Endra Wijayanta, diretor da Comissão de Justiça, Paz e a Integridade da Criação da Arquidiocese de Semarang, Indonésia: “Esta pandemia é o momento certo não só para refletir, mas também para agir”, bloqueando “a espiral ecológica da morte” e “tomando o caminho de um estilo de vida mais sustentável”.
Decisões de hoje marcarão o futuro
“Cada dólar investido em combustíveis fósseis é um voto de sofrimento”, insiste Tomás Insua, diretor executivo do Movimento Católico Global para o Clima (Mcgc). Também para Isabel Apawo Phiri, secretária-geral adjunta do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), o desinvestimento em combustíveis fósseis para uma economia mais sustentável “é mais urgente do que nunca”. James Buchanan, responsável pela Campanha Bright Now da Operação Noah, lembra, por sua vez, que “As decisões que tomarmos agora vão afetar o futuro da humanidade por milhares de anos”.
Fonte: Vatican News
por Nicole Oliveira | 28, abr, 2020 | Mundo, ONU |
Com uma cooperação mais estreita entre as nações, argumenta o chefe das Nações Unidas, poderíamos impedir uma pandemia de mudanças climáticas mais rápidas e lentas.
A pandemia de Covid-19 é o maior teste que o mundo enfrentou desde a Segunda Guerra Mundial. Existe uma tendência natural, diante da crise, de cuidar primeiro da própria pessoa. Mas a verdadeira liderança entende que há momentos para pensar grande e com mais generosidade. Esse pensamento estava por trás do Plano Marshall e da formação das Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial. Este também é um momento. Devemos trabalhar juntos como sociedades e como comunidade internacional para salvar vidas, aliviar o sofrimento e diminuir as consequências econômicas e sociais devastadoras do Covid-19.
O impacto do coronavírus é imediato e terrível. Devemos agir agora e devemos agir juntos. Assim como devemos agir juntos para enfrentar outra emergência global urgente da qual não devemos perder de vista – as mudanças climáticas. Na semana passada, a Organização Meteorológica Mundial divulgou dados mostrando que as temperaturas já aumentaram 1,1 graus centígrados acima dos níveis pré-industriais. O mundo está a caminho de uma perturbação climática devastadora da qual ninguém pode se auto-isolar.
Agora, em todos os continentes e em todos os mares, as perturbações climáticas estão se tornando o novo normal. A conduta humana também está levando a severas perdas de biodiversidade, alterando a interação animal-humano e distorcendo os processos do ecossistema que regulam nossa saúde planetária e controlam muitos serviços dos quais os humanos dependem. A ciência está gritando para nós que estamos perto de ficar sem tempo – chegando a um ponto sem retorno para a saúde humana, que depende da saúde planetária.
Abordar a mudança climática e o Covid-19 simultaneamente e em escala suficiente exige uma resposta mais forte do que qualquer outra vista antes para salvaguardar vidas e meios de subsistência. Uma recuperação da crise do coronavírus não deve nos levar de volta a onde estávamos no verão passado. É uma oportunidade para construir economias e sociedades mais sustentáveis e inclusivas – um mundo mais resiliente e próspero. Recentemente, a Agência Internacional de Energia Renovável divulgou dados que mostram que a transformação de sistemas de energia poderia impulsionar a G.D.P. global. US $ 98 trilhões em 2050, gerando 2,4% a mais de G.D.P. crescimento do que os planos atuais. Aumentar os investimentos em energia renovável por si só adicionaria 42 milhões de empregos em todo o mundo, geraria economia em saúde oito vezes o custo do investimento e impediria uma crise futura.
Estou propondo seis ações positivas em termos climáticos para os governos considerarem quando construírem de volta suas economias, sociedades e comunidades.
Primeiro: como gastamos trilhões para nos recuperar do Covid-19, precisamos entregar novos empregos e negócios por meio de uma transição limpa e verde. Os investimentos devem acelerar a descarbonização de todos os aspectos de nossa economia.
Segundo: onde o dinheiro dos contribuintes resgata empresas, ele deve criar empregos verdes e crescimento sustentável e inclusivo. Não deve estar salvando indústrias poluentes e intensivas em carbono ultrapassadas.
Terceiro: o poder de fogo fiscal deve mudar as economias de cinza para verde, tornando as sociedades e as pessoas mais resilientes por meio de uma transição justa para todos e que não deixa ninguém para trás.
Quarto: no futuro, os fundos públicos devem investir no futuro, fluindo para setores e projetos sustentáveis que ajudam o meio ambiente e o clima. Os subsídios aos combustíveis fósseis devem terminar e os poluidores devem pagar por sua poluição.
Quinto: O sistema financeiro global, quando molda políticas e infraestrutura, deve levar em consideração os riscos e oportunidades relacionados ao clima. Os investidores não podem continuar ignorando o preço que nosso planeta paga por um crescimento insustentável.
Sexto: Para resolver ambas as emergências, precisamos trabalhar juntos como uma comunidade internacional. Como o coronavírus, os gases de efeito estufa não respeitam limites. O isolamento é uma armadilha. Nenhum país pode ter sucesso sozinho.
O Acordo de Paris sobre mudança climática e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas em 2015 fornecem o modelo e as ferramentas para uma melhor recuperação. Embora a Grã-Bretanha e a Itália tenham decidido adiar a conferência internacional anual do clima deste ano até 2021, não podemos nos dar ao luxo de hesitar na ação climática ou diminuir a ambição. Os governos devem honrar seus compromissos de apresentar novos planos nacionais de clima e estratégias de longo prazo para alcançar zero emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050.
Exorto a União Europeia a colocar o Acordo Verde apresentado no ano passado no centro de sua resposta econômica à pandemia e a manter seu compromisso de apresentar um novo e mais ambicioso plano climático e uma estratégia de longo prazo consistente com a neutralidade climática até 2050 Faço um apelo semelhante a todos os países do G20, que coletivamente representam mais de 80% das emissões globais e mais de 85% da economia global. Não podemos resolver a crise climática sem a liderança coordenada do G20.
Congratulo-me com a liderança demonstrada por países como a Coréia do Sul, que administrou a pandemia de maneira exemplar e apoiou outros países a fazê-lo, e agora está procurando liderar o caminho com seu próprio Green New Deal. Também é encorajador ver o Mizuho Financial Group do Japão anunciando que interromperá novos financiamentos para usinas a carvão e outras organizações como o Simitomo Misui Financial Group se movendo nessa direção.
E na semana passada, os membros menores e mais vulneráveis de nossa família das Nações Unidas, as pequenas nações insulares, voltaram à ambição climática, mesmo em meio ao desastre de Covid. Sua liderança deve servir de inspiração para todos.
Os jovens de todo o mundo têm exigido ações climáticas mais fortes, rápidas e ambiciosas, porque entendem que é a única maneira de garantir seu futuro. Da mesma forma, muitos líderes empresariais influentes nos dizem que a ação climática e o desenvolvimento sustentável são as únicas maneiras de proteger e fortalecer seus resultados.
Durante anos, fracassamos nossos jovens, danificando o planeta e deixando de proteger as pessoas mais vulneráveis às crises. Temos uma rara e curta janela de oportunidade para corrigir isso – reconstruindo um mundo melhor, não voltando a um mundo que é bom apenas para uma minoria de seus cidadãos.
Devemos agir agora para combater o coronavírus globalmente por todo o bem – e, ao mesmo tempo, buscar ações climáticas ambiciosas imediatas para um mundo mais limpo, mais verde, mais próspero e equitativo.
Por António Guterres
Secretário Geral das Nações Unidas
por Nicole Oliveira | 05, abr, 2020 | Mundo |
KUALA LUMPUR, 26 de março (Thomson Reuters Foundation) – As florestas tropicais do Sudeste da Ásia enfrentam uma ameaça cada vez maior de madeireiros e caçadores ilegais, já que as restrições ao coronavírus dificultam os esforços de conservação, alertaram grupos verdes na quinta-feira.
Na Malásia e na Indonésia – lar de grandes áreas de florestas protegidas – o pessoal da polícia e do exército está sendo amplamente utilizado em áreas urbanas para reforçar os bloqueios ou ajudar a construir instalações de saúde de emergência para lidar com o surto de COVID-19.
Enquanto isso, a capacidade das plantações, ambientalistas e agências florestais estaduais de monitorar florestas e agir em caso de desmatamento está sendo dificultada por restrições ao movimento impostas por autoridades e organizações para conter a pandemia.
“O bloqueio está impactando os esforços de proteção florestal, já que as equipes de campo não conseguem trabalhar”, disse Arie Rompas, ativista florestal do Greenpeace Indonésia.
“Estamos preocupados que as empresas possam tirar proveito do bloqueio e vê-lo como uma oportunidade de expandir e limpar a floresta”, disse ele à Thomson Reuters Foundation. “Ninguém deve tirar proveito da crise do COVID-19 para seu próprio ganho.”
O mundo perdeu 12 milhões de hectares (30 milhões de acres) de cobertura de árvores tropicais em 2018 – o equivalente a 30 campos de futebol por minuto – segundo o serviço de monitoramento Global Forest Watch.
A Malásia estava entre os seis países com o maior encolhimento florestal naquele ano. Entre 2001 e 2018, perdeu cerca de um quarto de sua cobertura de árvores, equivalente a 7,7 milhões de hectares.
Além de ser uma importante fonte de madeira e produtos de madeira, o país do Sudeste Asiático é o segundo maior produtor de óleo de palma – o óleo comestível mais utilizado no mundo – depois da Indonésia.
Nos últimos anos, as plantações de palmeiras na Malásia e na Indonésia, que possuem a terceira maior floresta tropical do mundo, foram objeto de escrutínio sobre extração de madeira, desmatamento, incêndios e abusos de trabalho.
Oyvind Eggen, diretor da Rainforest Foundation Norway, com sede em Oslo, disse que há limites para quanta floresta pode ser destruída no curto prazo.
Mas se a pandemia de coronavírus durar meses, “certamente veremos proteção (florestal) enfraquecida”, acrescentou.
“Não apenas veremos capacidade reduzida no governo e nas ONGs, mas também espero que a atenção dos governos e políticos seja direcionada para outro lugar”, disse ele.
Os povos indígenas e as comunidades dependentes da floresta, que geralmente trabalham com grupos verdes locais, provavelmente se tornarão mais importantes para os esforços de conservação durante a crise de saúde dos coronavírus, disseram especialistas em florestas.
PESSOAS FLORESTAIS EM RISCO
As plantações de óleo de palma da Malásia e da Indonésia continuaram em grande parte a operar durante o surto de coronavírus, embora alguns distritos da Malásia tenham fechado as plantações.
“Sem dúvida, o COVID-19 interromperá as práticas comerciais habituais para empresas florestais e do agronegócio industrial”, disse Gemma Tillack, diretora de políticas florestais do grupo ambiental dos EUA, Rainforest Action Network.
“O tempo dirá se essas empresas e seus clientes … irão explorar essa situação ou usá-la para acelerar os esforços para eliminar o desmatamento, a degradação das turfeiras e as violações dos direitos humanos de suas cadeias globais de fornecimento”.
Nos últimos anos, as empresas de plantio voltaram-se cada vez mais para a tecnologia para ajudar a monitorar florestas e limpar suas cadeias de suprimentos.
Grupos verdes disseram que, se o desmatamento ocorrer durante o surto de coronavírus, imagens de satélite e outras ferramentas ainda detectariam a limpeza ilegal e o transporte de madeira, para que ações sejam tomadas posteriormente.
As empresas devem, no entanto, permanecer em alerta máximo para tentar manter suas cadeias de suprimentos livres de desmatamento, acrescentaram.
Os governos também podem fornecer ajuda financeira para áreas protegidas, onde as comunidades dependem do turismo para obter renda e terão uma queda na receita à medida que os visitantes ficarem em casa, disseram conservacionistas.
Faith Doherty, líder da equipe florestal da Agência de Investigação Ambiental de Londres, alertou que “pessoas sem escrúpulos sempre tirarão vantagem quando puderem”.
“Uma preocupação constante é a segurança e proteção das comunidades mais vulneráveis à violência na floresta”, disse ela.
Reportagem de Michael Taylor; Edição de Megan Rowling; da Thomson Reuters