+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Carvão: a Europa desiste e o Brasil insiste

Taxação de importações com alto teor de carbono integra estratégia da UE na briga com China e EUA pela hegemonia na transição energética

A decisão da União Europeia (EU) de taxar a importação de produtos intensivos em carbono acaba servindo para mostrar, mais uma vez, que o aumento da participação na matriz energética brasileira de combustíveis fósseis como o carvão e o gás natural é contraprodutivo até para as forças econômicas que sustentam o governo do Presidente Jair Bolsonaro.

As sucessivas políticas energéticas de Bolsonaro colocam sobre o Brasil o risco de ser excluído dos mais importantes fluxos de comércio mundial e de manter o País apartado da nova geopolítica que vai advir da transição energética que já vem sendo liderada pela China, a Europa e os EUA.

No dia 14 de julho, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo da EU, anunciou uma série de medidas para submeter aos padrões ambientais da Europa todas as importações da UE –incluindo o grande negócio agrícola brasileiro, setor duro do apoio a Bolsonaro .

Quem não cumprir com as regras, que com variadas formas serão mais cedo ou mais tarde também adotadas pelos EUA e a China, não mais conseguirá vender aos centros dinâmicos do capitalismo global. Segundo o jornal Valor Econômico, a taxa do carbono vai entrar em operação em 2023, de forma escalonada, até 2030.

A UE espera arrecadar € 10 bilhões por ano com a taxação – o que de fato é uma quantia importante – , mas, no fim das contas, o grande valor é estratégico e não “meramente” financeiro

Visão mesquinha de País: a privatização da Eletrobrás

Como se sabe, no Brasil da era Bolsonaro predominam em todos os campos visões mesquinhas de País – e assim também é demonstrado nas estratégias e ações pelo aumento da proporção de carbono no PIB nacional.

Por exemplo, na extensão do indefensável subsídio à indústria carbonífera em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estados em que a degradação ambiental e social provocada pela extração e industrialização do carvão mineral atingiu os níveis mais elevados no Brasil. Além disso, há, também, a distribuição – tremendamente oligopolizada – dos sistemas de distribuição de gás natural por quase todo o território nacional.

Ações desse tipo foram incluídas pelos relatores na Câmara e no Senado, ambos parlamentares do DEM, na Medida Provisória (MP) da indefensável privatização da Eletrobrás. Tudo com o apoio da bancada governista.

Apesar ser historicamente responsável por uma sucessão de megaprojetos de extremo impacto ambiental e social, a Eletrobrás também foi central na construção de infraestrutura que garante segurança elétrica à Nação, a começar pelo Sistema Integrado Nacional (SIN).  Toda essa infraestrutura é baseada na hidroeletricidade, que emite uma quantidade muito menor de gases causadores do aquecimento do planeta, em comparação com sistemas baseados em combustíveis fósseis.

O SIN permite que o Operador Nacional do Sistema (ONS) otimize uma qualidade de que pouquíssimos países dispõem: dois regimes hidrológicos complementares. Quando falta água nas barragens das hidrelétricas no sul do País, aumenta-se o despacho das usinas localizada na região norte – e vice-versa.

Mas, esquartejada, como prevê a MP elaborada por Bolsonaro e próceres do Centrão, a Eletrobrás perderá o protagonismo nesse engenhoso sistema, que passará a correr seriíssimo risco operacional. E, aí, a saída prevista pelos parlamentares induz a mais e mais utilização de carvão e gás natural para gerar eletricidade.

Os parlamentares ainda permitiram dispositivos ilegais – que mídia apelidou de “jabutis” -, segundo os quais o governo federal poderá subsidiar, durante anos, a suja cadeia do carvão e o Congresso determinará a viabilização de novas usinas termelétricas – esta última uma prerrogativa não do Legislativo, mas do Executivo. Uma opção que ainda vai aumentar a conta de energia a ser paga pelo consumidor final – ou seja, nós.

Licitações de petróleo e desmatamento

Há, ainda, a 17ª Rodada de Licitação de áreas marinhas que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) planeja realizar em 7 de outubro. Cheia de irregularidades, como a ausência de Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS), a 17ª Rodada foi parcialmente suspensa pela Justiça federal em Santa Catarina, a pedido do Instituto Internacional Arayara e do Observatório do Petróleo e do Gás.

Em decisão preliminar, foi retirada do leilão da ANP a oferta de blocos localizados na Bacia Marítima de Pelotas até que haja a legislação ambiental seja cumprida e a AAAS sejam elaboradas.

O crescente desflorestamento por derrubada ilegal e as queimadas idem em larguíssima escala também contribuem para carbonizar a economia bolsonarista e afastar o Brasil do mercado europeu, formado por 446 milhões de consumidores de alto poder aquisitivo, distribuídos por 27 países.   

Para além do impacto comercial negativo e imediato, a carbonização da economia brasileira, se não for revertida, produzirá efeitos, inclusive, no campo geopolítico.

Como observou a professora Monica Bruckman, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em artigo publicado no site da Fundação Rosa Luxemburgo, os planos de descarbonização elaborados pela Europa visam, também, à disputa pela distribuição do poder no mundo, tendo como centros o Velho Continente, a China e os EUA.

A estratégia europeia para a transição energética

 “Quem pensa que o Pacto Verde Europeu é apenas uma política ambiental está enganado.  Trata-se antes de uma estratégia ambiciosa para a transformação da economia e sociedade europeias com o objetivo de alcançar a neutralidade climática e com a ambição de posicionar a UE como líder mundial neste processo, pronta a estabelecer relações estratégicas com a Ásia, principalmente com a China, África e América Latina, através da chamada “Diplomacia do Pacto Verde”, escreveu Bruckman.

Ela continua: “Esta estratégia multidimensional é colocada como o eixo articulador das várias políticas da UE em todos os sectores. Por conseguinte, tem implicações científico-tecnológicas, de segurança e defesa e um potencial impacto geopolítico a nível global”.

A acadêmica destaca também que as medidas europeias planejam a “transformação do setor industrial em todas as suas cadeias de valor nos próximos 5 anos.  Isto significará certamente a destruição ou reconversão de complexos industriais inteiros, que serão substituídos por novos complexos industriais que, por sua vez, dependerão de novos ciclos tecnológicos”.

Os planejadores e tomadores de decisão oficiais de hoje enxergam suas ações apenas de um ponto de vista do ganho particular imediato e – como a CPI da COVID19 no Senado está demonstrando – nem sempre de um ponto de vista republicano. Associam-se de forma oportunista a velhos esquemas de poder – como as indústrias carbonífera e petrolífera -, sem desejar sequer enxergar o que a realidade concreta já lhes demonstra.

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Exploração de petróleo na Foz do Amazonas gera tensão e ameaça ativistas ambientais

A Foz do Rio Amazonas, uma das áreas mais ricas em biodiversidade do Brasil, está no centro de uma intensa disputa ambiental. Em meio ao debate sobre a liberação do bloco petrolífero FZA-M-59, comunidades locais, pescadores e ambientalistas têm buscado apoio para tentar barrar a expansão da exploração predatória de petróleo na região. Diante desse cenário, o Instituto Internacional ARAYARA,

Leia Mais »

Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão

Câmara ressuscitou “jabutis” da privatização da Eletrobras e assegurou a contratação, até 2050, de termelétricas movidas a gás e carvão. Governo estuda veto Originalmente publicado em O Eco, por Ellen Nemitz em 19/12/2024.  O urgente projeto de tornar o setor elétrico brasileiro mais verde sofreu um importante revés no Congresso Nacional. O Projeto de Lei n. 576/2021, que traz uma

Leia Mais »

Jabuti’ para térmicas a carvão beneficia diretamente estatal do RS, diz Arayara

Entidade aponta que emenda somam cerca de R$ 4 bilhões até 2050, “beneficiando diretamente a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) O Instituto Internacional Arayara realizou o lançamento oficial do Monitor de Energia, uma plataforma digital voltada para disseminar informações sobre a matriz energética brasileira. O evento aconteceu na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e marcou também a divulgação

Leia Mais »

Impulsionado por lobby, gás natural acumula vitórias em 2024 no Brasil

Setor emplacou “jabuti” em projeto de eólicas offshore e viu complexo termelétrico avançar no Pará Por Rafael Oliveira – Agência Pública – 16/12/2024 No tabuleiro da produção energética no Brasil, o peão do gás natural avançou várias casas em 2024. A vitória mais recente ocorreu na semana passada, quando o lobby do setor conquistou a aprovação de um jabuti –

Leia Mais »