A ação civil pública movida pelo Instituto Internacional ARAYARA visa garantir a segurança hídrica e ambiental do Distrito Federal
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal deu um passo decisivo na defesa ambiental da capital ao suspender, por meio de liminar, as outorgas de uso de água destinadas à instalação da Usina Termelétrica Brasília (UTE Brasília), um megaempreendimento energético da empresa Termo Norte Energia, uma das maiores térmicas a GNL em licenciamento no Brasil.
A decisão — proferida pela Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF — acolhe os argumentos de uma Ação Civil Pública movida pelo Instituto Internacional ARAYARA, que revelou uma série de irregularidades nos atos administrativos que autorizaram o uso de recursos hídricos do Rio Melchior.
Rio em colapso e dados defasados
As outorgas suspensas, de nº 337/2023 e 33/2024, foram emitidas pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (ADASA) e permitiriam a captação de 110 mil litros de água por hora do já combalido Rio Melchior, cuja classificação ambiental é nível 4 — o pior existente, que proíbe qualquer uso humano, como banho, pesca e irrigação. Segundo os estudos da ARAYARA, 94% dessa água voltaria ao rio em temperatura elevada, agravando sua situação ecológica, e ainda sem saber se a disponibilidade de vazão do Rio não seria comprometida em seu balanço hídrico .
Mais alarmante ainda é o fato de que o projeto da usina se baseou em dados hidrológicos e meteorológicos defasados, de até 13 anos atrás, ignorando atualizações feitas em 2020 no Plano de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos da Bacia do Paranaíba, onde o Melchior se insere.
“Estamos diante de uma violação do princípio da precaução ambiental”, afirma Juliano Bueno , Diretor Técnico da ARAYARA,que é doutor em riscos e emergências ambientais . “Licenciar um empreendimento com base em dados ultrapassados, sem avaliar corretamente os impactos sobre uma bacia hidrográfica crítica, compromete não só o meio ambiente, mas a saúde pública e os direitos fundamentais da população e do ecossistema do Rio Melchior.”
Impacto socioambiental e na saúde pública
A denúncia vai além dos aspectos técnicos: o traçado da usina ameaça a existência da Escola Classe Guariroba, que atende mais de 348 crianças da rede pública. A proposta de demolição da escola para dar lugar ao complexo termelétrico foi classificada por Bueno como “absurda” e uma violação dos direitos humanos fundamentais.
A localização da usina em regiões periféricas como Samambaia, Recanto das Emas e Ceilândia também motivou denúncias de racismo ambiental, já que a escolha recai sobre áreas de menor poder político e histórico desamparo em políticas públicas ambientais.
Simulações indicam colapso na qualidade do ar.
Estudos conduzidos pelo Departamento de Geociências e Saúde Ambiental da ARAYARA revelam outro ponto crítico: a queima de Gás Natural Liquefeito (GNL) para geração de energia liberaria uma massa de poluentes tóxicos que atingiria todo o Plano Piloto e regiões administrativas do DF, agravando ainda mais a já frágil qualidade do ar na capital federal, onde inclusive moradores do Lago Sul, Asa Sul e Park WAY serão também afetados pela massa de gases e precipitações de potencial chuva ácida .
“A combinação de poluentes pesados, ar extremamente seco e padrões de vento locais pode transformar Brasília em uma câmara de poluição atmosférica”, alerta o estudo. Os impactos à saúde incluem aumento de doenças respiratórias, pressão sobre o SUS e piora nos índices de qualidade de vida.
Mobilização e resistência popular
Desde março, a ARAYARA vem articulando uma frente de resistência com o Movimento Salve o Rio Melchior, o Fórum de Defesa das Águas do DF, Condemas, Arie JK, escolas, deputados distritais e lideranças comunitárias e especialistas.
A campanha “Xô Termelétrica” já atingiu milhares de assinaturas em uma petição pública online, e obteve apoio institucional na 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente e , onde foi aprovada por ampla maioria uma moção de repúdio ao projeto.
Lúcia Mendes, diretora do Fórum de Defesa das Águas e Clima de Brasília, comemorou a liminar: “É uma decisão que nos dá esperança. Mostra que a justiça está atenta e que a sociedade civil tem força. Estamos falando da água e de uma energia cara e suja que Brasília não precisa ! Essa luta é pela vida.”
Justiça ambiental
A outorga hídrica é um dos documentos fundamentais para o processo de licenciamento ambiental da Usina Termelétrica Brasília (UTE Brasília). Sua suspensão representa um marco histórico para a litigância climática no Brasil, reforçando o protagonismo da sociedade civil na defesa dos recursos naturais e no controle social de grandes empreendimentos.
Além disso, o caso estabelece um precedente relevante que pode influenciar decisões futuras sobre projetos fósseis em áreas urbanas e ambientalmente vulneráveis, reforçando o papel estratégico da sociedade civil na fiscalização, contestação e judicialização de políticas públicas ambientais no país.
O Instituto Internacional ARAYARA, maior organização de litigância climática da América Latina, também já havia obtido vitória judicial na esfera federal. A 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal determinou o adiamento da audiência pública que discutiria o licenciamento ambiental da UTE Brasília, marcada para o dia 12 de março.
A decisão atendeu a um mandado de segurança impetrado pela ARAYARA, que apontou falhas na divulgação oficial da audiência, o que comprometeria a participação popular — princípio fundamental nos processos de licenciamento. Reconhecendo o erro de comunicação, o juiz determinou o remanejamento da data para garantir transparência e ampla participação da sociedade.
Sobre a ARAYARA
Com sede em Brasília e atuação internacional, o Instituto Internacional ARAYARA é uma organização referência em políticas públicas, litigância climática e mobilização socioambiental. Lidera no Centro-Oeste a campanha “Xô Termelétrica” e atua em conselhos estratégicos como o CNRH (Conselho Nacional de Recursos Hídricos), o FONTE (Fórum Nacional de Transição Energética) e é observadora credenciada na International Seabed Authority (ISA). Mantém parcerias com o IPCC, a Organização Meteorológica Mundial (WMO) e universidades em três continentes.
Foto: ARAYARA