Os alertas de desmatamento emitidos pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), aumentaram 51% em relação ao ano anterior. Foi o nível mais alto neste período desde o início da série, em 2016, aponta o documento.
A consultoria destaca ainda que o número de alertas nesta época do ano é “geralmente muito baixo por causa de chuvas torrenciais” na região.
Na temporada 2018/2019, foram derrubados quase 10 mil km² quadrados da Amazônia, a taxa mais alta desde 2008, de acordo com o Inpe.
Com a pandemia, aumentam as chances de que a marca venha a ser superada na temporada atual, diz a Eurasia, que aponta quatro razões principais para isso.
Menos pressão internacional
A Eurasia aponta que não apenas outros países, mas também empresas e instituições internacionais estão entre os principais agentes que atuam em prol da proteção ambiental da Amazônia durante o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
A consultoria recorda que o presidente brasileiro demorou a tomar medidas para combater os incêndios na floresta no ano passado. Mas, quando isso ganhou destaque na mídia ao redor do mundo e levou atores internacionais a pressionarem seu governo, “ele finalmente enviou tropas para combater os incêndios na Amazônia e elevou o tom contra o ‘desmatamento ilegal'”.
“Em janeiro, o governo criou o Conselho Amazônico, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, para coordenar iniciativas federais e locais para combater atividades ilegais e fortalecer a economia na região amazônica. O presidente também lançou a Força Ambiental Nacional para aumentar as operações de segurança”, destaca a Eurasia.
Mas essa mesma pressão tende a perder força enquanto o mundo estiver concentrado em combater a propagação do novo coronavírus.
“É muito difícil ver a conservação da floresta se tornando uma questão global importante durante a pandemia. Com o coronavírus na cabeça de todos, o preço de reputação internacional de curto prazo que o Brasil pagará por não conter o desmatamento diminuirá.”
Menos recursos do Exército disponíveis
A consultoria ressalta que, além de manter tropas na região por dois meses em 2019, autoridades brasileiras debatiam uma intervenção mais longa neste ano, a partir de março.
Mas isso ficou em segundo plano diante da pandemia, descrita pela comandante do Exército, Edson Pujol, como “talvez a missão mais importante da nossa geração”.
“Recursos orçamentários e atenção que poderiam ser dedicados à Amazônia serão utilizados no combate à covid-19. Bolsonaro, por exemplo, pediu ao Exército que use suas instalações e pessoal para produzir desinfetantes para as mãos e cápsulas de hidroxicloroquina — apesar de sua eficácia não ter sido comprovada”, destaca o relatório.
E, quanto mais tempo o governo levar para anunciar para uma intervenção militar na Amazônia, maior será o ritmo de desmatamento, diz a Eurasia.
Com a recessão, haverá menos fiscalização
A crise econômica gerada pela pandemia “certamente piorará” a política de conservação da floresta, aponta o relatório.
Isso porque autoridades regionais já se opõem amplamente contra operações de controle ambiental rigorosas, diz a Eurasia, porque elas geram impactos sobre a atividade econômica local.
“Com a próxima recessão, haverá mais pressão local contra as operações de controle ambiental, o que pode ser muito negativo se as atividades de desmatamento em larga escala permanecerem ativas”, afirma a consultoria.
A Eurasia reconhece, no entanto, que os efeitos da crise econômica sobre o desmatamento ainda não estão claros.
Por um lado, a queda da atividade econômica em meio à recessão pode reduzir a demanda por novas terras, que são obtidas por meio da derrubada da floresta.
Mas a crise também pode levar muitas pessoas à pobreza, o que aumentaria a propensão de que elas se envolvam em atividades ilegais para obter alguma renda.
Por isso, a empresa afirma: “Este será um fator-chave para determinar se as taxas de desmatamento terão um aumento contínuo de 2021 em diante”.
Será mais difícil implementar a estratégia de Bolsonaro para a região Amazônica
O presidente brasileiro adotou uma estratégia diferente de seus antecessores para proteger a floresta e conter o desmatamento.
Bolsonaro diz que é mais eficiente estimular atividades econômicas legais que explorem os recursos naturais da Amazônia e dar incentivos para compensar os empresários locais pela preservação ambiental promovida por eles do que aplicar multas ou realizar operações policiais.
“Esses esforços já levariam muito tempo para gerar dividendos. Mas se tornarão particularmente mais difíceis de implementar em meio a uma crise econômica global, com um nível mais alto de volatilidade e incerteza”, afirma a Eurasia.
“Isso no mínimo retardará as ações do Brasil para criar uma estrutura mais sólida para desenvolver a economia da Amazônia.”
A Amazônia perdeu pelo menos 783 km2 de floresta entre janeiro e março, uma vez e meia mais do que o registrado no 1º trimestre de 2019. Só em março, o sistema DETER de monitoramento do desmatamento do INPE emitiu alertas de desmatamento de mais de 300 km2, 30% a mais do que o registrado em março de 2019. De agosto de 2019 até o final do último março, os alertas emitidos corresponderam a uma área de mais de 5.200 km2, o dobro do ocorrido no mesmo período no ano passado. O mais preocupante é que estamos na estação das chuvas, quando a área desmatada costuma cair. O dado foi comentado por André Borges, no Estadão.
O alerta de Paulo Moutinho, do IPAM, à Época, vai no mesmo sentido. Moutinho destaca que “o perfil do desflorestamento mudou – migrou das áreas privadas para as florestas [públicas], mostrando uma tendência de aumento da grilagem e da especulação de terras. Então, neste momento de pandemia, as ações ilegais estão ocorrendo justamente em Terras Públicas.” E dá o aviso: “Desmatador não faz home office!”
Maurício Tuffani, do Direto da Ciência destaca a fala do diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, dizendo que a epidemia reduziu o efetivo e a capacidade operacional do órgão. E também a de Marcello Britto, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), quem disse que “lamentavelmente, os números do desmatamento deste ano com certeza sairão maiores do que os do ano passado. Porque, enquanto nós estamos aqui preocupados com a questão de saúde, a grilagem está correndo frouxa. As polícias foram puxadas para os centros urbanos porque precisam dar suporte nesse momento. O Ibama não consegue fazer fiscalização. As secretarias estaduais também. Grilagem e desmatamento correndo frouxo. (…) Ao voltar ao normal, dentro do médio prazo, a notícia que nós vamos estar entregando para eles é que tudo aquilo que foi gritado contra o país no ano passado vai retornar.”.
Jake Spring, da Reuters, também escreveu sobre o assunto.
Também vale ler no UOL a matéria de Caroline Garrett e Denise Oliveira falando das ações de “grupos criando estratégias para colocar no centro das discussões os Povos da Floresta e seus ensinamentos, valorizando a identidade e as diversidades existentes dentro da Amazônia”.
O subprocurador-geral da República, Antônio Carlos Bigonha, pensa que as pressões vindas de vários entes do governo sobre as Terras Indígenas tem um único motivo: “A briga é para transferir essa terra do poder público para o mercado imobiliário privado.” Ora é o presidente querendo que índio fique “que nem a gente”, ora são ministros dizendo que os indígenas têm terra demais. A isto soma-se o tempero da inação completa diante das várias invasões do garimpo ilegal. Por um lado, ataques diretos, ora em falas e discursos, ora em projetos de lei do executivo. De outro, discursos tipo “fato consumado” – o garimpo sempre esteve lá, as queimadas sempre aconteceram e o desmatamento sempre foi alto.
Bigonha conversou com Vasconcelo Quadros, d’A Pública, e disse que todo este movimento tem como objetivo legalizar a terra grilada e perpetuar o modo grileiro de ser. Ele dá um exemplo: “É mais ou menos assim: como há muitos homicídios no Brasil e o governo não tem como resolver, então vamos legalizar o homicídio (…) O que o governo está pretendendo é isso. Pouca gente sabe, mas área indígena é terra federal. Então, como o Estado administra mal seu patrimônio imobiliário e não é capaz de inibir a extração ilegal de riquezas em suas próprias terras, ele vem com um projeto para legalizar as invasões. Um projeto subscrito pelo presidente da República não pode ser tomado como instrumento de legitimação das práticas ilegais e inconstitucionais.”
Em tempo: Eles que são alvos constantes de ataques armados por grileiros, madeireiros e demais criminosos que exploram a floresta, os agentes de fiscalização do Ibama e do ICMBio correm o risco de perder o direito ao porte de armas em suas ações. É o que prevê um projeto de lei apresentado ontem, na 4ª feira (19), pelo senador Telmário Mota, conhecido defensor das atividades ilegais que promovem o desmatamento da Floresta Amazônica.
Levantamento exclusivo revela explosão de processos desde 2019 e lista os beneficiários com mais pedidos minerários em TIs: políticos, cooperativas de garimpo e até um artista plástico paulista
A intenção de Jair Bolsonaro em abrir as Terras Indígenas brasileiras para a exploração do subsolo e recursos hídricos não é novidade. Desde que assumiu a Presidência, o mandatário deixou claro, em diferentes momentos, seu desejo nesse sentido.
Uma das justificativas apresentadas é de que as terras indígenas devem ser aproveitadas economicamente. Mas, além de contrariar a Constituição de 1988, como afirmou em entrevista à Agência Pública o subprocurador-geral da República, Antônio Carlos Bigonha, o conteúdo do PL 191/2020 também tem sido questionado por entidades indígenas, organizações socioambientais e pesquisas de opinião – Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, garantiu na quarta-feira (18) que não vai pautar o projeto na Câmara.
Mas, afinal, quem são os potenciais beneficiados com a mineração em terras indígenas?
Levantamento inédito realizado pela Pública com base em dados da Funai e da Agência Nacional de Mineração (ANM) não só traz nome, sobrenome e CNPJ de pessoas físicas e jurídicas com mais pedidos minerários em Terras Indígenas (TIs) como revela um aumento de processos de pesquisa mineral nessas áreas em 2019, revertendo uma tendência de queda dos últimos anos.
Os dados indicam que os processos de exploração minerária em TIs da Amazônia cresceram 91% desde o início do governo Bolsonaro. Esta foi a primeira vez, desde 2013, que os requerimentos registraram aumento – antes, eles vinham caindo ano após ano.
Entre os potenciais beneficiários da medida do Executivo, estão grandes figuras políticas do Amazonas, cooperativas de garimpo com sócios envolvidos em denúncias por crimes ambientais, uma gigante da mineração mundial e até mesmo um artista plástico paulista.
Os dados listados pela Pública apresentam dois cenários – requerimentos incidentes em TIs feitos no período 2011-2020 e os registrados durante o governo Bolsonaro (2019-2020).
Sawré Muybu, dos Munduruku, a mais afetada na década
É no Pará onde está a maioria dos processos minerários em terras indígenas que avançaram no primeiro ano de Bolsonaro. A Terra Indígena Kayapó é a que mais enfrenta processos sobre suas terras no período. Em seguida, está a terra Sawré Muybu, dos Munduruku, também no Pará.
A Sawré é justamente o território indígena mais afetado por processos minerários na década: mais de 14% de todos os requerimentos que passaram por áreas indígenas na Amazônia afetam a terra. Foram 97 processos visando sobretudo a jazidas de ouro, cobre e diamante, e, em menor quantidade, de cassiterita e extração de cascalho.
Após o Pará, são os estados do Mato Grosso e Roraima que mais concentram processos em terras indígenas durante o primeiro ano de Governo Bolsonaro.
A ANM registrou processos minerários – e chegou a conceder títulos de mineração – até mesmo em TIs homologadas, isto é, que já passaram por todas as etapas de regularização junto ao governo federal, incluindo a sanção presidencial. Um dos territórios potencialmente afetados pelos títulos minerários é o do povo Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, cujo processo de homologação foi concluído em 2006. No território vivem nove povos, incluindo indígenas isolados.
Em 2013, por exemplo, a Cooperativa Mineradora dos Garimpeiros de Ariquemes (Coomiga) obteve um título de lavra garimpeira de ouro que incide em parte do território indígena dos Uru-Eu-Wau-Wau. A cooperativa é a terceira maior produtora de estanho do país, segundo o Anuário Mineral de 2018 da ANM. Já em 2016, foi a Cooperativa Estanífera de Rondônia que conseguiu um título para lavrar cassiterita em uma área que inclui trechos da terra dos Uru-Eu-Wau-Wau. A cassiterita é o principal minério de estanho utilizado para produzir ligas metálicas – e fica em Rondônia, no município de Ariquemes, o maior garimpo de cassiterita a céu aberto do mundo.
Nos últimos dez anos, a ANM registrou 656 processos minerários que passaram por trechos de territórios indígenas. Além dos Munduruku, no Pará, os processos minerários nesta década se concentraram nas terras dos Kaxuyana e dos Kayapó, ambos no Pará, e dos Yanomami, em Roraima e no Amazonas.
Cooperativa tem 26 requerimentos em TIs e parte dos sócios foi denunciada pelo MPF
A Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coogam) ocupa o terceiro lugar no ranking de requisições de exploração mineral em terras indígenas no período analisado (2011-2020). Fundada nos anos 1990, ela reúne mais de uma centena de garimpeiros e atua nos estados de Rondônia, Amazonas e Pará, no garimpo feito por meio de balsas.
Foram encontrados 26 requerimentos de lavra garimpeira incidentes em nove terras indígenas na Amazônia Legal.
Para além das requisições formais feitas à ANM, alguns quadros ligados à organização enfrentam acusações na Justiça Federal de exploração mineral ilegal em terras indígenas. É o caso, por exemplo, do atual presidente da cooperativa, Cacildo Jacoby, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por formação de quadrilha, usurpação dos bens da União e poluição e extração de bens minerais sem autorização do órgão competente.
A denúncia do MPF apoia-se na Operação Eldorado, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em novembro de 2012. A operação visou, nos termos da própria PF, desarticular uma “organização criminosa dedicada à extração ilegal de ouro” nas terras indígenas Kayabi e Munduruku e de outros garimpos ilegais no leito do rio Teles Pires. Além de Jacoby, o fundador da Coogam, Geomário Leitão Sena, também é réu pelas mesmas acusações na ação penal que corre na Justiça Federal do Mato Grosso.
A investigação da PF constatou que o ouro extraído ilegalmente no leito do Teles Pires era entregue a empresas Distribuidoras de Títulos de Valores Mobiliários (DTVMs) e, após disfarçada a sua origem, era vendido como ativo financeiro a empresas em São Paulo. Só uma das DTVMs denunciadas pela PF movimentou cerca de R$ 150 milhões. Procurada, a Coogam não respondeu aos questionamentos da Pública enviados por email até o fechamento da reportagem.
Ex-governador e vice do estado do Amazonas possuem seis requerimentos em TIs
Duas figuras da política do Amazonas estão entre os sócios da terceira empresa que mais registrou requerimentos de exploração mineral em terras indígenas durante o primeiro ano do governo Bolsonaro.
A SMD Recursos Naturais Ltda., criada em 2012 e com sede em São Paulo, conta com o ex-governador do estado Amazonino Armando Mendes e seu antigo vice e ex-secretário da Fazenda Samuel Assayag Hanan entre o quadro de sócios. Hanan possui um longo histórico ligado à mineração: entre outras passagens profissionais, já foi presidente da Paranapanema S.A., uma gigante da produção de cobre no país, atuou no setor de Minerocobre Metalúrgico da British Petroleum, foi diretor industrial e comercial da Companhia Estanífera do Brasil (Cesbra) e fez parte do Conselho Superior de Minas do Ministério de Minas e Energia.
Os requerimentos da SMD visam à pesquisa de estanho e incidem sobre as TIs Yanomami, em Roraima, e Waimiri-Atroari, entre este estado e o Amazonas.
Como governador, Amazonino tomou decisões que favoreceram outros interessados na exploração mineral em terras indígenas. Em dezembro de 2017, o então governador renovou Licenças de Operação Ambiental (Loas) em poder da Coogam – outra pessoa jurídica que aparece no levantamento da Pública –, além de conceder outra licença de exploração de ouro para a organização. As Loas, expedidas pelo órgão ambiental do Amazonas, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), autorizaram a Coogam a explorar ouro em cerca de 87 mil hectares no leito do rio Madeira. Dias depois da concessão, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação contra o Ipaam pedindo a suspensão de uma das licenças. Segundo o MPF, a licença foi concedida “sem exigência prévia de estudos ambientais adequados e a despeito de a atividade atingir terras indígenas, unidades de conservação federais e de produzir impacto sobre curso d’água federal em mais de um Estado da Federação”.
As licenças foram concedidas antes da conclusão de um estudo do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam) sobre resíduos de mercúrio no rio Madeira. Elas foram suspensas liminarmente pela Justiça Federal dias depois da concessão. Quando as suspendeu, a juíza Maria Elisa Andrade apontou uma série de descumprimentos de condicionantes ambientais ligadas às licenças de operação. “O acervo documental dos autos demonstra o sistemático descumprimento de condicionantes de licenças ambientais, a provocar danos que colocam em risco a integridade do Rio Madeira, bem como riscos à saúde humana, à biodiversidade e à manutenção do ecossistema amazônico”, escreveu a magistrada em sua decisão. O caso segue em trâmite na Justiça Federal do Amazonas.
Cooperativa com interesse em TIs tem dois sócios denunciados por crimes ambientais
A Cooperativa de Trabalho de Mineradores e Garimpeiros do Marupá (Coopermigama), detentora de quatro requerimentos em TIs em 2019, é outra a ter sócios envolvidos em questões judiciais na área de Meio Ambiente.
Em 2015, Alex Renato Queiroz Carvalho, um dos 12 sócios da cooperativa, foi investigado pela Polícia Civil do Pará por envolvimento em fraudes na aquisição de créditos florestais junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do estado. No inquérito, Queiroz Carvalho é descrito como um dos “intermediários compradores de madeira, créditos e empresas”.
Segundo a investigação, a fraude ocorreu em fevereiro de 2015 e envolveu a Madeireira Sagrada Família, de Pacajá, no Pará – na época ela era de propriedade do então secretário de Desenvolvimento Econômico do município, João Paulo Chopek.
Queiroz Carvalho chegou a ser preso em julho de 2015 por estar supostamente envolvido em transferência irregular de madeira, na comercialização de empresas fantasmas, comercialização de créditos de produtos florestais, crimes ambientais e lavagem de capitais. Foi solto pela Justiça paraense no mesmo mês, mas ainda responde ao processo em liberdade. Procurado pela Pública, o advogado de Queiroz Carvalho respondeu que ele “atuava como comprador de uma empresa exportadora, tendo sido equivocadamente apontado como proprietário de uma empresa madeireira que teria recebido uma carga de madeira irregular, a qual o legítimo proprietário compareceu em juízo e assumiu a responsabilidade sobre o empreendimento”. A advogado afirmou ainda que o processo criminal se encontra em fase de diligências e que “a defesa tem plena convicção da futura absolvição” do acusado.
Outro sócio, Cleidson Cavalcante Hashiguchi, é réu em dois processos na Justiça Federal. No primeiro, foi autuado pelo ICMBio por praticar garimpo sem autorização no rio Jamanxim, em área no entorno da Flona Itaituba II, em Trairão, no Pará. Foi denunciado pelo MPF e condenado em primeira instância, na 1ª Vara de Itaituba, em junho de 2019, mas recorreu. O MPF apresentou contrarrazões ao recurso e o processo agora corre em segunda instância. Cleidson também foi denunciado junto com outras seis pessoas por atividade de extração ilegal de ouro na Estação Ecológica Juami-Japurá em Tefé, no Amazonas. Nem Cleidson, nem sua defesa se pronunciaram até a publicação.
Artista plástico lidera pedidos em 2019; a gigante Anglo também aparece com destaque
O campeão de requisições de exploração mineral em terras indígenas durante o governo Bolsonaro é o arquiteto e artista plástico Sami Hassan Akl. Ele fez sete pedidos para exploração mineral de diamante em TIs apenas em 2019. Ele é sócio da empresa Bogari & Akl Comércio Importação e Exportação Ltda., sediada em São Paulo, voltada ao mercado artístico. Procurado pela Pública, uma pessoa que se identificou como assistente de Sami Akl informou que ele estava em viagem ao exterior e por isso não pôde responder. Indicou o número de um geólogo que estaria auxiliando o artista plástico nos pedidos de mineração, mas não conseguimos contato com o profissional.
Outra a aparecer com destaque no levantamento de requerimentos de exploração mineral é a gigante da mineração mundial, a Anglo American, sediada em Londres. Uma de suas subsidiárias, a Anglo American Níquel do Brasil, a maior produtora de níquel do país, aparece com destaque nos dois recortes do levantamento. A empresa fez seis requerimentos de exploração em terras indígenas em 2019. Ao longo desta década, são 46 requerimentos incidentes em TIs.
O grupo Anglo também enfrenta ações na Justiça relacionadas a infrações ambientais no Brasil. O braço de minério de ferro da companhia é alvo de ação civil pública pelo Ministério Público de Minas Gerais devido ao rompimento de um mineroduto no município de Santo Antônio do Gama, em Minas Gerais. O MP estadual de Minas também cobra R$ 400 milhões na Justiça como reparação de danos morais e sociais coletivos às comunidades impactadas pelo Mineroduto Minas-Rio – um caso já abordado por nossa reportagem. Em âmbito federal, o MPF mineiro pede a suspensão das licenças de operação já concedidas à Anglo bem como do licenciamento ambiental do projeto Minas-Rio.
Procurada, a Anglo afirmou que “apresentou sua defesa nas ações judiciais e não comenta o seu conteúdo” e sobre os requerimentos disse que os fez “com base em dados geológicos disponíveis”, que “a autorização para realizar esses trabalhos de pesquisa mineral será concedida ou não pelas autoridades competentes” e que “somente executa trabalhos de pesquisa mineral em áreas devidamente autorizadas”. A empresa disse ainda, em nota, que “realizou uma revisão de seu portfólio e desistiu de todos os requerimentos em áreas de pesquisa em terras indígenas até 2015. Requerimentos de pesquisa vigentes que porventura margeiem terras indígenas podem apresentar blocos com interferências nesses territórios. Nesses casos, cabe à Agência Nacional de Mineração (ANM) demarcar corretamente os blocos fora das áreas ou reservas indígenas.”
Processos “Branca de Neve”
“Normalmente, quando algum processo minerário incide em terra indígena, ele tem tido sua tramitação sustada. É um fenômeno burocrático curioso: os requerimentos não são indeferidos, mas também não tramitam, ficam, como chamamos, de ‘processos Branca de Neve’, dormindo à espera do beijo do príncipe. A ANM (Agência Nacional de Mineração) mantém alguns títulos nessa situação, há casos de títulos concedidos antes da homologação de terras indígenas ou antes da Constituição de 1988. Há questionamentos em juízo sobre esses títulos”, explica o sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA) Márcio Santilli.
De acordo com manifestação da ANM ao MPF do Pará, a agência considera que a falta de lei regulamentadora não impede que os processos minerários sejam sobrestados, ou seja, abertos e colocados em espera. Em agosto de 2019, a Justiça Federal do Amazonas decidiu que a ANM deveria limpar da sua base todos os requerimentos de pesquisa ou lavra que atingissem territórios indígenas no Estado.
“Não sabemos se a ANM irá estender essa limpeza a outros estados, mas é uma situação anômala existirem esses processos minerários. Já existe jurisprudência do STF que o direito dos indígenas independe da homologação da terra, ou seja, qualquer título incidente em terras indígenas, inclusive o minerário, deveria ser anulado. A ANM se finge de morta até para não ser processada pelos detentores desses títulos”, argumenta Santilli.
Procurada, a ANM e também a Funai não responderam aos questionamentos até a publicação.
Metodologia
Para chegar aos dados, a Pública utilizou a base de processos minerários da Agência Nacional de Mineração (ANM) e cruzou com o mapeamento de Terras Indígenas (TIs) da Funai, para identificar áreas de sobreposição dos processos com os territórios indígenas. Os processos minerários são registros na ANM que pessoas físicas e empresas precisam fazer antes de explorar qualquer mineral ou substância no subsolo brasileiro. Eles têm início com o pedido de autorização para se pesquisar a substância e seguem até à etapa final, quando pode ser concedida a licença para exploração ou garimpo. Todo processo demarca uma área de terra sobre a qual se pretende realizar as etapas para atividade mineradora.
O levantamento da Pública levou em consideração todos os processos incidentes em áreas indígenas em diversas fases do processo de demarcação. As terras indígenas podem ter sido homologadas sobre requerimentos minerários já existentes, mas estes não foram cancelados.
A violência contra ambientalistas, populações indígenas, ribeirinhos e servidores públicos vem se intensificando de forma assustadora. As ameaças e ataques são dirigidos a todos que, de uma forma ou de outra, atuam no combate à grilagem, aos desmatamentos ilegais, à biopirataria, ao genocídio de comunidades indígenas. Não se trata mais de bravatas de um candidato multado ao cometer um ilícito, de um ministro condenado por crime ambiental ameaçando punir servidores por exercerem suas funções ou mesmo de senadores incitando a violência contra agentes públicos através de discursos eleitoreiros e mentirosos. Hoje, qualquer grileiro, jagunço ou mesmo um obscuro autoproclamado “antropólogo de direita” se dá ao direito de confrontar e ameaçar agentes públicos com a “autoridade” a eles concedida pelos discursos oficiais.
Os recentes acontecimentos envolvendo fiscais do Ibama em Roraima e no Pará são claramente resultado de todo esse processo. Entidades públicas como o Ibama, ICMBio e Funai são justamente aquelas que, em função de suas atribuições, se colocam como empecilho aos interesses de grupos econômicos interessados apenas no lucro fácil e imediato, mesmo que isto signifique a destruição da floresta, a contaminação das águas e a violência contra comunidades indígenas e outras populações tradicionais.
No dia 23/01, a Ascema Nacional emitiu uma nota de repúdio às declarações de um senador do Estado do Pará que se referia aos agentes ambientais federais do Ibama como “servidores bandidos e malandros”. Esclarecemos na oportunidade que a ação que originou a acusação tinha o objetivo de coibir a invasão de terras com restrições legais para sua ocupação, já bastante degradada. Mesmo com tais esclarecimentos, nenhuma autoridade se deu ao trabalho de rever suas afirmações.
Uma semana depois, em 31/01, uma pessoa foi morta durante uma operação de combate ao desmatamento em Rorainópolis/RR. Lamentável e triste! Ninguém pode aceitar que situações como essas continuem ocorrendo. Não é admissível, entretanto, a utilização dessa tragédia para alimentar discursos eleitoreiros e mentirosos com o claro objetivo de inviabilizar a atuação dos órgãos ambientais na região. Qual o interesse escondido por trás das acusações feitas ao Ibama quando todos os envolvidos tinham conhecimento do que de fato ocorreu? Porque a pressa de autoridades públicas, e até mesmo da Centro das Indústrias do Pará, em apontar o dedo para o Ibama?
Mais recentemente, no dia 16/02, nova tentativa de intimidação e “carteirada” perpetrada por um cidadão que, mesmo sem vínculos com nenhum órgão público, sem nenhuma autoridade formal sobre os servidores, tenta intimidar e inviabilizar a ação de fiscais argumentando que lá estava “para fazer cumprir a ordem ministerial do senhor ministro Ricardo Salles com o qual me encontrei na última terça-feira, dia 11 de fevereiro (…)”. Esse senhor que é tão somente professor de uma faculdade evangélica privada do interior do estado de Goiás, sentiu-se autorizado a ameaçar e tentar inviabilizar a ação de agentes federais no combate à grilagem e ao desmatamento.
Todas essas situações são indubitavelmente o resultado de, no mínimo, um ano de ataques das mais altas autoridades do país que tentam desconstruir o papel exercido pelos trabalhadores da área ambiental como representantes do Estado brasileiro e enfraquecer as instituições e a legislação ambiental existentes, sempre utilizando um clima hostil e persecutório em relação aos servidores. Chegamos a uma situação inusitada em que se invertem os fatos, colocando infratores ambientais, jagunços, grileiros como “cidadãos de bem” e servidores públicos como se fossem “bandidos”, “criminosos” ou “parasitas”. Uma situação que pode levar a novas tragédias, posto que são incentivadas e legitimadas por autoridades constituídas, sob um silencio ensurdecedor de parte da sociedade!
Reiteramos nossa inconformidade e indignação frente às atitudes dessas autoridades que têm nos atacado.
Exigimos o fim desses ataques e ameaças e conclamamos toda a sociedade brasileira a refletir:
A QUEM SERVEM ESSAS PESSOAS QUE INCITAM O CRIME AMBIENTAL, A GRILAGEM E
O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor de Oliveira, criticou o projeto de lei apresentado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro que prevê a regulamentação da mineração em terras indígenas. Dom Walmor disse que é preciso respeitar as populações indígenas e “não apenas fazer um projeto de desenvolvimento que atenda a interesses econômicos que são nefastos”.
“Estamos diametralmente opostos àquilo que atinge (as populações indígenas) e que se faz por interesse meramente econômico e um desenvolvimentismo e que não atende as necessidades dos mais pobres, mas que os expulsa”, afirmou.
E completou: “Governos e grupos econômicos presidem seus interesses no dinheiro e, portanto, não levam em conta questões fundamentais que devem ser consideradas em nome da preservação. Sabemos que é uma enorme e grande luta que devemos fazer”.
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