A InfoAmazonia, em parceria com o Instituto Internacional ARAYARA, realizou uma importante expedição à Guiana em dezembro de 2024. Durante a viagem, diversas contradições foram testemunhadas de perto pelo engenheiro climático e de geociências Joubert Marques, que compartilha sua experiência e reflete sobre como a Guiana pode servir de exemplo do que não fazer na condução das políticas ambientais e energéticas no Brasil.

Leis ambientais afouxadas aumentam os riscos da exploração de petróleo desenfreada na Guiana, como derramamentos de óleo.
O que motivou o alerta sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial brasileira?
Joubert: Foi impossível ignorar o que vimos na Guiana e o risco de seguirmos o mesmo caminho. O petróleo chegou com uma grande promessa de desenvolvimento, mas o que se consolidou foi um modelo de saque moderno: empresas estrangeiras controlando tudo enquanto o povo fica à mercê. É um retrato do que pode acontecer aqui no Brasil se repetirmos os mesmos erros, e os sinais já estão aí.

Os corpos hídricos estão sendo contaminados, agravados pela proximidade de cemitérios e a falta de tratamento básico.
O que aprendemos com a experiência guianense?
Joubert: Que o “milagre econômico” pode ser uma armadilha. O PIB explodiu sim, mas 43% da população ainda vive na pobreza. O que vemos é um colapso da infraestrutura, exclusão social e um custo de vida que disparou. É a velha fórmula: lucro para poucos, crise para muitos.

O PIB explodiu, e a Guiana passou a ser classificada como país de alta renda, mas os índices de desenvolvimento continuam abaixo da média sul-americana, segundo dados da UNICEF de 2021.
Como a Guiana chegou a esse cenário?
Joubert: A pressa. O governo guianense assinou contratos altamente desfavoráveis com a ExxonMobil, sem debate público, sem consulta às comunidades e com isenções absurdas. Para piorar, o órgão ambiental do país não tem sequer recursos próprios para fiscalizar as plataformas, depende da própria Exxon para isso.
E o povo, como ficou?
Joubert: Para trás. O custo de vida aumentou brutalmente, enquanto os salários continuam os mesmos. Empregos? Quase todos com estrangeiros, principalmente chineses. Visitamos canteiros de obra inteiros com placas em mandarim e nenhum trabalhador local. É uma economia que ignora a própria população.

A utilização de mão de obra chinesa em larga escala tem gerado questionamentos sobre a contratação de trabalhadores locais e o impacto na economia guianense.
Há impactos visíveis?
Joubert: Muitos. Rios contaminados, lixo acumulado, energia instável, apagões quase diários, e falta d’água. Georgetown, a capital, não trata esgoto: encontramos canais de água contaminados por toda a cidade, inclusive, passando por um cemitério. Visivelmente, é um colapso ambiental e sanitário.

Em muitos locais, a energia falha com frequência e o acesso à água potável ainda depende de caminhões-pipa.
E as comunidades costeiras?
Joubert: Estão sendo devastadas. A pesca artesanal, que sustentava famílias há gerações, está morrendo. Barcos abandonados formam verdadeiros cemitérios à beira-mar. Pescadores atribuem a diminuição da pesca às atividades petrolíferas, junto a isso o preço ainda caiu e não acompanhou o aumento dos preços. Muitos pescadores simplesmente desistiram.

A pesca artesanal, base da cultura alimentar e econômica de diversas comunidades, está ameaçada. Barcos abandonados mostram alertam para uma última geração de pescadores.
A Exxon faz algum tipo de compensação?
Joubert: Muito marketing. Distribuem brindes com o logo da empresa em eventos esportivos, e divulgam que estão “transformando o país”, entretanto, patrocinar campeonato de críquete não paga esgoto nem garante comida no prato da população.

A estratégia de atuação social da ExxonMobil passa por ações de marketing.
Há também o problema dos povos indígenas, certo?
Joubert: Sim. As comunidades indígenas foram ignoradas. Seus territórios foram incluídos na venda de créditos de carbono sem consulta adequada. Estão vendendo florestas como créditos de carbono para as mesmas empresas que exploram petróleo no país. Um greenwashing escancarado.
O Brasil corre o mesmo risco?
Joubert: Corre, e muito! Já são 781 blocos em fase de exploração na Amazônia, sendo 451 do lado brasileiro. No 5º Leilão da Oferta Permanente de Concessão (OPC) da ANP, realizado em 17 de junho de 2025, 34 dos 172 blocos ofertados foram arrematados. A bacia da Foz do Amazonas concentra a maior parte das áreas vendidas, com 19 blocos adquiridos — o que reacendeu o alerta ambiental, especialmente em torno do Bloco 59. Localizado a 160 quilômetros da costa, ele levanta preocupações sobre o risco de derramamento de óleo e a possibilidade de a mancha atingir o Oiapoque — uma região ecologicamente sensível, composta por manguezais e campos alagados, além das comunidades indígenas.
Quais os riscos ambientais?
Joubert: Altíssimos. Derramamentos de óleo em áreas sensíveis, perda da biodiversidade marinha, colapso da pesca artesanal, poluição atmosférica por queima de gás. E tudo isso em regiões de difícil resposta a acidentes. A Guiana ainda não viveu um grande vazamento, e torce pra não viver. Mas e se acontecer aqui?
E como fica o setor pesqueiro , qual a relevância dele ?
Joubert: Enorme. O Brasil tem mais de 1 milhão de pescadores profissionais. Só o Pará exportou quase 1 bilhão de dólares em pescado em 2022. Não é um setor “do passado”. É presente, cultura, segurança alimentar, e está ameaçado.
E por que insistir no petróleo?
Joubert: Boa pergunta. É um modelo ultrapassado, sujo e insustentável. Vai contra o que o Brasil deveria defender na COP 30, já que o governo está querendo leiloar regiões de extrema importância, como a Costa Amazônica, considerada a última fronteira.
Há alternativa?
Joubert: Claro que sim. O Brasil tem tudo para liderar uma transição energética justa, com foco em fontes renováveis, valorização dos territórios tradicionais e geração de emprego local. Mas precisa escolher esse caminho e parar de vender ilusões petrolíferas.
Em resumo, qual é o recado?
Joubert:O petróleo traz riqueza para poucos e destruição para muitos. A Guiana é um espelho e o Brasil ainda pode desviar desse reflexo. Mas precisa agir agora.
Fotos: ARAYARA/ Joubert Marques