Hoje é Dia do Oceano — e eu, de São Paulo, me preparo para ver vídeos do mar feitos por inteligência artificial, enquanto os tomadores de decisão se reúnem em Nice, na França, para a UNOC (Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos), que começa amanhã.
Beatriz Mattiuzzo – Colunista de Ecoa
Não posso falar muito, sei bem a qual grupo pertenço. Inclusive, caí no meu primeiro vídeo de IA há poucos dias. Falo isso com certa vergonha, ainda que fosse um vídeo “inofensivo”: uma mulher discutia no embarque de um avião por não poder levar seu “canguru de suporte emocional”. A “câmera” aos poucos dava zoom no animal, que segurava uma passagem de avião com carinha de dó.
A verdade é que conhecemos verdadeiramente muito pouco do oceano. Apesar de cobrir 70% do planeta, só 20% do fundo marinho foi mapeado com algum grau de detalhe. Ainda assim, tomamos decisões que afetam ecossistemas inteiros — que nem sabemos que existem.
Olhando assim, a principal meta da UNOC — ampliar as áreas marinhas protegidas de 8% para 30% — pode até parecer contraditória. Mas, na verdade, trata-se de uma meta urgente, uma vez que os estudos e pesquisas mostram cada vez mais a importância do oceano. Não deveria ser tão surpreendente, visto que esse é o ecossistema que controla o clima da Terra. Além disso, proteger algo que não conhecemos é o chamado princípio da precaução, um dos mais importantes norteadores da conservação, na prática: conservar primeiro, para depois buscar entender e avaliar.
Nos últimos anos, com tantos problemas em terra, tem se olhado cada vez mais para o mar. Petróleo vai acabar? Pera aí, dá pra cavar mais fundo e achar mais óleo! Extração de minério? Vamos minerar o fundo do mar e financiar a transição energética! Só que essa corrida por recursos ignora justamente aquilo que a ciência e a ética ambiental mais recomendam: desacelerar, proteger, estudar. É a diferença entre mergulhar de cabeça e olhar antes se tem água na piscina. Só que, no caso da Foz do Amazonas, a piscina abriga um dos maiores corredores de biodiversidade marinha do planeta.
No Brasil, a mensagem do governo desce torta. Enquanto representantes participam da conferência internacional, e o país fala sobre sua posição estratégica para liderar a transição energética, o mesmo governo segue pressionando pela liberação de exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
E não é uma decisão para o futuro — é agora. A ANP (Agência Nacional do Petróleo) pretende leiloar 172 blocos de petróleo e gás no próximo dia 17 de junho. Muitos deles estão sobrepostos a áreas de altíssima sensibilidade ambiental e sociocultural.
Pela primeira vez, blocos na Foz do Amazonas entram nesse modelo de concessão — um alerta vermelho para cientistas, ambientalistas e comunidades costeiras. Até blocos próximos à badalada Fernando de Noronha estão no pacote. O chamado ‘Leilão Fóssil’ levou a organização Arayara a recorrer a diversos cientistas e produzir pareceres técnicos que podem ser acessados em leilaofossil.org
O discurso bonito sobre proteção dos mares já não dá conta de esconder as contradições. O Brasil quer ser protagonista da economia azul enquanto aprofunda sua dependência dos fósseis. Quer liderar a transição energética, mas não consegue sequer frear a destruição em suas áreas mais sensíveis. No fim das contas, seguimos exportando biodiversidade em relatórios e importando lucro a qualquer custo — mesmo quando o custo é o oceano e os povos do mar.
Fonte: UOL
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