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Governo Bolsonaro inicia 2021 condenado por omissão contra saúde e segurança indígenas

Governo Bolsonaro inicia 2021 condenado por omissão contra saúde e segurança indígenas

Foto: Ronilson Guajajara / Mídia India

Comissão Interamericana de Direitos Humanos emite medida cautelar obrigando Brasil a proteger povos Guajajara e Awá no Maranhão

Já no início do ano, as mortes e o amplo descaso do governo do Presidente Jair Bolsonaro com a situação sanitária entre os indígenas durante a pandemia de COVID-19 levou o governo a ser condenado em uma instância internacional.

Ontem, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), expediu, através da Resolução 1/2021,  medida cautelar a favor dos povos indígenas Guajajara e Awá da Terra Indígena Araribóia do Maranhão e solicitou que o Brasil proporcione aos indígenas atendimento  médico conforme normas internacionais e  investigue os  fatos que  deram origem à denúncia. Como membro da OEA, o Brasil é obrigado a cumprir a cautelar.

A medida da CIDH é dirigida à situação no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Maranhão, que desde princípios de julho de 2020 é o epicentro dos casos positivos da COVID-19 entre os povos indígenas daquela região. Estima-se que ali tenham ocorrido entre 25 e 69 mortes por COVID-19 – a própria Comissão, entretanto, observa que estes números devem ter uma subnotificação de 50% e que metade da população Guajajara pode ter sido infectada. 

É importante a opinião internacional principalmente nesse momento de pandemia. Mostra para esse governo que os povos indígenas estão certos quando  procuramos as instâncias nacionais e internacionais para fazer essas denúncias, para que não continue da forma que está”

Cacique Kretã Kaingang, coordenador da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)

Em 2020 a Apib já havia ganho uma ação no  Supremo Tribunal Federal contra o fato de o governo federal não ter plano de enfrentamento de COVID-19 para os povos indígenas no Brasil .

Clique para ouvir a fala do cacique Kretã Kaingang da APIB

“Essa é a mostra cabal de que o presente governo de extrema-direita no Brasil trata os povos indígenas como se fossem inimigos. Espera-se que o governo brasileiro atue imediatamente. (A medida ) Não é para ser sujeita a uma discussão. Eu espero que o governo brasileiro em vez de tergiversar e de transformar a Comissão em um órgão internacional inimigo do Brasil cumpra a cautelar”, afirmou o professor da USP Paulo Sergio Pinheiro, que integrou (entre 2003 e 2011) a CIDH e atualmente é relator especial de direitos humanos da ONU.   

O governo brasileiro tem 20 dias, contados a partir de ontem, para informar à CIDH “sobre a adoção das medidas cautelares acordadas, bem como atualizar essas informações periodicamente”.

Durante o processo de consulta, o governo admitiu que, até agosto de 2020, mais de 8% (1394 casos) da população da terra indígena Araribóia teriam sido diagnosticados positivo para COVID-19, o que colocaria aquela região entre as de maior incidência entre municípios de estados como o Maranhão.

O governo brasileiro informou à CIDH que haviam sido desenvolvidos vários planos de ação para os povos indígenas e ações específicas naquela região do maranhão. “Entretanto, a Comissão observou que esses planos são de natureza geral e/ou programática e que o Estado não esclareceu como eles estão sendo implementados em benefício das pessoas beneficiárias e se eles são eficazes. A este respeito, a CIDH observou que as informações apresentadas pelo Estado não permitiam que se desvirtuasse as alegações da parte solicitante”.

Com relação ao povo Awá em isolamento voluntário, o governo disse que estes indígenas receberiam atenção especial da Frente de Proteção Etno-Ambiental Awá, mas não esclareceu como essa atenção aconteceria durante a da pandemia da COVID-19, além de não explicar a suposta presença de terceiros não autorizados nas proximidades das áreas ocupadas pelos Awá.

Para emitir a medida cautelar, a CIDH também levou em conta o histórico de assassinatos de lideranças exatamente na mesma região denunciada por descaso oficial contra a saúde indígena. Apenas entre os casos mais recentes, contam-se os assassinatos de lideranças indígenas, entre os quais:  Paulo  Paulino  Guajajara (11/2019), Firmino Prexede Guajajara e Raimundo Benício Guajajara (ambos os em 12/2019) e  Zezico Rodrigues Guajajara (03/2020). Em 13 de dezembro de 2019,o adolescente de 15anos E.G.,da TI Araribóia, foi encontrado esquartejado no município de Amarante.

Na denúncia à CIDH, os indígenas também informam que o desmatamento e as invasões são fortes vetores de contaminação e de violência: “em 2019,o desmatamento de territórios dos povos indígenas isolados aumentou. Na TI Araribóia teria subido113%, o que a torna a área com povos isolados mais desmatada no  Brasil. As áreas  de  exploração estariam a  cerca de 5 km dos  acampamentos dos povos isolados. […]. Durante a pandemia  da COVID-19,o  desmatamento  não  cessou  e  em abril foram  detectados  18,2 hectares desmatados”. 

Segundo o professor Paulo Sergio Pinheiro, a cautelar é a medida mais forte e imediata que pode ser adotada pela CIDH. “As apreciações dos casos na Comissão levam muitos anos”, disse Pinheiro, observando que a celeridade com que a CIDH avaliou a representação dos indígenas brasileiros mostra a gravidade da situação.

A entrevista completa com o professor Paulo Sergio Pinheiro aqui

A CIDH recebeu a representação da Comissão de Caciques e Lideranças da Terra Indígena Araribóia em 6 de agosto de 2020, solicitando que a Comissão do Estado brasileiro a adoção das medidas necessárias para proteger os direitos à vida, à integridade pessoal e à saúde. Em seguida, a CIDH solicitou informações ao Brasil em 18 de agosto e 15 de outubro de 2020. Após a concessão de prorrogações, o governo brasileiro encaminhou relatórios em 4 de setembro,30 de outubro e 6 de novembro de 2020. As cautelares adotadas pela Comissão buscam evitar danos irreparáveis e preservar direitos humanos.

Para expedi-las, a CIDH considera: a.“gravidadeda situação”-  significa o sério impacto que uma ação ou omissão pode ter sobre um direito protegido ou sobre o efeito eventual de uma decisão pendente em um caso ou petição nos órgãos do Sistema Interamericano; b.“urgência da situação”-  é determinada pelas informações que indicam que o risco ou a ameaça são iminentes e podem materializar‐se, requerendo dessa maneira ação preventiva ou tutelar; e c.“dano irreparável” – significa os efeitos sobre direitos que, por sua natureza, não são suscetíveis de reparação, restauração ou indenização adequada.

O “combo” de contradições do governo na venda a estrangeiros de terras na Amazônia

O “combo” de contradições do governo na venda a estrangeiros de terras na Amazônia

Enquanto o Presidente Jair Bolsonaro ameaça vetar o Projeto de Lei que facilita a venda de terras a empresas estrangeiras na Amazônia, o seu Ministro mais poderoso, Paulo Guedes, da Economia, considera o PL como prioridade para ampliar a investimentos estrangeiros na Amazônia. Entre uma contradição e outra, o Projeto vai retirando garantias ambientais legais e avança – foi aprovado no Senado em dezembro e agora tramita na Câmara dos Deputados sob o número 2963/2019.

“Todas as amarras foram sendo retiradas pelo PL, incluídas amarras para especificamente para ONGs impedir o que se faça na Amazônia o que é comum nos EUA e Peru – ONGs recolherem dinheiro compram áreas importantes para preservação da biodiversidade. Mas, se eu sou um grande conglomerado chinês, por exemplo, comprando uma parte da Amazônia para desmatar, aí não tem problema”, reclama o professor Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos mais importantes especialistas brasileiros no debate acerca da ocupação e uso do solo amazônico. O tema foi objeto de seu mestrado e doutorado na Universidade de Lancaster (Inglaterra).

Ele recordou que em 10 de março de 2020, o Ministro da Economia enviou aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados uma lista de 27 projetos que o governo federal considera prioritários para “destravar” a economia – e entre eles estava o PL de venda de terras amazônicas a empresas estrangeiras. “É realmente necessário vender essas terras para o capital estrangeiro? Não tem várias outras formas? O Brasil é um país muito permeável à presença de empresas estrangeiras”, questiona. 

Rajão observa que representantes do governo federal têm afirmado que “estrangeiros não podem comprar áreas maiores na Amazônia, nos imóveis com 80% de reserva legal. Só que, mais da metade dos imóveis da Amazônia Legal começaram a desmatar antes de 2008, em alguns casos antes de 2001, quando a lei era 50%. Como em muitos imóveis da Amazônia, principalmente aqueles que têm mais relevância agropecuária hoje, precisam ter menos de 50% de reserva legal.” 

O professor da UFMG também avalia como preocupante um terceiro elemento desse debate. “Já foi sancionada uma lei pelo Presidente Jair Bolsonaro segundo a qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária só poderia titular terras em área de fronteiras, que são majoritariamente públicas, se o Conselho de Defesa se manifestasse a favor. Agora, não. Você pode titular terra do INCRA direto. Então, você junta o combo: você pode titular terra do INCRA e você pode vender para estrangeiro. É uma contradição muito grande no discurso do governo, que enfatiza muito o nacionalismo, o patriotismo e a defesa nacional”.

Assinada por Bolsonaro em 27 de maio de 2020, a Lei 14.004 definiu que terras públicas da União transferidas aos estados de Amapá e Roraima sejam utilizadas preferencialmente em atividades agropecuárias e de desenvolvimento sustentável ou em projetos de colonização e regularização fundiária. A lei deu poder de veto ao Conselho de Defesa Nacional, mas aceitou exceções.

“Terra no Brasil ainda é muito barata, principalmente porque se tem um influxo de terras praticamente a custo zero. As terras agrícolas mais caras do Brasil não passam de R$ 40 mil. Nos Estados Unidos você tem uma quantidade muito significativa de terras a 100 mil dólares (R$ 550mil) por hectare”, explica Rajão. 

“Tem-se um mercado atraente para o capitalista que quer especular vir aqui, vender um hectare lá e comprar 10 aqui , esperar 10 anos com o mercado inflando e depois revender e não desenvolver aquela área. Para os fundos que pensam em ter retorno em 30, 50 anos, é um mercado muito atrativo”, completa.

Sobre as discussões a repeito do acordo de livre comércio entre o Mercosul e União Europeia, Rajão avalia que “Eles (os europeus) não vão cometer suicídio político. A situação de desmatamento (no Brasil) está tão grave que, se a (Angela) Merkel (Primeira Ministra da Alemanha) insistisse em assinar esse acordo de qualquer jeito,  o partido dela perderia as eleições. A situação (do Brasil) ficou inviável em termos de imagem em termos ambientais de consequência de longo prazo”.

Para o professor Rajão, “a União Europeia está dizendo: olha Brasil, a gente quer fazer (o acordo). Agora, nos dê condições, que são exigências relativamente baixas. O que está em jogo é simplesmente o Brasil cumprir  as próprias leis. E ter a capacidade de garantir o monitoramento da produção. Mas, o que se vê por parte do governo federal é uma falta de vontade de avançar nessa direção e achar que o problema não é substancial.

Pela Proibição da Estrangeirização da Terra Brasileira

Pela Proibição da Estrangeirização da Terra Brasileira

Qual é o preço da venda dos nossos territórios para estrangeiros explorarem? É caro – bem caro -, e quem paga por essa estrangeirização da terra somos todos nós.

As consequências de acabar com as restrições à propriedade de terras por estrangeiros são vastas e ameaçam o que todos temos lutado tanto para preservar: biomas e vidas.

Vender nossas terras a grupos internacionais interessados na exploração indiscriminada e no lucro, puro e simples, facilitaria a destruição dos nossos recursos naturais, a expulsão de comunidades rurais e povos tradicionais, deixando um rastro de conflitos sociais e ambientais pelo caminho.

Em 2010, a Procuradoria Geral da República (AGU) restringiu a compra de grandes extensões de terras por estrangeiros e, desde então, a pressão para reformar a lei só aumentou.

No último dia 15 de dezembro, o Senado aprovou o projeto de lei (PL) 2.963 de 2019, que permite a compra de terras rurais por estrangeiros, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, limitando em até 25% do território do município — ou seja, ¼ do município pode ser comprado por estrangeiros.

Mais uma vez, uma decisão que afeta a vida de milhões de brasileiros é tomada sem diálogo, com quase nenhum acesso à informação, ou qualquer debate com a população que será diretamente impactada.

Os inúmeros impactos do PL 2.963/2019

Ao revogar a lei atual, o PL autoriza qualquer empresa brasileira — com sede dentro ou fora do Brasil, controlada ou não por estrangeiros — a comprar terras no Brasil sem nenhuma regra.

Os produtores rurais podem perder seu poder de trabalho com o possível encarecimento das terras, levando ao aumento do preço dos alimentos e até a diminuição de oferta destes alimentos.

Quem é que garante que estes grupos estrangeiros irão continuar a produzir alimento para os próprios brasileiros ao invés de investir em produtos para exportação?

Outra preocupação é que o projeto dispensa autorização ou licença para aquisição e posse por estrangeiros, quando se tratar de imóveis rurais com áreas até 15 módulos fiscais. Dependendo da localização, um módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares — sendo os maiores localizados na Amazônia.

A relação de causa e efeito da exploração

Dez dias depois da aprovação do PL que abre as nossas portas para a estrangeirização da terra, nos deparamos com a notícia de que a Amazônia e o Pantanal perderam 3 estados do Rio de Janeiro em 2020 com queimadas e desmatamento.

A falta de chuva, causada por esse desmatamento, deixou a principal rede de abastecimento de água de São Paulo com o menor volume registrado no período desde dezembro de 2013, mês que antecedeu a crise hídrica.

O Cerrado — segundo maior bioma brasileiro com cerca de 200 milhões de hectares –, pode sentir ainda mais os impactos de uma mudança na lei, já que não é nem declarado patrimônio nacional na constituição brasileira.

Vale lembrar que a PEC 504/10, que reconhece o Cerrado como patrimônio nacional, já tramita há mais de uma década no Congresso Nacional.

Participe da nossa campanha contra a venda de terras brasileiras a estrangeiros.

A estrangeirização da terra em um Brasil que desprotege o brasileiro

No momento em que mais precisamos de fiscalização e restrições para proteger nossos territórios e as populações, o que se faz é abrir ainda mais as portas para a exploração que causa todo esse efeito dominó. E para benefício de quem?

Querem vender nossa terra em um processo de devastação disfarçado de estímulo ao desenvolvimento, mas que não passa de um modelo explorador que não traz nenhum benefício para populações locais. Muito pelo contrário.

Nossa biodiversidade, florestas, água e terras produtivas são patrimônio de todos os brasileiros.

LEIA TAMBÉM: Mais de 120 Organizações Demandam Cancelamento de Leilão de Áreas de Petróleo e Gás

O que Esperar da Litigância Climática em 2021?

O que Esperar da Litigância Climática em 2021?

O ano de 2020 foi um marco histórico para a ação climática, tanto pelas conquistas como pelos desafios. 

Começando pelos últimos, 2020 será lembrado como o ano em que pela primeira vez não foi realizada a Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), em função das restrições necessárias para conter a pandemia da covid-19.

A 26a COP foi adiada para o final deste ano que se inicia, e será realizada em Glasgow, Escócia. Também foi em 2020 que o segundo maior emissor de gases de efeito estufa, os EUA, saíram oficialmente do Acordo de Paris, com a formalização da denúncia do Acordo pelo presidente Donald Trump, que se encontra em fim de mandato.

No lado das conquistas, 2020 também deixou sua marca. No apagar das luzes, na Cúpula da Ambição Climática, diversos líderes se reuniram para apresentar metas mais ambiciosas de redução de emissões.

Mais de 120 países já assumiram ou estão em vias de se comprometer com metas de neutralidade de emissões até a metade do século XXI.

Países como Reino Unido assumiram metas específicas, como a de não financiar mais projetos de combustíveis fósseis no exterior e de proibir a venda de veículos a combustão até 2030.

Apesar dos anúncios animadores, os desafios ainda são gigantes. Nesta década, a transição a uma economia de baixo carbono precisa virar uma realidade, e isso precisa ocorrer de modo acelerado. É nesse contexto que a litigância climática também adquiriu novas proporções em 2020. Novas ações e decisões fizeram com que a judicialização climática tenha assumido uma posição de destaque no conjunto de estratégias e ferramentas utilizadas para garantir a efetividade da governança climática nos níveis global, nacional e local.

A litigância climática no mundo: retrospectiva 2020 e casos relevantes para 2021

Comecemos por um olhar internacional, mais especificamente pelo continente europeu. A Europa é hoje um dos principais campos de batalha da litigância climática, com ações de grande repercussão recém-decididas ou em vias de serem apreciadas por órgãos judiciais e administrativos domésticos ou regionais.

Se em 2019 o ano se encerrou com uma decisão amplamente favorável ao clima nas cortes europeias – o emblemático caso Urgenda vs. Holanda -, em 2020 a última decisão de peso proferida por uma corte suprema na região lamentavelmente não teve o mesmo desfecho. 

No caso Greenpeace Nordic vs. Noruega, a corte constitucional norueguesa rejeitou o pedido de um grupo de jovens e de ONGs para suspender a autorização para exploração de petróleo e gás no Ártico pelo seu potencial para agravar a mudança do clima. A corte do país escandinavo entendeu que o direito constitucional ao meio ambiente saudável não podia ser invocado para obstar a concessão de licenças para projetos dessa natureza. 

Em uma outra decisão de 2020, dessa vez na Irlanda, a corte constitucional também deu uma interpretação restritiva ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, afirmando que ele não poderia servir de fundamento jurídico para impor obrigações ao governo sobre mudanças climáticas. Mesmo assim, a corte irlandesa, em ação movida pela ONG Friends of the Irish Environment, ordenou que o governo refizesse o seu plano nacional sobre mudanças climáticas por este não atender a requisitos legais, como a especificidade das ações pretendidas de mitigação e adaptação.

Para 2021, um caso a ser olhado de perto é a ação movida por 6 jovens portugueses em face de 33 países europeus perante a Corte Europeia de Direitos Humanos. A Corte deu prosseguimento à ação e pediu que os países apresentem suas razões, um andamento que foi interpretado como favorável ao pleito inicial dos jovens.

É relevante, ainda, observar o andamento de ações na França e no Reino Unido. Na primeira, uma decisão do Conselho de Estado, órgão mais alto para assuntos de direito público, ordenou que o governo francês explique em 3 meses como pretende honrar com as metas de redução de emissões inseridas em legislação nacional até 2030. A depender da resposta do governo, novas medidas poderão ser tomadas pelo órgão, ou novas portas poderão ser abertas para futuros litígios.

No Reino Unido, a organização Plan B Earth, uma das autoras do importante litígio sobre a construção da terceira pista de pouso do aeroporto de Heathrow, um dos mais importantes precedentes sobre a compatibilidade de licenças para projetos e planos de infraestrutura com compromissos climáticos, afirmou que planeja levar o caso a instâncias da União Europeia (como a própria Corte Europeia de Direitos Humanos), após decisão da corte suprema do país que reverteu uma decisão de tribunal inferior inicialmente favorável ao clima.

Nos EUA, país com o maior número de casos climáticos no mundo, as ações que pedem a responsabilização das empresas da indústria de combustíveis fósseis por suas emissões históricas seguem seu caminho tortuoso neste ano de 2021. Dentre elas, a que possivelmente terá relevante impacto será a ação Baltimore vs. BP et al, em que a suprema corte dos EUA analisará questões procedimentais relativas à competência para o julgamento dessas ações. A indústria tenta transferi-las para o judiciário federal, visto como menos rigoroso quanto à responsabilidade civil das empresas pelo aquecimento global. Dezenas de outras ações sobre a validade de licenças para projetos poluentes estão pendentes de julgamento.

Sob o novo mandato do presidente-eleito Joe Biden, é esperado que haja importantes movimentações no tabuleiro do xadrez das ações judiciais dos EUA. Isto já ficou claro com a desistência por parte da GM de figurar como parte interveniente em ação movida pela Union of Concerned Scientists em face do governo dos EUA sobre a competência dos estados para adotar padrões de emissão veicular.

Por outro lado, à medida em que Biden coloque novamente em vigor regras que foram desregulamentadas por Trump, como a própria eficiência de motores de veículos e emissões por termelétricas, é possível que ações impetradas por empresas que se sintam afetadas venham a se tornar mais frequentes.

Para fechar o panorama internacional, ações climáticas em outras jurisdições como o Canadá e a Austrália também ditarão as tendências para 2021 e, em alguns casos, até mesmo para a década. É o caso da inovadora ação movida por uma jovem em face do governo australiano, alegando que este tem falhado com seus deveres fiduciários e com o dever de informar os detentores de títulos do tesouro australiano sobre os riscos que os papéis carregam dado o potencial impacto financeiro das mudanças climáticas sobre a rentabilidade dos ativos.

Recentemente, o autor de uma ação em face de um fundo de pensão australiano, Mark McVeigh, selou um acordo pelo qual o fundo se comprometeu a mensurar, monitorar e reportar sua pegada de carbono, em linha com a Task-Force on Climate-related Disclosures (TCFD). No Canadá, a corte suprema está pendente de decidir em caso emblemático sobre a constitucionalidade de legislação local sobre precificação de carbono.

Os casos canadense e australianos indicam que a litigância sobre os deveres jurídicos de administradores, gestores de ativos de terceiros e conselheiros de companhias tenderão a se tornar mais frequentes, na esteira da intensificação do ativismo por parte de acionistas para que empresas e governos sejam mais aderentes a planos de descarbonização e de sustentabilidade. As ações judiciais iniciadas por acionistas (shareholder lawsuits) questionando decisões e políticas corporativas já são realidade em países como Polônia, África do Sul e Austrália.

O ano da virada: litigância climática no Brasil em 2020 e expectativas para 2021

O ano de 2020 foi especialmente histórico no envolvimento do judiciário com as questões climáticas no Brasil. Foi o ano em que a mudança do clima chegou ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, em pelo menos 3 ações paradigmáticas: a ação do Fundo Amazônia, a ação do Fundo Clima e a ação sobre o PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia). 

As duas primeiras ações foram conduzidas de modo bastante democrático pelo STF, com a realização de audiências públicas marcadas pelo caráter participativo e plural. Na audiência do Fundo Clima, realizada em setembro de 2020, estiveram presentes alguns dos maiores expoentes da ciência climática brasileira, assim como empresários de renome, ambientalistas reconhecidos em suas áreas e economistas de prestígio. Além disso, representantes do governo puderam fazer suas explanações ao relator, Ministro Luís Roberto Barroso.

Na ação do Fundo Amazônia, houve um debate com caráter marcadamente técnico sobre as políticas de monitoramento e controle do desmatamento, com explicações detalhadas sobre os sistemas oficiais de sensoriamento remoto e estudos sobre sobre rastreamento de cadeias produtivas quanto à sua pegada ambiental e climática.

Assim como nas duas primeiras ações, a ADPF sobre o PPCDAm foi impetrada por partidos políticos, um grupo de atores que tem levado ao STF as principais ações recentes sobre a condução da política ambiental pelo atual governo. Nessa ação em específico, uma dezena de organizações independentes da sociedade civil endossou o pedido, que contempla a obrigação de que o governo reduza o desmatamento ao índice estipulado na Política Nacional sobre Mudança do Clima (80% em relação a 2005), uma possível moratória do desmatamento e a criação de um comitê independente para acompanhar, por meio de indicadores e dados acessíveis, as políticas do governo nessa área crucial para os objetivos climáticos do Brasil.

É esperado que as primeiras decisões em cada uma dessas ações sejam proferidas em 2021. Há, neste momento, um grau de incerteza sobre o tipo de provimento judicial que será ofertado pelo STF, mas as audiências públicas sinalizaram que a corte está atenta ao caráter estrutural dos problemas que acometem a governança ambiental e climática brasileira, e que qualquer decisão terá uma forte âncora normativa na própria Constituição e nos precedentes mais importantes no mundo em matéria climática, como o caso Futuras Gerações vs. Colômbia, o caso Leghari vs. Paquistão e o já mencionado caso Urgenda.

Em 2020, uma outra corte superior, o Superior Tribunal de Justiça, também proferiu suas primeiras decisões diretamente relacionadas à mudança climática, em ação movida pelo Ministério Público em face de companhias aéreas pelas emissões dos pousos e decolagens no aeroporto de Guarulhos (SP) e em ação movida pela Associação das Distribuidoras de Combustíveis em face do programa RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis). No primeiro caso, o STJ manteve decisões de instâncias inferiores e julgou que as emissões dos pousos e decolagens são lícitas, apesar de ainda caber recurso de tal decisão. Na segunda ação, o STJ manteve a cassação de liminar que suspendia os prazos do cronograma de aquisição de Créditos de Descarbonização (CBios) pelas distribuidoras.

As decisões do STF e do STJ, tanto as tomadas como as pendentes, apontam para algumas tendências. 

A primeira é a reafirmação, no Brasil, de tendência global de judicialização da omissão governamental em clima como uma falha que deve, em tese, ser conhecida e provida pelos tribunais por afetar os deveres do Estado em matéria de proteção dos direitos fundamentais. 

A segunda é a possibilidade de que a litigância se diversifique cada vez mais para enfrentar não apenas temas constitucionais, mas também aspectos de direito civil (responsabilidade civil) e empresarial, com potenciais releituras de conceitos arraigados do direito privado (como lícito versus ilícito; dano versus impacto; previsível versus não previsível). 

A terceira é a diversificação não somente dos aspectos substantivos, mas também das avenidas procedimentais e dos atores – esta, aliás, uma característica já diferenciadora da litigância climática no Brasil dado o peso do Ministério Público e dos partidos políticos. O destaque, nesse sentido, são as ações com atores privados corporativos figurando no polo ativo, como é o caso da ação do RenovaBio. 

Além dessas, importante ressaltar que o Brasil ainda possui uma riqueza de ações que tramitam em esferas judiciais inferiores que, em 2021, poderão ter desfecho ou mesmo ser replicadas, como é o caso das ações que questionam a inserção do componente climático nos estudos de impacto ambiental de projetos como exploração de minas (ex.: caso da Mina Guaíba, no Rio Grande do Sul) e instalação de outras infraestruturas de combustíveis fósseis (como a geração de energia por fontes tradicionais).

De outro lado, ações que tratem questões ambientais domésticas sob um viés internacional – ou melhor, transnacional – também são esperadas, como se pode ver pela notificação enviada ao grupo Casino em 2020 por não tomar medidas necessárias para excluir de sua cadeia de abastecimento os fornecedores ligados ao desmatamento ilegal na Amazônia e Cerrado, sob pena de ser acionada judicialmente na França pela Lei de Vigilância. Ações dessa natureza podem ser impulsionadas pelo crescente número de leis sobre devida diligência na cadeia de suprimentos em países europeus.

Para 2021, portanto, governos e empresas serão cada vez mais compelidos, pela via judicial e extrajudicial, a assumir compromissos mais ambiciosos e a efetivar os já assumidos para a consecução dos objetivos do Acordo de Paris. Relacionando regulação econômica, direitos humanos, fluxos financeiros, cadeias de suprimento globais e impactos globais de projetos locais, os litígios climáticos seguirão aparando arestas na governança climática da década de 2020.

Caio Borges é Coordinator – Law and Climate Program no Instituto Clima e Sociedade (iCS). Leia o original aqui.

A Banalidade do Mal

A Banalidade do Mal

Desde jovem, sempre fui uma aficionada da sétima arte, a tal ponto que, na Porto Alegre onde nasci, chegava a ficar semanas sem assistir a qualquer filme, por já ter visto todos os que estavam em cartaz nos cinemas, que não eram poucos à época.

Em virtude da pandemia de Covid-19 que assola o mundo, venho colocando em dia minhas virtudes de cinéfila, abandonadas há alguns anos, por várias e desimportantes razões. E, dessa forma, assisti a Operação Final, um filme sobre o sequestro do criminoso nazista Adolf Eichmann, em 1960, por agentes israelenses, em um subúrbio da Argentina – país em que se refugiara ao final da Segunda Guerra -, para que fosse julgado, como um dos arquitetos da “solução final”, pelo Estado judeu.

O filme é de 2018 e, como de praxe, empresta um tom romanceado aos fatos ocorridos, o que não lhe retira as qualidades de drama histórico. Ainda que não seja a melhor produção sobre a Segunda Guerra Mundial, tem a importância de fazer recordar figuras e fatos – para que não sejam esquecidos -, e alertar sobre os riscos presentes nos governos totalitários.

Paralelamente, decidi reler Eichmann em Jerusalém, escrito pela filósofa política alemã de origem judaica Hannah Arendt, que, por motivos diametralmente opostos, fugiu daquele país para os Estados Unidos em 1941.

Arendt aceitou assistir ao julgamento de Eichmann na Casa da Justiça de Jerusalém (Beth Hamishpath), em 1961, como correspondente da revista The New Yorker, e o que viu gerou o livro em questão. Suas impressões a respeito do réu, acusado de crimes contra o povo judeu, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, e dos fatos pelos quais foi julgado responsável, transcritas no livro citado, foram bastante criticadas, provocando diversas e incríveis reações.

Basicamente, a autora viu Eichmann em toda a sua mediocridade: “um arrivista de pouca inteligência, uma nulidade pronta a obedecer a qualquer voz imperativa, um funcionário incapaz de discriminação moral – em suma, um homem sem consistência própria, em quem os clichês e eufemismos burocráticos faziam as vezes de caráter” (trecho extraído da apresentação do livro, publicado pela Companhia das Letras em 1999). Em suma, um homem mediano, buscando obter sucessos pessoais.

Paralelamente, Arendt critica os emissários palestinos que negociaram com Eichmann, no início da guerra, em pé de igualdade e falando abertamente em interesses mútuos – coisa que os judeus nativos não podiam fazer – o destino de seu povo. Embora não tivessem consciência das sinistras implicações futuras, tais emissários acreditavam tratar-se de uma questão de selecionar judeus para a sobrevivência, coisa que, segundo elas, os próprios judeus deveriam fazer. Em suma, esse erro de julgamento levou a maioria não selecionada de judeus a confrontar-se com dois inimigos: as autoridades nazistas e as autoridades judaicas. Ou seja, os próprios judeus tinham cooperado para o extermínio de sua etnia.

Quanto ao réu, o mal que se esperava identificar nele, um mal absoluto, de um conspirador da destruição de um povo, não foi encontrado. Ele era simplesmente um burocrata por excelência, que tinha por objetivo principal vencer na vida a todo o custo.

Sem querer adentrar no julgamento em si, o que não é o objetivo deste artigo, permito-me focar a atenção no que importa mostrar neste momento: a banalidade do mal. Quando Arendt refere-se a ela, procura ater-se aos fatos que conduzem a um fenômeno: a morte dos judeus teria sido um mal menor se eles fossem um povo sem cultura, como os ciganos, que foram igualmente exterminados? Eichmann estava sendo julgado por ser um destruidor de seres humanos ou por ser um destruidor de cultura? Como apontado por Arendt, Harry Mullisch identificara tais questionamentos no depoimento, como testemunha, do professor Salo W. Baron.

Não bastasse, Arendt observa que a situação era tão simples quanto desesperada: a maioria esmagadora do povo alemão acreditava em Hitler, mesmo depois de Stalingrado, da derrota da Itália e dos desembarques na França. Havia, sim, um número indeterminado de indivíduos, totalmente conscientes da catástrofe nacional e moral, mas eles não tinham plano ou intenção de revolta (e nem o grupo conhecido como “conspiradores”).

Foto – On Jornal

Podemos, sem qualquer dificuldade, transpor essas reflexões para o Brasil de hoje. O que faz com que um povo, ou uma dada sociedade, aceite passivamente – e, muitas vezes, até defenda – um governante que, às claras e sem qualquer pudor, zomba de seus 180.000 mortos e quase 7.000.000 de cidadãos infectados pelo Covid-19?

O que faz com que os poderes constituídos permaneçam inertes diante desse verdadeiro genocídio, praticado às claras e sem qualquer sentimento de empatia pelos que perdem seus entes queridos, praticado por quem deveria protegê-los e defendê-los?

Finalmente, em que diferem os artífices da morte de milhões de judeus de quem, podendo evitar, rejeita a única possibilidade de deter a propagação de um vírus letal e do constante aumento do número de mortos no seu próprio país, em nome de uma mesquinha rivalidade política?

Tal como constatou Hannah Arendt, continua exposto para quem quiser ver o “coração das trevas”, para retomar o título de um clássico de Joseph Conrad, cuja relevância reside, também, na descrição do horror vivenciado no antigo Congo Belga. Eis a maior ameaça à democracia atual: a confluência da capacidade destrutiva com a burocratização da vida pública, expressa no conceito de banalidade do mal,presente em todos os sentidos da vida humana e em todos os lugares do mundo, inclusive aqui e agora.

Sandra Cureau é Subprocuradora-Geral da República, faz parte da diretoria da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil – APRODAB, fez mestrado na UERJ e foi Vice-Procuradora-Geral Eleitoral (2009/2013). Leia o original aqui.

De bandeja

De bandeja

Oferta Permanente de petróleo pela ANP tem baixa concorrência, arrecada volume pífio e indica conflitos se projetos licitados forem implementados

No mesmo dia (04/12) em que foi divulgada a decepcionante (apenas 7,7%) alta do PIB (Produto Interno Bruto) no 3º trimestre, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizou uma Oferta Permanente de campos de petróleo e repassou a grupos nacionais e estrangeiros 17 blocos exploratórios em seis bacias (Campos, Paraná, Amazonas, Espírito Santo, Potiguar e Tucano) e uma área com acumulações marginais (Juruá, da Bacia do Solimões).

Segundo a ANP, o negócio teria sido um sucesso. As áreas, se desenvolvidas, vão gerar bônus para a União de R$ 56,6 milhões e investimentos de R$157 milhões nos próximos anos. O ágio médio ofertado pelos blocos exploratórios foi de 55,11 e, nas acumulações marginais, alcançou 1.650%.

Mas, um olhar detido sobre os resultados e o cenário em que a Oferta ocorreu levantam dúvidas sobre se os vencedores terão capital e desejo de correr riscos e efetivamente desenvolverem os projetos licitados. Talvez a ANP tenha mesmo entregue de bandeja as áreas licitadas.

Um primeiro indicativo dessa possibilidade foi a baixíssima procura das áreas licitadas. Cada um dos 29 blocos e uma área remanescente ofertados só recebeu uma proposta – isso mesmo, apenas uma, a proposta vencedora. Talvez, pelo cenário econômico cambaleante.

Até setembro, deveríamos ter crescido 12,7% apenas para retornar ao já baixíssimo nível econômico do início de 2020. Ou seja, se quisermos voltar ao baixo nível econômico de janeiro (o PIB de 2019 havia sido de 1,1%) neste quarto semestre (outubro a dezembro) precisamos crescer mais e ainda pagar os 5% que estávamos devendo.

Assine também a nossa petição contra o leilão. Acesse clicando aqui.


E, como se a economia fraca não bastasse, há mais um (grande) problema: essa modalidade que a ANP escolheu para licitar as áreas de petróleo.
A Oferta Permanente é uma licitação de áreas devolvidas ou em processo de devolução. Elas foram ofertadas em licitações anteriores e não arrematados ou devolvidos à Agência. Na Oferta também estão incluídos novos blocos exploratórios (exceção às áreas no pré-sal, estratégicas ou localizadas na Plataforma Continental além das 200 milhas náuticas).

A ANP sustenta que essa modalidade de concessão agiliza os negócios porque as empresas “não precisam esperar uma rodada de licitações para ter oportunidade de arrematar um bloco ou área com acumulação marginal, que esteja em oferta”. Os critérios de escolha das propostas vencedores é misto, e por vezes leva em consideração apenas a quantia ofertada, e menos a capacidade técnica e econômico-financeira de o vencedor tocar o projeto respeitando complemente a legislação ambiental e social.

Esse, o da Oferta Permanente, é semelhante ao modelo que os bancos comerciais aplicam a seus clientes preferenciais, e que nada tem a ver com o desenvolvimento que deveria ser gerado pela exploração de reservas de petróleo.

No caso dos bancos, se o cliente tem capacidade de compra, seu crédito é prévia e imediatamente aprovado, independentemente do uso que será feito do dinheiro a ser emprestado. O tomador de empréstimo apresenta previamente sua qualificação econômica e, se mostra capacidade de devolver o dinheiro tomado, o empréstimo é concedido.

Mas, a ANP não é banco e deveria ter como objetivo estimular o desenvolvimento do País e a distribuição da renda derivada da indústria do petróleo.

A Oferta se afasta da própria missão da ANP, porque deixa em plano muito precário tanto a avaliação da capacidade técnica da empresa proponente para desenvolver um projeto específico, quanto o cumprimento de, por exemplo, Estudos de Impacto Ambiental e atendimento a populações/setores econômicos impactados.


Os projetos desenvolvidos, assim, podem levar a conflitos sociais e legais na implementação dos projetos, porque a ANP não levou em conta adequadamente fatores legais que tomariam tempo, como a obrigação de realizar a consulta prévia e consentida às populações a serem afetadas (em especial indígenas) e os setores econômicos (principalmente o negócio agrícola); a correta mensuração da contribuição dos combustíveis fósseis para o agravamento da crise climática; e o fato de os futures projetos se desenvolverem em regiões que já apresentam insuficiência de recursos hídricos.

O exemplo mais emblemático de conflito em potencial é o dos dois blocos de exploração no Mato Grosso do Sul, dentro dos quais existem sete unidades de conservação. Se implementados, os projetos chegarão ao cúmulo de sitiarem pelo menos uma aldeia indígena.
Sabe-se lá porque nada disso, aparentemente, foi levado em consideração