por Comunicação Arayara | jun 8, 2024 | Oceanos |
Dia Internacional dos Oceanos, mas o que de fato podemos comemorar? Afinal, vemos que os oceanos estão cada ano mais aquecidos, vulneráveis e impactados pelas inúmeras atividades de exploração, em grande parte impulsionadas pela queima de combustíveis fósseis. O que, inevitavelmente, influencia eventos extremos como os sentidos no Rio Grande do Sul.
Por Kerlem Carvalho – Analista Ambiental e Comunidade do Instituto Internacional Arayara
Segundo o mais recente relatório publicado pela Unesco “State of the Ocean Report”, o aquecimento das águas do oceano duplicou nos últimos 20 anos, este aquecimento anormal está sendo chamado de “febre do oceano”. Esta elevação anormal da temperatura contribuiu significativamente para a intensificação das chuvas na região do Rio Grande do Sul, pois o calor excessivo aumenta a evaporação, favorecendo a formação de nuvens e o deslocamento de massas de ar em direção aos continentes. Estamos com uma panela fervente nas margens costeiras, resultando em ecossistemas ameaçados e comunidades litorâneas densamente povoadas sendo as primeiras a sentir os efeitos nefastos desta febre.
Os oceanos, vastos e majestosos, cobrem mais de 70% da superfície terrestre, pulsando com vida e influenciando os processos climáticos que moldam nosso planeta. No entanto, o desequilíbrio dos oceanos, causado principalmente pelo aquecimento global, cria uma sinfonia inarmônica que perturba o delicado equilíbrio da Terra.
Estes ambientes, antes sumidouros de carbono, estão ficando saturados, liberando parte do gás de volta para a atmosfera e alimentando um ciclo vicioso de aquecimento. A acidificação dos oceanos, causada pelo aumento da absorção de CO2, torna a água mais ácida, o que acaba dissolvendo conchas e esqueletos de organismos marinhos, fragilizando a base da cadeia alimentar. Essa acidificação também afeta diretamente o crescimento e a reprodução de diversas espécies, como peixes, crustáceos e plânctons.
Isso resulta em alterações significativas nos padrões de pesca, já que afeta a disponibilidade e a distribuição de espécies marinhas. Ocasionando sérias implicações para as comunidades costeiras que dependem da pesca como sua principal fonte de alimento e renda. O declínio das populações de peixes pode levar à insegurança alimentar e à perda de meios de subsistência para muitas dessas comunidades. Além disso, a degradação dos recifes de coral e dos ecossistemas marinhos pode afetar o turismo costeiro, outra importante fonte de receita.
À medida que as alterações climáticas se intensificam, as zonas costeiras, menos profundas, aquecem a uma taxa rápida, fazendo com que as espécies tropicais dos oceanos se desloquem das regiões em torno do Equador na direção dos pólos Sul e Norte, enquanto as espécies temperadas recuam ainda mais. Esse movimento em massa da vida marinha, denominado tropicalização, está levando a uma cascata de consequências para os ecossistemas e a biodiversidade, e tem o potencial de impactar a economia global.
Por outro lado, um dos impactos mais imediatos e visíveis do aquecimento dos oceanos é a elevação do nível do mar. Ao passo que a água do oceano se aquece, ela se expande, ocupando mais espaço e inundando áreas costeiras baixas. Esse processo, conhecido como expansão térmica, é responsável por uma parcela significativa do aumento do nível do mar observado nas últimas décadas.
Não podemos reduzir as consequências desse fenômeno apenas à economia, é necessário pontuar que são complexas e de longo alcance, uma vez que consideramos também a infraestrutura de cidades não adaptadas, por exemplo, e não obstante à perda da cultura e identidade de povos que vivem nessas regiões. O risco de inundações e erosão costeira aumenta, e o deslocamento em massa se torna uma triste consequência.
Frente às inevitáveis consequências, a ciência nos aponta o caminho: reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito estufa é fundamental para deter o aquecimento global e proteger nossos oceanos. Isso requer esforços coordenados em nível global para redução e promoção de práticas sustentáveis de conservação marinha.
por Comunicação Arayara | abr 22, 2024 | Oceanos |
O que o branqueamento dos corais nos diz sobre o futuro do petróleo? Essa pergunta pode ser respondida de maneiras diferentes, dependendo do objeto. Olhando pela lente dos corais, o branqueamento não é apenas um fenômeno sazonal triste, é um sinal alarmante de que estamos perdendo a luta contra as mudanças climáticas.
Por
Vinicius Nora
Gerente de Oceanos e Clima da Arayara
Suely Araújo
Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima
Nicole Figueiredo
Diretora-executiva da Arayara
publicado originalmente no jornal A Folha de São Paulo, em 22/04/2024.
Como um déjà-vu não desejado, repetimos o cenário de 2019-20 com uma nova onda de branqueamento que afeta os corais brasileiros. Enquanto escrevemos este artigo, muitas áreas do Brasil já estão em alerta máximo para o aumento da temperatura do mar, segundo o Coral Reef Watch, do Noaa (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, dos EUA). Assim, cientistas de décadas de experiência estão pouco otimistas quanto ao futuro desses ecossistemas absolutamente incríveis.
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Corais saudáveis da espécie Millepora alcicornis em Tamandaré (PE) em fevereiro de 2024 ( acima), e já branqueados no mês seguinte – Ágatha Naiara Ninow/Projeto PELD-Tams – Ágatha Naiara Ninow/Projeto PELD-Tams
Historicamente, o Brasil “escapou” dos eventos de estresse térmico, com baixos níveis de mortalidade de corais (5% a 10%). Contudo, agora acompanha a tendência global, onde o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, estima que com o aumento da temperatura média global para 1,5°C, entre 70% e 90% dos corais tendem a desaparecer. Infelizmente, já ultrapassamos pontualmente esses limites e estamos oficialmente na quarta onda global de branqueamento.
Os registros com a influência do derramamento de petróleo em 2019 destacam uma série de impactos que se acumulam, incluindo mudanças na economia costeira, proporção de tamanho e sexo dos animais, redução na abundância, anomalias mutagênicas e até a mortalidade em massa de corais. Pesquisas desse período registraram taxas alarmantes de mortalidade, como os 89% nos corais-de-fogo em Abrolhos (Reserva Extrativista Marinha do Corumbau), na Bahia, ou a queda de 18% na cobertura de corais em Maragogi (Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais), em Alagoas, que apontaram para um risco crescente para esses ecossistemas, mesmo dentro de áreas protegidas.
A tendência é que eventos do tipo sejam menos espaçados e mais impactantes, pois, à medida que o acúmulo dos impactos progride e as fronteiras de petróleo no Brasil e no mundo crescem sem trégua, o cenário de colapso oceânico se torna mais iminente. Estimativas mostram que o número de processos de licenciamento do tipo cresceu 204,6% em dez anos somente no Brasil. E ainda cabe destaque ao debate que os projetos só não avançaram como previa o setor por falta de analistas no Ibama, mostrando um descompasso proporcional entre a vontade de explorar o petróleo e o investimento nos órgãos reguladores.
A questão é especialmente relevante para governos e empresas; o financiamento climático global, com o objetivo de mitigar os impactos já previstos, é estimado em US$ 1,3 trilhão, enquanto o financiamento para adaptação está avaliado em US$ 63 bilhões. Também é digno de nota o estudo da Fundação Boticário, que estimou que os recifes de corais no Brasil podem gerar R$ 167 bilhões em receitas relacionadas à proteção da linha costeira e ao turismo, com destaque para o Nordeste.
Em contraponto, as perdas globais estimadas decorrentes de impactos por mudanças climáticas podem superar US$ 2,4 trilhões. Somente em 2017, os danos de 16 eventos climáticos extremos nos Estados Unidos somaram U$S 383 bilhões (2% do PIB americano). O cenário nos dá sentido ao ditado popular: mais vale prevenir que remediar.
Frente à crise iminente dos recifes de coral, é crucial identificar soluções viáveis. Embora medidas como planejamento espacial marinho, gestão costeira adaptativa, expansão de áreas de conservação marinha e regulamentação da pesca possam mitigar danos, a solução permanente requer uma transformação profunda e justa da matriz energética. Isso implica transição da indústria do petróleo para fontes de energia limpa e renovável, reduzindo nossa dependência de combustíveis fósseis.
Avaliamos que é hora de escrever um novo capítulo dessa história. De um lado, vislumbramos um futuro livre da dependência integral do petróleo, sem a monocultura energética e com recifes coloridos e diversos. Do outro, viveremos na dicotomia de cores, com a expansão contínua das fronteiras petrolíferas pelo mundo, à custa da perda irreversível dos recifes de corais.
Essa decisão está sobre a mesa de maneira permanente. O branqueamento dos corais serve como uma ampulheta do tempo que nos leva à pergunta: ainda há tempo para salvar os recifes de corais?