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ARAYARA na Mídia: Licença especial acelera licenciamento para empreendimentos que vão do agro à exploração de petróleo na Amazônia

Por Fábio Bispo – InfoAmazônia

Parte central de medida provisória aprovada pela Câmara nesta terça-feira (3), a nova Licença Ambiental Especial (LAE) prevê o prazo máximo de até 1 ano para licenciar projetos considerados ‘estratégicos’ pelo governo. Especialistas alertam para afrouxamento de regras para grandes projetos da agropecuária extensiva, mineração e exploração de petróleo.

Um relatório redigido e alterado seis vezes em menos de 24 horas, aprovado às pressas na noite desta terça-feira (2) na Câmara dos Deputados, instituiu a Medida Provisória (MP) 1.308/2025. Ela cria a Licença Ambiental Especial (LAE), uma nova autorização para acelerar o licenciamento de obras e atividades classificadas como “estratégicas” pelo governo federal, no prazo máximo de 1 ano. O texto também foi referendado na tarde desta quarta-feira (3) no Senado, em meio a uma votação simbólica sem debates.

Na prática, segundo especialistas ouvidos pela InfoAmazonia, a LAE abre caminho para grandes empreendimentos de infraestrutura, do agronegócio, da mineração e para exploração de petróleo na costa amazônica, esvaziando a análise técnica e a participação social, reduzindo a proteção em áreas protegidas e as salvaguardas das populações tradicionais.

“A LAE transforma o licenciamento em uma ‘licençona’, com prazos impossíveis de cumprir, feita para passar por cima dos órgãos ambientais para liberar grandes empreendimentos e obras, inclusive a exploração de petróleo na costa amazônica, obras como Ferrogrão, a hidrovia do Tapajós e a BR-319”, afirmou Letícia Camargo, consultora de advocacy do Painel Mar, organização formada por especialistas das Ciências do Mar, instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil.

A LAE transforma o licenciamento em uma ‘licençona’, com prazos impossíveis de cumprir, feita para passar por cima dos órgãos ambientais para liberar grandes empreendimentos e obras, inclusive a exploração de petróleo na costa amazônica, obras como Ferrogrão, a hidrovia do Tapajós e a BR-319.

Letícia Camargo, consultora de advocacy do Painel Mar

Para o Instituto Internacional Arayara, a aprovação da LAE representa uma virada de chave perigosa na política ambiental brasileira — e um atalho jurídico para destravar projetos de exploração de petróleo na costa amazônica.

Se a LAE considerar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas como “estratégica”, o mecanismo poderá beneficiar diretamente as petroleiras norte-americanas ExxonMobil e Chevron, que juntas arremataram 19 blocos nesta região em junho deste ano. A Petrobras tem participação em 10 desses blocos.

Em setembro, o governo brasileiro emitiu a licença ambiental para a Petrobras perfurar o bloco 59, na Foz do Amazonas, em um polêmico processo de licenciamento que recebeu diversas negativas dos órgãos ambientais.

Em nota, a Arayara alerta que, sob esse modelo, decisões de altíssimo risco ambiental e climático, como a perfuração de poços de petróleo na Foz do Amazonas, poderão ser tomadas por conveniência política, e não com base em critérios científicos. “Enquanto o mundo falha em sinalizar o fim dos fósseis, o Brasil abre vias preferenciais para expandi-los”, afirma a entidade. A aprovação da LAE ocorre apenas dez dias após a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, que terminou sem compromissos concretos de eliminação progressiva de combustíveis fósseis.

Xadrez legislativo incluiu derrubada de vetos de Lula

A MP 1.308/2025 foi articulada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que apresentou o dispositivo como uma emenda à Lei nº 15.190/2025 (conhecida como “PL da Devastação”, agora Lei Geral do Licenciamento), vetada por Lula (PT) por concentrar o licenciamento em um único rito simplificado. Mas em um acordo entre Planalto e Senado, a proposta foi reeditada como uma medida provisória sob o argumento de “tornar mais eficiente” o licenciamento de projetos estratégicos — como a exploração de petróleo na costa amazônica, defendida por Lula e Alcolumbre.

LAE nasceu com proposta de Alcolumbre no PL da Devastação, mas virou MP do governo após acordo para agilizar projetos “estratégicos”. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

A decisão da Câmara sobre a MP ocorre menos de uma semana após a derrubada dos 52 vetos do governo Lula (PT) à Lei Geral do Licenciamento. A nova legislação, que recebeu forte resistência da sociedade civil e da ala ambiental do governo, provocou profundas mudanças nas regras para o licenciamento ambiental.

Com a derrubada dos 52 vetos, está dispensado o licenciamento para agropecuária extensiva, mesmo para casos que tenham o seu Cadastro Ambiental Rural pendente de homologação. A decisão restringiu, também, a proteção apenas a Terras Indígenas homologadas e Territórios Quilombolas titulados, ignorando centenas de áreas ainda em processo de demarcação e reconhecimento.

A nova lei também limita a avaliação de impactos em unidades de conservação (UC), excluindo impactos indiretos e cumulativos que a legislação até então em vigor manda considerar. E retira a exigência de autorização dos órgãos gestores de UCs para obras com significativo impacto, estreita ou elimina condicionantes que hoje previnem, mitigam e compensam danos, e reduz a chamada “áreas de impacto presumido” em áreas protegidas.

Obra da BR-319 é incluída indiretamente

A medida provisória, publicada em agosto deste ano, previa que a LAE garantiria as autorizações necessárias em 12 meses para projetos definidos como “estratégicos” por um conselho de governo. Em troca, o Congresso deveria manter os principais vetos de Lula aos pontos críticos no PL da Devastação — o que, sabe-se agora, não aconteceu. A MP do governo foi alterada em comissão mista, presidida por Tereza Cristina (PP-MS) e relatada por Zé Vitor (PL-MG).

Apesar dos quatro meses em que a MP esteve vigente, o relatório da comissão só foi apresentado poucas horas antes da votação no plenário da Câmara.

O novo texto que converteu a MP em lei aumentou as dispensas de licenciamento que já existiam no PL da Devastação, incluindo para a dragagem de hidrovias. Aprovou, ainda, prazos mais curtos para autorizar rodovias preexistentes — proposta direcionada para a reconstrução da BR-319, que está com o licenciamento suspenso por decisão judicial —, e fixando o prazo máximo de 30 dias para emissão de autorização para a obra, após a declaração de viabilidade ambiental. Caso não seja cumprida a data limite, “os estudos serão elaborados com os dados secundários mais recentes disponíveis”, ou seja, com estudos que podem não ser oficiais.

Apesar de o texto não citar a BR-319, a relação do dispositivo com a obra foi destacado por diversos parlamentares: “nós temos a BR-319, que é essencial não somente para o desenvolvimento do estado do Amazonas, mas para Roraima também. Nós precisamos tirar a região Norte do isolamento que vive hoje”, defendeu Adail Filho (Republicanos-AM).

Nilton Tatto (PT-SP), disse que a inclusão deste trecho na MP “criou uma LAE dentro da LAE”, criando prazos e critérios que inicialmente não estão na essência da proposta do governo.

“Não dá para você colocar dentro da LAE e dizer que determinados empreendimentos, estradas, por exemplo, vão ser tratadas a priori já dessa forma. E se uma estrada não for estratégica? Estamos colocando um absurdo dentro da LAE”, criticou durante votação em separado do item, que acabou vencido por 300 votos a 123.

A reconstrução da rodovia é polêmica e tem sido defendida pelas bancadas do agronegócio, da indústria e da mineração para ligação rodoviária entre as capitais Porto Velho (RO) e Manaus (AM). No entanto, estudos apontam que a obra tem potencial de ampliar o desmatamento na Amazônia, em uma das regiões mais protegidas da floresta.

Autolicença para garimpo de diamante

Também foram feitos ajustes à Licença por Adesão e Compromisso (LAC), modalidade de autodeclaração que dispensa análise prévia detalhada do órgão ambiental já aprovada no “PL da Devastação”, incluindo o garimpo de diamantes entre as atividades que podem se autolicenciar. Segundo especialistas consultados pela reportagem, a LAC poderá ser aplicada em 90% dos licenciamentos de pequeno e médio porte.

“O governo e o país perderam duas vezes: Alcolumbre traiu Lula ao pautar a derrubada dos vetos do PL da Devastação no Congresso num acesso de birra por ter perdido a indicação de Rodrigo Pacheco para o STF”, manifestou o Observatório do Clima, rede da sociedade civil que reúne 133 organizações, com atuação na agenda climática.

“O retrocesso já está posto, uma vez que não há mais chance de alteração significativa do texto proposto na medida provisória. Mais uma vez, os interesses econômicos da bancada do agro e da indústria transformam o Congresso na casa de poucos, e não na casa do povo”, complementa Gabriela Nepomuceno, a especialista em Políticas Públicas do Greenpeace Brasil.

Base do PT escolhe a saída ‘menos pior’

A base do governo ficou dividida na votação da medida provisória na noite de terça. Enquanto a federação PSOL-Rede e o PSB se posicionaram contra o texto integral, o PT considerou que, apesar da alterações na comissão mista, MP ainda é menos prejudicial que a emenda do presidente do Senado na Lei do Licenciamento —que poderia voltar a ser votada caso a MP não passasse.

“O esmero, a necessidade estratégica para o Brasil e para o planeta do cuidado ambiental, ficam relegados a terceiro ou quarto plano”, declarou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), antes de declarar posicionamento contrário à medida e criticar as modificações realizadas pela comissão mista.

O líder do PT na Câmara, Lindenbergh Farias (PT-RJ), disse que “derrubar a medida provisória do governo é um erro, abre caminho para uma autodeclaração [com uso da LAC] muito pior”, afirmou declarando apoio à proposta relatada pelo deputado bolsonarista Zé Vitor.

A posição do governo se uniu aos discursos extremistas que defenderam o novo texto da MP. Como foi o caso do deputado Delegado Caveira (PL-PA), que pediu o fechamento dos órgãos ambientais, como ICMBio e Ibama, defendendo: “Deixem os mineradores, deixem os garimpeiros trabalharem”, declarou em seu voto.

Já o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), acusou, sem qualquer prova ou relação com os fatos, que a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, teria envolvimento com o incêndio ocorrido nas estruturas da COP30, em Belém.

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