Organizações da sociedade civil entregam documento à Secretaria Executiva da COP30 com propostas para garantir justiça climática e oceânica na Conferência de Belém
Na última quinta-feira (17), representantes da Coalizão COPMar – De Nice a Belém, formada por organizações da sociedade civil e movimentos dos povos do mar, participaram de uma reunião estratégica com Ana Toni, secretária executiva da COP30, para apresentar uma carta com propostas para fortalecer a agenda oceânica na próxima Conferência do Clima da ONU, que será realizada em novembro de 2025, em Belém (PA).
O documento – Carta_SECOP30_150925 (4) – destaca a necessidade de integrar os oceanos e os ecossistemas costeiros como eixos centrais das soluções climáticas globais — tanto pela sua capacidade de mitigação e adaptação quanto pela relação vital com a segurança alimentar e a geração de renda em comunidades vulnerabilizadas.
Protagonismo dos povos do mar
Entre as principais recomendações da carta, estão:
-Reconhecer pescadores artesanais, marisqueiras, quilombolas, indígenas e comunidades costeiras como titulares de direitos (right holders);
-Garantir participação ativa desses grupos nas decisões sobre políticas climáticas;
-Reforçar a agenda oceânica da Conferência, garantindo que ecossistemas como manguezais, recifes de corais, gramíneas marinhas e mar profundo recebam destaque equivalente ao das florestas tropicais na agenda climática, dado seu papel crucial na mitigação e adaptação às mudanças do clima.
-Assumir compromissos com uma transição energética justa, que não reproduza desigualdades nem cause danos a territórios sensíveis;
-Inaugurar uma nova perspectiva internacional que una clima, oceanos e justiça social como agendas inseparáveis.
-Avançar em compromissos nacionais, incluindo o fortalecimento da participação social ndo Planejamento Espacial Marinho (PEM), a ampliação de áreas marinhas protegidas e o reconhecimento dos territórios e “maretórios” dos povos do mar como soluções climáticas essenciais.
“O mar virou fronteira de retrocesso climático”
Para a coordenadora de Advocacy do Instituto Internacional ARAYARA, Renata Prata, a pressão sobre áreas marinhas está se intensificando de forma alarmante no momento mais crítico da emergência climática.
“A Margem Equatorial no Brasil, a costa oeste da África e a ameaça das infraestruturas de GNL nas Filipinas são exemplos de como a exploração fóssil avança onde deveria haver conservação. Esses empreendimentos destroem ecossistemas, expulsam comunidades e comprometem áreas críticas para a absorção de carbono”, afirmou.
Segundo Prata, são justamente as comunidades tradicionais, como as da pesca artesanal e ribeirinhas, que há séculos protegem essas regiões — e que precisam ser protagonistas da resposta climática, não vítimas dela.
Para Henrique Kefalás, coordenador executivo do Instituto Linha D’Água, é preciso estar atento aos riscos das chamadas “falsas soluções”, como os projetos de eólicas em alto-mar e outras iniciativas apresentadas como respostas inovadoras à crise climática, mas que, na prática, reproduzem a mesma lógica de exploração.
“Quando implementadas sem diálogo e sem considerar os direitos dos povos do mar, essas medidas acabam gerando novos impactos ambientais e sociais, ameaçando justamente as comunidades que deveriam ser fortalecidas no processo de adaptação e justiça climática”, destaca Kefalás.
Carolina Cardoso, secretária executiva do PainelMar, relata que para levar esse tema à Presidência da COP30 vai além de pedir que o Oceano seja reconhecido como grande regulador climático e sumidouro de carbono do planeta: é romper com a visão de um ambiente vazio e inóspito, historicamente sujeito à exploração. Precisamos de políticas e soluções climáticas que respeitem os direitos dos povos do mar e priorizem a justiça socioambiental e a integridade dos ecossistemas marinhos.
Jemilli Viaggi, membro da Secretaria Executiva da Liga das Mulheres pelo Oceano, pontua a importância da perspectiva de gênero ser considerada em todas as agendas relacionadas ao oceano, reconhecendo seu papel estratégico para assegurar justiça climática e oceânica.
“As mulheres, especialmente nas comunidades costeiras e tradicionais, são protagonistas na proteção dos territórios e dos ecossistemas marinhos, ao mesmo tempo em que estão entre os grupos mais vulneráveis aos impactos da crise climática. Nesse contexto, a inclusão da perspectiva de gênero nas políticas e processos decisórios, aliada à garantia efetiva dos direitos das mulheres, é essencial para promover respostas equitativas e fortalecer a resiliência das comunidades frente aos desafios climáticos e oceânicos.”
A Rare Brasil ressalta que na Amazônia costeira, comunidades tradicionais têm protegido os manguezais por gerações. “Reconhecer e investir nesses guardiões é vital não apenas para o Brasil, mas para o mundo. À medida que nos aproximamos da COP30, temos a chance de mostrar que a resiliência climática nasce de soluções locais — quando unimos ciência, políticas públicas e saberes comunitários para conservar os manguezais e fortalecer os meios de vida de quem deles depende.”
Atuação estratégica da Coalizão COPMar – De Nice a Belém na UNOC
A entrega da carta à Secretaria da COP30 dá continuidade à atuação da Coalizão COPMar – De Nice a Belém durante a Conferência dos Oceanos da ONU (UNOC 2025), realizada em agosto em Nice, na França.
A coalizão marcou presença em espaços de articulação política internacional, promovendo a defesa da criação de áreas protegidas que garantam os direitos humanos e de um modelo de transição energética que exclua os combustíveis fósseis, priorizando a proteção dos oceanos e dos povos do mar.
Um dos principais destaques da participação da coalizão foi a realização do evento paralelo: “A sociedade civil brasileira convida a comunidade oceânica global para uma conversa sobre oceano e clima.”
COP30: chance de virar a maré
Para as organizações da coalizão, a COP30 representa uma oportunidade histórica para integrar efetivamente os oceanos à agenda climática e garantir justiça para os povos que vivem com e do mar.
“A justiça climática passa pela justiça oceânica. É hora de parar de expulsar quem protege o mar e começar a ouvir quem vive dele há séculos”, conclui Renata Prata.
Henrique Kefalás destacou que a integração efetiva dos oceanos à pauta climática só será possível se os recursos chegarem diretamente às comunidades que mais precisam. “O financiamento para medidas de adaptação climática precisa chegar às comunidades costeiras. Ao redor do mundo, já vemos territórios inteiros desaparecendo diante da crise climática, e no Brasil, a perda acelerada da zona costeira reforça a urgência de apoiar quem vive nesses espaços. Não podemos esperar o pior acontecer para só então agir na mitigação: é preciso garantir condições de prevenção e adaptação agora”, afirmou.
Ele acrescentou que a saúde dos oceanos deve ocupar o centro da agenda climática e da justiça social global, não como um tema periférico, mas como eixo transversal das negociações. Para Kefalás, apenas compromissos mais ambiciosos poderão assegurar um futuro justo para o planeta: “É urgente assumir compromissos que reflitam a real importância do oceano para a vida.”
“Não há floresta sem oceano. Proteger apenas as áreas terrestres, sem considerar a saúde dos oceanos, é uma abordagem incompleta diante dos desafios climáticos. O oceano não está à venda: é um patrimônio comum da humanidade e um elemento essencial para a regulação climática, a biodiversidade e a subsistência de milhões de pessoas”, ressalta Jemilli Viaggi.
Ela acrescenta que é urgente que a COP30 reconheça essa interdependência e assegure que as decisões tomadas contemplem medidas robustas de proteção marinha, garantindo que justiça climática e justiça oceânica caminhem lado a lado. Somente assim será possível enfrentar a crise com a profundidade e a responsabilidade que o momento exige.
Organizações signatárias da carta:
-Painel Brasileiro para o Futuro do Oceano – PainelMar
-Instituto Internacional ARAYARA
-Ilhas do Rio
-Instituto Linha D’Água
-Conservação Internacional Brasil
-WWF Brasil
-Liga das Mulheres pelo Oceano
-Rare Brasil
-Greenpeace Brasil
-Voz dos Oceanos
-Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas – CONFREM Brasil