A intensa onda de calor que atingiu o Rio Grande do Sul nesta semana levou ao adiamento do início das aulas na rede estadual de ensino. O ano letivo, que começaria na segunda-feira (10), foi postergado após uma Ação Civil Pública movida pelo Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS/Sindicato), que buscava garantir a segurança da comunidade escolar diante das temperaturas extremas. No entanto, a Justiça aceitou o recurso do governo estadual e derrubou a decisão liminar, determinando a retomada das aulas nesta quinta-feira (13).
A Secretaria de Saúde do estado reconheceu os riscos para crianças, idosos e trabalhadores expostos a ambientes sem ventilação adequada. Ainda assim, o governo manteve o calendário escolar sem alterações. Enquanto isso, a rede hospitalar estadual se prepara para um possível aumento no número de internações devido às complicações causadas pelo calor extremo.
O CPERS/Sindicato baseia sua ação judicial em direitos constitucionais fundamentais, como a garantia à vida e à saúde. A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e convenções internacionais determinam que o Estado deve adotar medidas preventivas para proteger alunos e trabalhadores da educação.
Desafios estruturais e ações emergenciais
O Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) emitiu para o estado gaúcho um alerta de “Grande Perigo” devido às temperaturas extremas, que ultrapassaram os 43°C em diversas cidades. A MetSul Meteorologia reforçou o alerta, indicando um risco inédito de calor no estado até o dia 12 de fevereiro.
Diante de uma mudança brusca de temperatura, a falta de infraestrutura adequada nas escolas torna-se um desafio. A maioria das unidades não conta com climatização e muitas possuem problemas na rede elétrica, possibilitando a instalação de aparelhos de ar-condicionado. Segundo a Secretaria da Educação do RS, das 2,3 mil escolas estaduais, apenas 633 contam com aparelhos de ar-condicionado.
Mudanças climáticas
A crise climática tem impactado a educação globalmente. De acordo com o relatório do Banco Mundial, entre janeiro de 2022 e junho de 2024, eventos meteorológicos extremos impediram 404 milhões de alunos de frequentarem a escola. O estudo aponta que inundações, ondas de calor e frio excessivo são fatores que forçam o fechamento de escolas ao redor do mundo, prejudicando a educação dos jovens.
Litigância climática
O Instituto Internacional ARAYARA, reconhecido por seu trabalho em justiça socioambiental, ingressou junto ao Tribunal de Justiça do RS com o pedido requerendo ingresso como Amicus Curiae na Ação Civil Pública movida pelo CPERS/Sindicato. Maior ONG de litigância ambiental do país, a ARAYARA defende que o Rio Grande do Sul adote uma matriz energética limpa e acessível, alinhada às necessidades climáticas e econômicas do estado.
No final do ano passado, a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul determinou a suspensão do Plano de Transição Energética estadual até a criação efetiva de um comitê técnico, conforme acordo entre a ARAYARA e o governo estadual, a decisão, no entanto, foi reformada pelo Tribunal de Justiça. A decisão de primeira instância atendia à Ação Civil Pública movida pela organização, que exige a formação de um comitê participativo, com representantes do estado, da prefeitura de Candiota, da UFRGS, do Ministério Público e de entidades da sociedade civil.
A Importância de medidas preventivas
Segundo a Organização Meteorológica Mundial, se as políticas atuais forem mantidas, a temperatura global pode aumentar 3,1°C até o final do século, ultrapassando o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris e trazendo impactos devastadores.
O diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno de Araújo, destaca que os recentes desastres climáticos no Brasil, como as chuvas extremas no Sul e a seca no Norte, evidenciam a necessidade urgente de políticas ambientais eficazes.
“O Sul do Brasil já sente os efeitos dessa crise, como as chuvas intensas de 2024, que resultaram em grandes perdas humanas e materiais. Esses eventos podem se tornar ainda mais graves devido à exploração de carvão mineral e à falta de uma governança climática eficaz”, alerta Araújo, doutor em urgências e emergências ambientais.
Ele também reforça a importância de infraestrutura adequada para enfrentar eventos climáticos extremos. “No Rio Grande do Sul, a previsão de temperaturas recordes justificou o adiamento das aulas como uma medida essencial para proteger alunos e profissionais da educação, minimizando riscos à saúde. Por isso, reiteramos o posicionamento do CPERS/Sindicato, assim como a proposição da Deputada Estadual Laura Sito, que encaminhou ofício ao Governo do RS pedindo o estabelecimento de protocolos para enfrentamento do calor extremo”, completou.
Para o engenheiro ambiental e gerente de Transição Energética da ARAYARA, John Wurdig, é urgente que o Governo do Estado do Rio Grande do Sul implemente um Protocolo Permanente para a rede pública estadual de ensino. “Esse protocolo deve estabelecer critérios claros para a classificação dos níveis de calor em cenários de risco extremo, garantindo a definição de medidas de ação adequadas para proteger alunos e profissionais da educação”, ressaltou Wurdig.
Foto : reprodução – Caco Argemi / CPERS – Sindicato