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ARAYARA na Mídia: Projeto que afrouxa licenciamento ambiental pode acelerar exploração de petróleo perto da Foz do Amazonas, apontam especialistas

Nesta quinta-feira (17), a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que enfraquece as regras para o licenciamento ambientalUm dos pontos destacados é que a proposta permite que o governo licencie, por decreto, empreendimentos que considerar “estratégicos”. Especialistas apontam que, entre outros problemas, a flexibilização pode acelerar a exploração de petróleo perto da Foz do Amazonas. (Entenda mais abaixo)

O projeto tramitava na Câmara havia 21 anos e teve a discussão destravada neste ano — em que o país é sede da COP30, que debate o clima. A decisão final foi tomada na madrugada de terça, quando o texto foi aprovado por 267 votos a 116.

➡️ Entre os pontos do projeto está a criação de uma modalidade de licença com critério político: o Licenciamento Ambiental Especial. A proposta foi feita pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União), que é do Amapá, o estado que seria mais beneficiado pelos royalties gerado pela exploração do petróleo nessa região. Por essa proposta, os projetos considerados prioritários pelo governo teriam as licenças aceleradas, concedidas por decreto com avaliação em fase única.

Para obter esse tipo de licença, seria necessário realizar um estudo sobre o impacto ambiental do projeto. No entanto, o prazo máximo para a autorização é de um ano — mais rápido que o tempo de um licenciamento tradicional.

Embora o texto não cite licenças para petróleo e gás, especialistas afirmam que a construção da proposta “cai como uma luva” para acelerar autorizações na Foz do Amazonas. Há um mês, o governo realizou um leilão para cessão de direito de exploração em 19 blocos nessa área e arrecadou R$ 844 milhões.

Essa discussão envolve dois pontos principais:

  • Há variáveis: o projeto ainda depende de sanção do governo federal, que pode sancionar ou vetar trechos ou o texto inteiro. Para que as regras sejam aplicadas aos blocos já leiloados, o governo também precisaria declarar os blocos na Foz como projeto prioritário.
  • Mas há indícios: Lula já defendeu publicamente a exploração na Foz do Amazonas e afirmou que, diante da demora na análise da licença, poderia chamar o Ibama para uma reunião. Disse também que o país não pode desperdiçar essa oportunidade.

Fonte: Reprodução/g1

 

Para a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, a adoção da medida em meio a esse cenário representa um risco.

“O que o projeto fez foi simplificar o processo a partir de uma decisão política. Ninguém sabe como isso vai funcionar — essa licença por pressão política — mas é uma medida completamente sem contornos técnicos, sem segurança de que a avaliação de impactos ambientais vai ocorrer como deve ocorrer”, explica Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

 

Atenção: para os especialistas, a medida não afetaria o bloco 59, que está em discussão atualmente, porque o processo ambiental já está em andamento e em fase avançada. Avaliam que, se o governo aplicasse as novas regras, seria “como dar um cavalo de pau” na discussão em curso.

Neste texto, você vai ler:

O que o projeto muda

O projeto flexibiliza e muda completamente pontos centrais da legislação de licenciamento ambiental. A lei existe para avaliar impactos e garantir que empreendimentos causem o menor risco possível à sociedade e ao meio ambiente.

Na Câmara, no entanto, a proposta foi defendida como uma forma de “desburocratizar” o processo de licenças.

Veja as sete principais mudanças:

  • Criação de Licença Ambiental Especial (LAE): autoriza obras classificadas como “estratégicas” pelo governo, mesmo com alto potencial de degradação. A emissão será acelerada: prazo máximo de 12 meses, com validade de cinco a dez anos.
  • Dispensa de licenciamento: elimina a exigência para ampliação de estradas, atividades agropecuárias, tratamento de água e esgoto, e pequenas barragens de irrigação. Apenas aterros sanitários seguem exigindo permissão ambiental.
  • Renovação automática: permite renovação de licenças por autodeclaração, desde que não haja mudanças na atividade ou nas regras.
  • Autodeclaração nacionalizada: o empreendedor pode declarar, pela internet, que cumpre os requisitos, sem análise prévia do órgão ambiental. O modelo, já adotado em alguns estados, valerá para todo o país — inclusive para empreendimentos de médio porte com potencial poluidor.
  • Enfraquecimento do Ibama e do Conama: transfere responsabilidades de licenciamento para estados e municípios e anula partes da Lei da Mata Atlântica, facilitando o desmatamento de florestas primárias e secundárias.
  • Desproteção de comunidades tradicionais: terras indígenas e territórios quilombolas não homologados deixam de ser consideradas áreas protegidas. Segundo o ISA, isso afeta cerca de 18 milhões de hectares — o equivalente ao território do Paraná.
  • Risco a sítios arqueológicos: restringe a atuação do Iphan, que só poderá se manifestar se houver bens históricos já identificados no local. A Sociedade de Arqueologia Brasileira alerta para perdas irreversíveis.

 

O Ministério do Meio Ambiente era contra o PL, mas o projeto foi apoiado pelo Ministério de Minas e Energia, que lidera as políticas de petróleo e gás.

Apesar da divergência, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), orientou voto contra. Ainda assim, partidos da base liberaram suas bancadas ou registraram votos divergentes. (Veja como votou cada um)

Antes da votação final, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) afirmou à GloboNews que a mudança transforma o licenciamento em decisão política.

“O licenciamento é uma das principais ferramentas de proteção ambiental. A partir do momento em que não há uma regra geral e cada prefeito, governador ou presidente vai decidir o que tem impacto ou não, adeus proteção ambiental.”

O contexto da exploração do petróleo

 

Para entender como as mudanças podem afetar o licenciamento de novas explorações, é preciso observar os acontecimentos recentes:

  • Licenciamento do bloco 59

 

➡️ O bloco 59 está sob concessão da Petrobras desde 2013. Em 2014, a empresa iniciou o processo de licenciamento ambiental para realizar pesquisas na área. A decisão final, porém, ainda não foi tomada.

O local é considerado sensível: o bloco fica a 175 km da costa do Amapá e apresenta riscos como impacto ambiental da movimentação, ameaça à vida marinha em caso de vazamento e prejuízos à pesca e às comunidades locais

O Ministério do Meio Ambiente vem reforçando a necessidade de proteção ambiental e de transição energética – o que inclui investir em menos fontes fósseis, como o petróleo. Neste ano, o país recebe a COP 30, que debate as ações de transição e proteção ambiental tendo como palco a Amazônia.

Mas Lula afirma que o governo não iria abrir mão de explorar uma riqueza como a que se prevê ter na Foz do Amazonas.

“O problema é que o Ibama tem uma posição, o governo pode ter outra posição. Em algum momento eu vou chamar o Ibama, a Petrobras e o Meio Ambiente na minha sala para tomar uma decisão. Esse país tem governo, e esse governo reúne e decide. Se as pessoas podem ter posições técnicas, vamos debater tecnicamente. O que não dá é para a gente dizer a priore que vai abrir mão de explorar uma riqueza que se for verdade as previsões é uma riqueza muito grande para o Brasil”, disse Lula.

Em 17 de junho, o governo colocou em leilão 172 áreas para exploração de petróleo em todo o país, incluindo 47 na Margem Equatorial – região que abriga a Foz do Amazonas. O leilão foi realizado um dia antes do fim do prazo para que os blocos na Foz integrassem o certame.

Em 17 de junho, o governo leiloou 172 áreas para exploração de petróleo em todo o país, incluindo 47 na Margem Equatorial – região que abriga a Foz do Amazonas. O leilão foi realizado um dia antes do fim do prazo para que os blocos da Foz integrassem o certame.

Ao todo, 19 áreas foram arrematadas. Com isso, após dez anos, a Foz do Amazonas voltou a ter áreas arrematadas por empresas – e não foi por pouco. Os blocos localizados ali concentraram 85% do valor total do leilão, somando R$ 844 milhões em investimentos.

Como a mudança pode acelerar a exploração

Especialistas ouvidos pelo g1 apontam que, embora a nova regra ainda dependa de sanção e declaração de prioridade, há sinais de que projetos de petróleo podem ser os primeiros a serem beneficiados.

“O leilão mostra que as empresas retomaram o investimento na exploração de petróleo na área, que estava parado por causa desses entraves ambientais. Os blocos foram bem pagos. Esse cenário mostra um reconhecimento de uma movimentação do governo pelo petróleo”, explica Vinicius Nora, do Instituto Internacional Arayara, instituição com foco na justiça climática e monitoramento de petróleo e gás.

O especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e professor de direito ambiental, Fábio Ishisaki, reforça que o novo projeto, como está, poderia facilitar o licenciamento para os novos blocos leiloados.

“O projeto prevê os projetos prioritários e também inclui um item sobre segurança energética nacional. Esses dois pontos mostram que ações em exploração de petróleo podem ser facilitadas no país. Isso incluiria os novos blocos leiloados, por exemplo, desde que colocados na lista prioritária do governo”, explica Ishisaki.

Por exemplo, no caso da Foz já são 11 anos de processo. Com a mudança, isso faria com que projetos prioritários tivessem a licença em um ano.

Para Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, também acredita que o primeiro impacto da mudança deve ser no licenciamento especial, com foco no petróleo.

“As principais implicações, provavelmente, estão na implementação da licença ambiental especial, incluídas no projeto pelo Alcolumbre”, explica.

Paulo Artaxo, vice-presidente da SBPC e cientista do IPCC – Painel Climático da ONU -, afirma que o projeto de lei é uma ameaça ao desenvolvimento sustentável, mas que acredita no veto ou na judicialização antes que qualquer medida possa ser tomada.

“Como está, os projetos no país teriam uma análise rápida e pouco profunda. Isso é um desmonte e não acredito, tecnicamente, que ele seguirá assim. Além do veto, há a possibilidade de judicialização. O impacto sobre a exploração de petróleo depende desses pontos”, explica.

 

Isso pode afetar o bloco 59?

O que os especialistas com quem o g1 conversou explicam é que o licenciamento do bloco já está em andamento e que a medida, caso entre em vigor como está, não permitiria esse tipo de contorno.

“Para fazer isso o governo teria que dar um ‘cavalo de pau’. O licenciamento já está em um processo mais avançado e mudar a sistemática agora seria ferir os princípios da administração pública da eficiência, da moralidade”, explica Fábio Ishisaki, do Observatório do Clima.

g1 procurou o Ibama, mas o órgão não se pronunciou até a última atualização desta reportagem.

Impacto nacional

Para além da questão do petróleo, os especialistas apontam que a aprovação coloca em risco os biomas, terras indígenas, animais, a população e a riqueza nacional.

Dentre os pontos, há outro a ser destacado: a autodeclaração. A lei aprovada permite que o empreendedor possa declarar pela internet que cumpre requisitos, sem análise prévia do órgão ambiental.

“Isso seria feito sem apresentação prévia de qualquer estudo ambiental. Esse será o procedimento padrão que gerará a maior parte das licenças no país, na modalidade por Adesão e Compromisso. (…) É uma tragédia”, disse Suely Araújo, ex-Ibama e coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

Outro ponto citado é a redução da participação popular nos processos de licenciamento. Hoje, se um projeto vai impactar uma população, eles precisam ser ouvidos. Com a “desburocratização” esse processo, que é considerado ponto importante pelos especialistas, ficou fragilizado.

O especialista em direito ambiental Fábio Ishisaki explica que o projeto representa um desmonte da legislação e, para além de afetar o meio ambiente, pode trazer impactos para os negócios. Sem estudos aprofundados há mais risco de desastres que não vão ser mapeados antes e que podem causar prejuízos.

“O projeto também traz insegurança para o investidor, essas coisas caminham juntas”, explica Fábio Ishisaki.

O que diz o Ministério do Meio Ambiente

Em nota, o ministério do Meio Ambiente informou que o projeto “fragiliza os instrumentos de licenciamento ambiental e representa risco para a segurança ambiental e jurídica do país”. Disse ainda que avalia caminhos para enfrentar o prejuízo com o novo texto.

“O MMA avaliará os caminhos institucionais mais adequados para enfrentar os prejuízos decorrentes da ausência de procedimentos de licenciamento ambiental compatíveis à preservação e uso sustentável das imensas riquezas naturais do nosso país. A equipe técnica do MMA já trabalha na análise dos encaminhamentos cabíveis. O ministério reitera a disposição para seguir em diálogo com o Congresso Nacional e os diferentes setores da sociedade”, diz.

Fonte: G1

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