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Arayara está entre organizações que propõem protocolo ao Tratado da Amazônia

Um grupo de 53 organizações da sociedade civil entregou ao governo brasileiro e à OTCA (Organização para o Tratado de Cooperação da Amazônia) uma proposta de protocolo ao TCA (Tratado de Cooperação da Amazônia), cuja cúpula de chefes de Estado acontece na semana que vem em Belém.

O instrumento visa à adoção de medidas entre os países amazônicos para evitar que o bioma atinja o ponto de não-retorno, a partir do qual a floresta morre e se converte num ecossistema empobrecido, agravando ainda mais o aquecimento da Terra.

Estudos recentes têm levantado a hipótese assustadora de o bioma amazônico entrar nessa espiral de colapso por conta do efeito combinado de desmatamento e mudança do clima. Isso poderia ocorrer com um desmatamento total na casa de 20% a 25% da área da floresta. Hoje a Pan-Amazônia já perdeu 15% de sua cobertura vegetal original; no Brasil, que detém 60% da área do bioma, a perda já foi de 20%.

Em 2021, um grupo do Inpe mostrou, após coletar nove anos de dados, que algumas regiões da Amazônia brasileira já emitem mais gás carbônico para a atmosfera do que capturam, revertendo o papel do ecossistema de sorvedouro para ao menos uma parte do carbono extra lançado pelos seres humanos no ar.

A ideia de negociar um protocolo dentro do TCA foi aventada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em maio num seminário no Itamaraty. Ambientalistas acharam-na boa e transformaram-na numa minuta de texto de negociação. “Como forma de implementação, entende-se que um acordo multilateral que impeça o atingimento do ponto de não-retorno da floresta amazônica deve incluir:
I. Um compromisso para eliminar o desmatamento até 2030;
II. O reconhecimento de todos os territórios indígenas e quilombolas e o fortalecimento de seus direitos; III. A expansão das áreas protegidas; e
IV. Medidas efetivas de combate aos ilícitos ambientais, tais como o garimpo ilegal e a contaminação por mercúrio”, diz a proposta. O objetivo, caso seja acolhida, é ter o instrumento pronto para adoção em dois anos.

 

Leia abaixo a íntegra do documento:

Contribuição da sociedade civil brasileira para a Cúpula da Amazônia para impedir o ponto de não-retorno do bioma

Aos chefes de Estado e governo dos países-membros do Tratado de Cooperação Amazônica reunidos em Belém em agosto de 2023:

Considerando o papel do bioma Amazônia na manutenção da qualidade de vida das 38 milhões de pessoas que habitam a região e sua contribuição para o equilíbrio ambiental de outros territórios e, consequentemente, do bem estar de suas populações;
Considerando que a Amazônia, em seus nove países, abriga a maior biodiversidade terrestre do planeta;
Levando em conta a importância das florestas tropicais, em especial a Amazônia, para a manutenção do clima da Terra, e o papel das queimadas e do desmatamento tropical nas emissões de gases de efeito estufa e de outros poluentes;
Considerando, com preocupação, o fato de que 15% da Pan-Amazônia já foi desmatada, incluindo mais de 20% da Amazônia brasileira, cujo desmatamento nos últimos anos vem ultrapassando os 10.000 km2 anuais;
Considerando, ainda, estudos recentes sugerindo que a combinação entre mudança climática e desmatamento pode empurrar todo o bioma para um ponto de não-retorno no qual a floresta morre e é substituída por um tipo de savana empobrecida, e que tal ponto poderia ocorrer quando o desmatamento total atingisse entre 20% e 25% da área
do bioma;
Reconhecendo a Tríplice Crise Planetária declarada pela ONU, notadamente a crise climática, da poluição e da perda da biodiversidade, que são interdependentes e interligadas com o ponto de não-retorno da Amazônia;
Lembrando outros estudos que mostram que partes da Amazônia brasileira já são emissoras líquidas de gases de efeito estufa, tendo perdido sua função de sorvedouro de
carbono;
Considerando que, se o ponto de não retorno for atingido, haverá graves consequências econômicas e sociais não apenas na região amazônica, mas também nas zonas mais
densamente povoadas da América do Sul, que se beneficiam da umidade “exportada” pela floresta para o restante do continente;
Considerando que no último relatório do IPCC, o AR6, ficou demonstrado que os impactos das mudanças climáticas estão chegando mais cedo, sendo mais difusos e mais
extensivos do que o esperado, sendo que impactos ainda piores poderão ser vistos a curto prazo;
Considerando que o AR6 também alertou que as cidades tropicais serão fortemente afetadas por ondas de calor e recordes diários de temperatura, aumento do tempo de
estiagem e também das chuvas extremas e alagamentos;
Considerando que, de acordo com o AR6, a Amazônia como um todo estaria 16% mais exposta a secas severas e incêndios florestais, sendo que 41% de toda população de
centros urbanos do delta do rio Amazonas e seus estuários estão expostos a enchentes, enquanto cidades como Santarém e Manaus estarão com a sua população e
infraestrutura altamente vulneráveis a enchentes;
Recordando o compromisso assumido pelos chefes de Estado dos países amazônicos, na Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas, de “parar e reverter a perda de
florestas até 2030”;
Recordando, ainda, a meta do Acordo de Paris de envidar esforços para estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5oC em relação à era pré-industrial, compromisso que
depende da manutenção e recuperação maciça de florestas nativas no mundo inteiro, inclusive nos trópicos;
Reconhecendo o Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montréal, que prevê meta de conservação de 30% da biodiversidade global até 2030 em consonância com as
importantes contribuições dos povos indígenas e das comunidades locais como guardiões da diversidade biológica;
Considerando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em especial os ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico), 10 (redução das desigualdades), 13 (ação
contra a mudança global do clima), 14 (vida na água), 15 (vida terrestre), em cumprimento à agenda 2030;
Considerando que as populações negras, indígenas e tradicionais serão as mais afetadas pelo ponto de não-retorno da Amazônia, uma vez que dependem da estabilidade
ambiental da região para seu sustento e para a perpetuação da sua cultura, incluindo o perigo de migração forçada dessas populações, em razão de eventos extremos;
Considerando o que dispõe o art. 9, ponto nº 02, do Acordo de Escazú, e o ponto de nº 28 da Resolução nº 03/2021 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos;
Considerando que há crescente literatura que demonstra a adaptação de comunidades indígenas e comunidades tradicionais às mudanças do clima por meio de conhecimento tradicional;

As organizações da sociedade civil signatárias desta carta propõem aos governos da Pan-Amazônia:

1. A elaboração de um acordo multilateral que impeça o atingimento do ponto de não-retorno da floresta amazônica.

2. Este acordo poderá levar em consideração, inter alia, as seguintes propostas:
I – Políticas de monitoramento e fiscalização de crimes transfronteiriços;
II – Políticas de inclusão, bioeconomia e fomento a economia da floresta viva;
III – Políticas de combate às queimadas e à poluição do ar na região;
IV – Fomento à cooperação técnica e financiamento para desenvolvimento e
transferência de tecnologias;
V – Reconhecimento e valorização dos saberes de comunidades tradicionais e indígenas; e
VI – Criação de um banco de dados comuns da biodiversidade e proteção dos dados dos recursos naturais como bem comum.

3. Como forma de implementação, entende-se que um acordo multilateral que impeça o atingimento do ponto de não-retorno da floresta amazônica deve incluir:
I. Um compromisso para eliminar o desmatamento até 2030;
II. O reconhecimento de todos os territórios indígenas e quilombolas e o fortalecimento de seus direitos;
III. A expansão das áreas protegidas; e
IV. Medidas efetivas de combate aos ilícitos ambientais, tais como o garimpo ilegal e a contaminação por mercúrio.

4. O acordo deve ser adotado em um prazo não superior a dois anos.

Lista de organizações signatárias:

Apremavi
ARAYARA.org – Instituto Internacional
Associação Alternativa Terrazul
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Associação Rare do Brasil
BVRio
CIRAT – Centro Internacional de Água e Transdisciplinaridade
Climainfo
COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil
Engajamundo
Fundação Ecotrópica – Fundação de Apoio à vida nos Trópicos
Fundação Grupo Esquel Brasil
Grupo de Trabalho Amazônico-GTA
Idesam
IDS-Br
IEMA
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
Imaflora
Imazon – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
Instituto Água e Saneamento
Instituto Alana
Instituto Alziras
Instituto Cidades Sustentáveis
Instituto de Estudos da Religião – ISER
Instituto de Referência Negra Peregum
Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
Instituto Ecológica
Instituto Marielle Franco
Instituto Perifa Sustentável
Instituto Sociedade, População e Natureza | ISPN
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto Talanoa
International Energy Initiative – IEI Brasil
IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Movimento Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Observatório do Clima
OPAN – Operação Amazônia Nativa
OPG – Observatório do Petróleo e Gás
Oxfam Brasil
PerifaConnection
Plataforma CIPÓ
Preserva Serrinha
Projeto Hospitais Saudáveis
Projeto Saúde e Alegria
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Rede Eclesial Pan Amazônica-Brasil (REPAM-Brasil)
Rede Fé Paz e Clima
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
SOS Pantanal
Uma Gota No Oceano
WWF-BRASIL

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