Decisão técnica impede avanço do projeto termelétrico em Ceilândia, citando riscos ao Cerrado, à saúde da população e à segurança hídrica do DF
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu nesta quinta-feira (16/10) a licença prévia da Usina Termelétrica (UTE) Brasília, de responsabilidade da Termo Norte Energia Ltda., planejada para operar a gás natural em Ceilândia (DF). A decisão, baseada no parecer técnico nº 132/2025, conclui que o empreendimento apresenta inviabilidade ambiental e locacional, encerrando a etapa inicial do licenciamento e impedindo o projeto de disputar leilões de energia.
O documento cita riscos à qualidade do ar, à disponibilidade de água e ao ecossistema do rio Melchior, além de potenciais impactos sobre áreas residenciais e uma escola pública próxima ao terreno previsto para a instalação. Segundo o projeto, a unidade escolar seria demolida.
De acordo com o parecer, a usina teria capacidade de 1.470 megawatts e demandaria a supressão de 31,91 hectares de vegetação nativa do Cerrado, com captação de 110 mil litros de água por hora e lançamento de efluentes no rio Melchior. O estudo também estima emissões anuais de 4,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente, o que agravaria a poluição atmosférica em uma região densamente habitada. O órgão destaca ainda que o projeto se baseia em outorgas hídricas e estudos de 2012, considerados desatualizados, e em um licenciamento de gasoduto vencido há mais de seis anos.
Mobilização
O indeferimento ocorre após meses de mobilização de moradores e organizações ambientais do Distrito Federal, que questionavam a viabilidade técnica e social do projeto. Em junho, uma audiência pública foi suspensa após manifestações contrárias no Centro Cultural de Samambaia.
O movimento #XôTermelétrica, que reúne entidades como o Instituto Internacional Arayara e o Observatório do Petróleo e Gás (OPG), acompanhou o processo de licenciamento desde o início. “O Ibama tomou esta decisão técnica graças à pressão das comunidades de Ceilândia, Samambaia e Sol Nascente”, afirmou John Wurdig, gerente de Transição Energética da Arayara.
O parecer também levou em conta a crise hídrica enfrentada pelo Distrito Federal em 2024, quando o rio Melchior apresentou uma das menores vazões em décadas. O órgão avaliou que a instalação de uma termelétrica no local poderia agravar o estresse hídrico e comprometer a qualidade ambiental da região. A ausência de garantias sobre o fornecimento de gás natural e a suspensão do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) de 2025 também pesaram na decisão, reduzindo a viabilidade econômica do empreendimento.
O projeto da Termo Norte Energia integra um conjunto de quatro usinas termelétricas previstas para o Centro-Oeste, todas associadas ao Gasoduto Brasil Central (TGBC), com mais de 900 quilômetros de extensão entre São Carlos (SP) e Brasília. Segundo o parecer, a dependência dessa infraestrutura, ainda sem licenciamento válido, compromete o planejamento e a segurança de suprimento energético.
Em nota, o diretor técnico da Arayara e conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Juliano Bueno, disse que a decisão “evita um impacto ambiental e social significativo no Distrito Federal”. Ele defendeu que o debate sobre a expansão de termelétricas na matriz energética nacional deve considerar os compromissos de transição energética e as condições hídricas locais.
Por nota, a UTE Brasília confirmou ao Correio ter recebido o parecer técnico emitido pela Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic) do Ibama e está avaliando detalhadamente seu conteúdo, bem como os fundamentos apresentados pelo órgão. “A partir desta análise, a companhia irá definir as medidas cabíveis dentro do prazo legal e, caso necessário, apresentará recurso conforme previsto na legislação vigente”, finaliza o comunicado.
Fonte: Correio Braziliense
Foto: ARAYARA.org