O presidente da convenção prometeu apresentar novos desdobramentos das conversas até sábado; no domingo tratativas avançaram até o fim da noite
Ao abrir a COP30, na segunda-feira, a presidência da conferência prometeu para dali a dois dias uma definição sobre quatro itens que, àquela altura, não se sabia se entrariam na agenda oficial do encontro. Esgotado o prazo nesta terça-feira, contudo, não apenas não houve resolução para esses pontos, como se somou a eles mais uma frente de impasse. Apesar dos entraves, o clima entre negociadores brasileiros é de “otimismo cauteloso”, como definiu Túlio Andrade, chefe de Estratégia e Alinhamento da delegação nacional. O presidente da convenção, embaixador André Corrêa do Lago, prometeu apresentar novos desdobramentos das conversas até sábado.
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No domingo, véspera do início da COP30, as tratativas avançaram até o fim da noite com quatro gargalos principais, associados à inclusão das NDCs (documentos em que os países apresentam seus objetivos de redução de emissões), a medidas unilaterais de comércio, a relatórios de transparência e a financiamento climático, todos fora da lista de 145 temas “mandatados” — ou seja, de discussão obrigatória, muitas vezes herdados de conferências anteriores. Foi o caso, por exemplo, da criação da Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), idealizada no Acordo de Paris, em 2015, e delineada no ano passado em Baku, no Azerbaijão, mas cuja implementação ficou para Belém.
O objetivo, agora, é chegar a um consenso sobre cem indicadores globais que apontariam como os países estão se saindo nas ações de adaptação e resiliência. O Grupo Africano, no entanto, que abarca 54 representantes do continente, defende estender o trabalho técnico por mais dois anos.
O bloco também é o que mais demanda a entrada do financiamento climático na agenda oficial. Nos bastidores, a leitura é que, sem receber recursos de países ricos, os principais responsáveis históricos pelas emissões de gás carbônico, essas nações pretendem atrasar medidas que exigiriam o cumprimento de metas internas, uma vez que é preciso de dinheiro para alcançá-las.
— A GGA é um mandato para esta COP. Quem quiser ir contra isso precisará convencer 197 países — destaca a diplomata Liliam Chagas, chefe da equipe de negociadores do Brasil. — Uma decisão para mudar ou postergar esse mandato tem de ser negociada. O jogo está começando, é normal que se avance e se recue.
A questão do financiamento climático já havia dominado a COP29, em Baku, sem desfecho resolutivo. Para Belém, o assunto só é diretamente citado no chamado “roadmap” elaborado em conjunto pelas presidências da conferência passada e a atual, que não afeta a agenda formal. Fontes que acompanham as tratativas consideram improvável que o tema entre oficialmente nas negociações deste ano.
Nos primeiros dois dias da COP30, as reuniões para tratar dos itens em aberto duraram, somadas, sete horas. Um desses pontos é justamente sobre o artigo 9.1 do Acordo de Paris, que fala sobre fluxo de financiamento e estabelece que os países desenvolvidos devem financiar a ação climática naqueles ainda em desenvolvimento. A presidência brasileira ainda faz consultas sobre esses temas, mas ainda não há um prognóstico claro.
— Todos estão com ânimo muito construtivo. Temos boas interações com os observadores e discussões interessantes. Há forte indicação de que todos querem mostrar que estamos juntos para avançar — frisou Corrêa do Lago em uma das duas entrevistas coletivas que concedeu nesta terça-feira.
Entre os vários compromissos do dia, o embaixador participou de um encontro com o ambientalista e ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, uma das principais vozes da causa no mundo. Lá, ouviu o político dos EUA apresentar um projeto que converte diversas fontes públicas de todo o mundo para monitorar esforços de mitigação e adaptação, permitindo analisar mudanças ao longo do tempo.
— Se estamos buscando mais recursos para ajudar, uma fonte viável seria os trilhões de dólares que os governos estão usando para subsidiar combustíveis fósseis, agravando a crise — cobrou Al Gore ao discursar.
Modelos de debate
As tensões em Belém passam pelos modelos de debates da conferência. A agenda formal da COP30 refere-se às negociações levantadas pela Comissão-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). As decisões precisam vir em consenso, geralmente em plenária, abrangendo o que está em pauta dentro da Convenção do Clima, do Protocolo de Kyoto ou do Acordo de Paris e obedecendo regras específicas de acompanhamento e transparência.
Já a chamada agenda de ação engloba deliberações que não necessitam de consenso e, inclusive, podem ter caráter apenas bilateral. Ela funciona, na prática, como um conjunto de iniciativas voluntárias que envolvem países, empresas, investidores, cidades, governos locais e a sociedade civil. O objetivo, explicam especialistas, é integrar ao processo formal ações que buscam acelerar a redução das emissões, fortalecer a adaptação climática e impulsionar a transição para economias sustentáveis.
— A agenda de ação é completamente separada da formal. Não é um evento sobre as regras da convenção. É para anúncios de setores e acordos bilaterais. Ela é muito liderada pela presidência de cada país. A brasileira fez um esforço para conectar essa agenda de ação com o que está sendo debatido dentro das salas formais de negociação — detalha Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.
Herschmann avalia que o impasse em torno das quatro pautas, no atual momento, não atrapalha o desenrolar da COP30. Ela ressalta, entretanto, que será preciso “esperar alguns dias” para detectar eventuais prejuízos:
— A solução que a presidência da COP deu de separar essas questões em uma consulta informal para liberar a adoção da agenda segue válida. Como ainda não encontraram um caminho, essa consulta será prorrogada até sábado. Existe um espírito de apresentar propostas, ao mesmo tempo que também ocorrem divergências importantes.
Nicole Oliveira, diretora-executiva da ONG Arayara, entende que o cenário atual já é potencialmente prejudicial:
— O mais importante para combater a crise climática é ter planos ambiciosos e concretos em todos os âmbitos. Se derrubarmos da pauta os gaps das NDCs, por exemplo, estamos deixando de fora da sala o elefante mais importante.
Fonte: O Globo
Foto: Reprodução / Rafa Pereira / COP30











